A nova composição racial brasileira segundo o Censo 2010

Raça é um termo que não possui o mesmo significado para todas as pessoas e sua definição depende, em grande parte, do motivo pela qual é avaliada. O que faz um indivíduo pertencer a determinado grupo racial varia de acordo com a época e a região do mundo em que ele vive e com os interesses políticos e culturais em classificá-lo em um determinado grupo (Alves et al, 2005). Isso não acontece só quando o classificam, mas também quando ele declara sua própria raça. Segundo Cavalli-Sforza (2003), qualquer classificação racial é arbitrária, imperfeita e difícil. Poderíamos dizer que se trata de uma questão extremamente polêmica e com nuances de subjetividade. O Censo 2010 detectou mudanças na composição da cor ou raça declarada no Brasil. Dos 191 milhões de brasileiros em 2010, 91 milhões se classificaram como brancos, 15 milhões como pretos, 82 milhões como pardos, 2 milhões como amarelos e 817 mil como indígenas. Registrou-se uma redução da proporção de brancos, que em 2000 era 53,7% e em 2010 passou para 47,7%, e um crescimento de pretos (de 6,2% para 7,6%) e pardos (de 38,5% para 43,1%). Sendo assim, a população preta e parda passou a ser considerada maioria no Brasil (50,7%).

Essa mudança na composição racial parece apontar também na direção de um novo perfil epidemiológico, com alteração na frequência e na distribuição das doenças entre os grupos raciais, além de gerar novas perspectivas de ação no sentido da redução das desigualdades sociais, principalmente entre os menos favorecidos: pretos e pardos. O Censo 2010 destacou ainda a persistência de diferenças na distribuição dos grupos raciais, com uma maior concentração de pretos e pardos no Norte e no Nordeste, e de brancos no Sudeste e Sul, o que acompanha os padrões históricos de ocupação do país e perpetuação nas desigualdades sociais.

Os grupos raciais diferem no que diz respeito às características epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas, acesso a serviços, dentre outros. Dados do Censo 2010 indicam que os pretos e pardos estão em maior proporção no grupo de pessoas abaixo de 40 anos; já os brancos têm maior proporção entre os idosos – maiores de 65 anos e, principalmente, maiores de 80 anos de idade – o que provavelmente está ligado às diferenças de condições de vida e acesso a cuidados de saúde, bem como à participação desigual na distribuição de renda. Os rendimentos médios mensais dos brancos (R$ 1.538) e amarelos (R$ 1.574) se aproximam do dobro do valor relativo aos grupos de pretos (R$ 834), pardos (R$ 845) ou indígenas (R$ 735) (IBGE, 2010).

Na razão entre os rendimentos entre brancos/pretos e brancos/pardos, os maiores diferenciais estão nos municípios com mais de 500 mil habitantes. Entre as capitais, destacam-se: Salvador, com brancos ganhando 3,2 vezes mais do que pretos, Recife (3,0) e Belo Horizonte (2,9). Entre brancos e pardos, São Paulo (2,7) aparece no topo da lista, seguida por Porto Alegre (2,3). Em terceiro lugar estão empatadas Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde brancos têm um rendimento 2,3 vezes maior do que pardos (IBGE, 2010).

Com relação à associação entre raça e saúde, a realidade é muito concreta, corroborada por pesquisas em nível nacional que atestam desigualdades sofridas pelos negros em relação a desfechos de saúde. A prevalência de doenças crônicas auto-referidas foi significativamente maior nas pessoas negras quando comparadas às brancas (Barros et al, 2006). Indivíduos da raça negra também compõem o grupo predominante de casos de violência notificados pelos serviços públicos de emergência no Brasil. Enquanto em brancos a população atendida por violência foi de 26,2%, em negros este percentual foi de 69,7% (Mascarenhas et al, 2009). Cenário desfavorável para a raça negra também é observado para mortalidade materna cuja razão de mortalidade materna foi sete vezes maior quando comparadas às brancas (Morse et al, 2011; Ministério da Saúde de Brasil, 2010).

As mulheres não morrem igualmente por causa da gravidez. As causas da mortalidade materna entre mulheres negras estão relacionadas à dificuldade do acesso aos serviços de saúde, à baixa qualidade do atendimento recebido aliada à falta de ações e de capacitação de profissionais de saúde voltadas especificamente para os riscos a que as mulheres negras estão expostas (Ministério da Saúde de Brasil, 2010). Apesar da evidência da raça, outros fatores não podem ser desconsiderados na associação com desfechos em saúde e no planejamento de ações específicas: se são pobres ou ricas, ou se moram em cidade ou no campo. Diante deste cenário, Sueli Carneiro, Doutora em Filosofia da Educação pela USP e diretora do Geledés (Instituto da Mulher Negra) sugere que seja feita uma reflexão mais aprofundada sobre questões que envolvam a saúde dos negros, desde o melhor entendimento sobre doenças mais prevalentes até a averiguação sistemática da ocorrência de diferenças no atendimento de brancas e negras; considerando que há uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que enfatiza que as mulheres devem ser atendidas em todas as suas especificidades e ciclos de vida, resguardando-se as diferentes faixas etárias e distintos grupos sociais, tais como as mulheres negras.

Essas reflexões são extremamente pertinentes, principalmente quando é real a mudança na composição racial brasileira. Num país onde metade da população é preta e parda, ainda existem lacunas importantes na relação entre à raça (preta e parda) e saúde (acesso, prevenção e tratamento). Para Azevêdo (1987), o aspecto biológico mais fundamental das raças está naquilo que as une e não naquilo que as separa. Além disso, devemos encarar a nossa realidade, a composição racial, o novo perfil epidemiológico, e quebrar as barreiras geográficas e culturais, reduzindo cada vez mais as possíveis diferenças atribuídas às raças. Caso contrário, iremos perpetuar a discriminação, preconceito, marginalização, subjugação e as iniquidades sociais em saúde.

Referências Bibliográficas

Alves C, Fortuna CMM, Toralle MBP. A Aplicação e o Conceito de Raça em Saúde Pública: Definições, Controvérsias e Sugestões para Uniformizar sua Utilização nas Pesquisas Biomédicas e na Prática Clínica. Gazeta Médica da Bahia [periódico na internet]. 2005 Jan-Jun [acesso em 11 jan 2012];75(1):92-115. Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/355/344

Azevêdo ES. Raça. Conceito e Preconceito. São Paulo: Ática; 1987.

Barros MBA, Cesar CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Colet [periódico na internet]. 2006 [acesso em 16 jan 2012];11(4):911-926. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232006000400014&lng=en&nrm=iso.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000400014

Carneiro S. Raça e saúde [Internet]. Direitos Humanos; c2005-2012. Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos; 2006 Nov 27 [acesso em 17 jan 2012]. Disponível em: http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2253&Itemid=2

Cavalli-Sforza LL. Genes, povos e línguas. São Paulo: Companhia das Letras; 2003.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Síntese dos Indicadores de 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 4 jan 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf

Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Macário EM, Gawryszewski VP, Neto OLM. Perfil epidemiológico dos atendimentos de emergência por violência no Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) – Brasil, 2006. Epidemiol Serv Saúde [periódico na internet]. 2009 [acesso em 16 jan 2012];18(1):17-28. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v18n1/v18n1a03.pdf. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000100003

Morse ML, Fonseca SC, Barbosa MD, Calil MB, Eyer FP. Mortalidade materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos? Cad Saúde Pública [periódico na internet]. 2011 Abr [acesso em 16 jan 2012];27(4):623-38. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2011000400002&lng=en . http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011000400002

Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2004. (Série B. Textos Básicos de Saúde). [acesso em 11 jan 2012]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf

Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Saúde da mulher : um diálogo aberto e participativo. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2010  [acesso em 11 jan 2012]. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/saude_da_mulher_um_dialogo_aberto_part.pdf

 

 

 

 

 

 

Entrevista com:

7 Comentário

  1. Realmente trata-se de um assunto muito difícil, muito porque este assunto não se refere a raça! E sim à epiderme! A raça predominate de seres bípedes que anda sobre o Brasil é raça HUMANA! Quando tratamos da coloração destes seres estamos tratando da cor da epiderme e somente isto! Não se trata da raça, como raça canina, raça felina e etc. mas somente da raça humana e ponto a qual possui diferentes colorações da epiderme. Então senhores, inclusive os autores deste site, por favor vamos ajudar a corrigir este equivoco que vem a anos no censo do IBGE causando indignações e constrangimentos altamente desnecessários a praticamente a todos os brasileiros, inclusive aos entrevistadores, que por muitas vezes tentam ser imparciais quando questionados com a pergunta “o que é raça?” mas também não sabem defini-lo coerentemente.

    Atenciosamente,

    Renato de Oliveira

  2. Por que se minha mãe é branca e meu pai é negro eu tenho de ser exclusivamente afrodescendente? Afinal minha mãe é branca, e eu também puxei os genes dela, eu também sou euro descendente porque minha mãe é branca, é como se a raça negra fosse algo dominante na raça e na genética, isso acontece também com muitos outros pardos pelo Brasil, Pardo é uma raça própria, mistura de negro e branco, pardo não pode ser tratado exclusivamente como afrodescendente, pois ele possui também genes caucasianos, ta errado esse Censo, dizer que houve um crescimento da população negra, quando na verdade pardos também possuem genes europeus, assim então houve um crescimento da população eurodescendente, parece às vezes, que o governo quer que o país seja negro.

  3. Não é o governo que quer que o Brasil seja negro. É o Brasil que é negro por sua população na sua grande maioria ser de cor negra que numa discussão como essa branco e negro é uma raça só, mas quando se fala em participação e oportunidade brancos adoram fazer uma diferença não é caros “sociólogos do senso comum. Não é a questão da raça, é a questão de humanos de cor negras não serem discriminados. O Brasil é de todos e por isso que se faz essa política de participação.

  4. O Brasil está cheio de técnicos de futebol e sociólogos do senso comum. Raça ainda é uma categoria válida na medida em que as pessoas são discriminadas pela sua cor e outros aspectos físicos. Ao contrário do que se pensa (erroneamente) , raça não é uma criação do movimento negro. Na realidade, os europeus e seus descendentes inventaram a ideia de raça, produziram políticas públicas discriminatórias, dominaram, exploraram e até mesmo destruíram povos. O seus uso ocorre e é válido no mundo social. Portanto, senhoras e senhores, antes de criticar a ideia de raça, cabe uma leitura atenta ao texto. Não vamos ficar repetindo o que é publicado na Revista Veja.
    Para aqueles que não querem se declarar como preto ou pardo é simples, declare branco. O constrangimento é tão somente para aqueles que têm vergonha de afirma aquilo que intimamente sabem o que são, mas morrem de medo e vergonha. Nunca vi um branco ter vergonha de afirmar que é branco.

  5. Exatamente Martinho. Também o “meio” caucasiano é tratado, pelo discurso racializado, enquanto negro, porque aqui, como observou o professor Aloísio Nogueira (Usp), o preconceito é de marca, fenotípico, como no ditado: ESCAPOU DE BRANCO, PRETO É.

  6. Martinho, então quer dizer que quem não concorda com a ideologia do Movimento Negro é necessariamente leitor da revista Veja? Por causa desse tipo de maniqueísmo é que se tornou impossível discutir profundamente qualquer assunto no Brasil.

    É curioso ver uma postura tão agressiva e intolerante por parte de pessoas que dizem estar lutando por uma sociedade mais justa.

    Não vejo como combater o racismo reforçando a ideia de que existem raças. Sim, os racistas discriminam tanto pardos quanto pretos. Mas será que adotar o conceito de raça com uma conotação positiva é realmente a melhor estratégia de combate à discriminação? Podemos refletir sobre essa estratégia ou está proibida qualquer discussão sobre o tema?

    O parágrafo final do teu comentário omite (propositalmente?) uma possibilidade importante. A pessoa pode perfeitamente se autodeclarar como preta ou parda fazendo apenas uma referência à sua cor, sem, no entanto, se considerar integrante da raça negra. Os termos “preto” e “pardo” servem, antes de mais nada, para descrever uma característica física. Se os racistas enxergam esses dois grupos como integrantes da raça negra, as vítimas do racismo não são obrigadas a concordar com eles.

    Respeito quem pensa diferente, mas até hoje não vi nenhum argumento que pudesse me convencer do contrário.

    Só mais uma coisa: prefiro ser “sociólogo do senso comum” do que me considerar o dono da verdade.

  7. Aplauso para o querido Martinho, que conseguiu expor de maneira clara e um pouco mais conectada com as Ciências Sociais o que de fato é raça: um fator social. É um fenômeno social, e não biológico. Além de racistas, os outros comentários são de uma ignorância acadêmica incrível. Nenhum filósofo ou sociólogo que se preze, nem mesmo os que são contrários ao Movimento Negro, usam argumentos tão rasos quanto “epiderme”. Faz-me rir.

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