Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde: antecedentes e perspectivas

Alberto Pellegrini Filho, diretor do Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre Determinantes Sociais (CEPI-DSS) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), participou ativamente da organização da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS) realizada no Rio de Janeiro, em outubro de 2011. Nesta entrevista ele fala sobre os antecedentes, resultados e desdobramentos do evento, especialmente sobre seu impacto nas políticas sociais no Brasil. E ainda, e sobre a realização de conferências regionais como estratégia para promover a implementação das recomendações do encontro internacional.

Por que foi convocada e quais foram os objetivos da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS)?

A conferência foi resultado de um movimento global em torno dos determinantes sociais (DSS) desencadeada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com a criação da Comissão sobre DSS em 2005. Durante os três anos de seu mandato, o grupo fez um excelente trabalho, recolocando, com destaque, o tema dos DSS na agenda global. Quando o relatório da Comissão foi discutido na Assembleia Mundial de Saúde de 2009, os ministros de Saúde aprovaram uma resolução em que reconheceram o trabalho realizado, apoiaram as recomendações da Comissão e solicitaram um evento onde pudesse ser discutido como implementar tais recomendações. A conferência foi então convocada na Assembléia Mundial de Saúde do ano seguinte justamente com o objetivo de discutir metodologias, estratégias e experiências de ação sobre os DSS para combate às iniquidades em saúde por eles geradas.

Quais foram os principais resultados da Conferência?

A presença de representações oficiais de mais de 120 países entre os 194 membros da OMS, além de representantes de organizações da sociedade civil e de especialistas de todo mundo, revela o grande interesse que o tema dos DSS desperta na comunidade internacional. A criação desse espaço de intercâmbio e discussão entre representantes de governo e da sociedade civil é, em si mesma, um resultado altamente significativo da conferência. A Declaração Política do Rio, assinada por todos os 120 governos presentes, expressa um importante compromisso desses governos em promover a equidade em saúde através da ação sobre os DSS. Esta Declaração sofreu diversas críticas por não abordar os DSS globais ou por não definir metas e mecanismos de prestação de contas, o que, inclusive, gerou outras declarações de entidades da sociedade civil presentes a Conferência. Entretanto, o fato dos 120 países, por consenso, reconhecerem que as iniquidades em saúde são inaceitáveis e se comprometerem a combatê-las é um fato político dos mais relevantes.

Além da Declaração, a Conferência produziu um documento técnico denominado “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os DSS”, que recolhe o conhecimento disponível com relação a intervenções sobre os DSS e propõe cinco linhas de atuação para o combate às iniquidades em saúde, o que sem dúvida se constitui em uma orientação importante para a definição de políticas e programas nacionais. Esse documento deve ser evidentemente aperfeiçoado com novos conhecimentos, informações e experiências.

Por que o Brasil foi a sede da CMDSS?

Não por acaso, dada sua tradição neste tema, o Brasil foi dos primeiros países a se engajar no movimento global em torno dos DSS, sendo o único a criar uma Comissão Nacional sobre DSS (CNDSS) em 2006, apenas um ano após a criação da Comissão da OMS. Durante seu mandato, a CNDSS analisou a situação de saúde e das políticas sociais com enfoque de DSS, apoiou estudos e pesquisas sobre o tema, publicou documentos e organizou diversas reuniões sobre aspectos relacionados aos DSS com a participação de diversos segmentos sociais. Em 2008 apresentou seu relatório “As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil” publicado pela Editora Fiocruz em 2009. Tal relatório fez uma série de recomendações cuja maioria infelizmente não foi colocada em prática. A Fiocruz, atendendo a uma dessas recomendações, criou o Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre DSS (CEPI-DSS) na ENSP. O CEPI-DSS mantém um Observatório sobre Iniquidades em Saúde, para monitoramento das iniquidades em saúde no Brasil, além do Portal DSS e da Biblioteca Virtual em Saúde sobre determinantes sociais (BVS DSS), entre outras atividades.

Durante o mandato da CNDSS houve uma estreita colaboração com a Comissão da OMS. Ambas fizeram uma reunião conjunta no Rio de Janeiro. A reunião final das redes de conhecimento promovidas pela Comissão da OMS também foi realizada no Rio de Janeiro e uma outra reunião, com representantes de organizações da sociedade civil de toda a América Latina, foi realizada em Brasília, além de outras atividades conjuntas. Quando na Assembleia Mundial de Saúde de 2010 foi decidida a realização da Conferência, a oferta do Brasil para sediá-la foi a consequência natural desse protagonismo desempenhado pelo País. O Brasil atendeu plenamente as expectativas cumprindo um papel relevante na organização e financiamento da conferência, bem como na preparação de documentos e das discussões técnicas.

Na sua opinião, quais os principais desdobramentos da Conferência Mundial?

Há um ambiente bastante propício no cenário internacional para que as recomendações da CMDSS sejam implementadas. Em maio deste ano de 2012 a Assembleia Mundial de Saúde aprovou a Resolução AMS 65.8, que ratifica os compromissos assumidos durante a conferência, ou seja, os compromissos assumidos pelos 120 países presentes são agora assumidos pela totalidade dos 194 países membros da OMS. Além disso, a resolução insta a OMS, as agências internacionais e outros atores na arena global a apoiarem os países para que cumpram esses compromissos e solicita à OMS uma prestação de contas anual sobre a implementação dessa resolução.

A reforma da OMS atualmente em curso com a definição mais clara de suas prioridades e uma revisão de suas formas de atuação de maneira a propiciar uma maior articulação com outras agências das Nações Unidas e a comunidade internacional também facilita a utilização do enfoque de DSS com eixo articulador de suas ações. Finalmente, uma maior integração entre os movimentos de DSS e de desenvolvimento sustentável permitirá um reforço mútuo de ambos movimentos.

O documento “O futuro que queremos” aprovado durante a Rio + 20 e respaldado por resolução da Assembleia Geral da ONU de setembro de 2012, ao incluir a saúde com um enfoque de DSS entre os pilares do desenvolvimento sustentável, propicia uma maior projeção intersetorial desse enfoque. Em resposta a este contexto, a OMS lançou em parceria com a Fiocruz, através de seu Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS) e do CEPI-DSS, uma linha de cooperação técnica para fortalecer as capacidades dos países para cumprir com os compromissos que assumiram na Declaração do Rio. Esta linha de cooperação inclui apoio ao desenvolvimento institucional, à elaboração de instrumentos e metodologias e à formação de recursos humanos, particularmente para implementar as cinco linhas de ação recomendadas pela CMDSS.

Como tem sido a atuação do Brasil neste cenário pós-CMDSS?

O Brasil tem atuado de maneira marcante para aproveitar esse momentum político propiciado pela CMDSS. No cenário global, vem tendo uma ação incisiva para que a reforma da OMS seja orientada por um enfoque baseado no DSS. Vem também atuando junto às demais agências para fortalecer a governança dos DSS globais e promover uma maior integração entre os movimentos de DSS e desenvolvimento sustentável, tendo desempenhado um importante papel na introdução de conteúdos de saúde no documento final da Rio + 20. No nível regional, o Brasil vem colaborando com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em iniciativas relacionadas com os DSS e atuando de maneira destacada nas Comissões sobre DSS e Promoção da Saúde da Unasul e do Mercosul.

Entretanto, toda esta destacada atuação internacional fica prejudicada se não fizermos o dever de casa, ou seja, implantar as linhas de atuação recomendadas pela conferência que incluem uma nova governança das políticas públicas onde fiquem claras as responsabilidades dos diversos setores e atores do governo e da sociedade civil para a definição de políticas de combate às iniquidades; a consolidação de processos inclusivos e transparentes na formulação e implantação das políticas publicas; um setor saúde que promova efetivo acesso e qualidade equitativa, evitando agravar as iniquidades já existentes e o fortalecimento de sistemas de informação que permitam detectar iniquidades de saúde segundo estratificação socioeconômica, produzindo dados e informações que sejam efetivamente utilizados na definição e implantação de políticas. É necessário também retomar e atualizar as recomendações contidas no relatório da CNDSS.

Vocês pretendem realizar conferências regionais sobre DSS. De que maneira esses eventos contribuirão para a implementação das recomendações da CMDSS no Brasil?

As conferências regionais são uma iniciativa do CEPI-DSS em parceria com outras instâncias da Fiocruz e com o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e a Opas. As macro-regiões brasileiras são bastante diferentes entre si, mas relativamente homogêneas com relação aos DSS e seus resultados em saúde, o que justifica a adoção deste enfoque regional. Os eventos têm por objetivo analisar a situação regional de saúde e das políticas e programas em curso para o combate às iniquidades e elaborar recomendações para a implementação das recomendações da CNDSS e da CMDSS.

As conferências presenciais devem contar com a participação de tomadores de decisão e gestores das várias esferas da administração pública, além de especialistas, profissionais e representantes de organizações da sociedade civil. Precedendo a conferência presencial serão elaborados documentos de trabalho por especialistas da região e lançados portais sobre DSS regionais, como este do Nordeste, com a finalidade de promover discussões preparatórias às conferências através da publicação de entrevistas, opiniões, documentos, experiências, etc. O Nordeste foi escolhido como primeira experiência de uma conferência Regional previsto para o primeiro semestre de 2013 por reunir todas as condições para o sucesso da iniciativa. Além de historicamente apresentar importantes iniquidades, a Região possui centros de excelência capazes de analisar em profundidade sua problemática e lideranças políticas e da sociedade civil engajadas no movimento em torno dos DSS. A liderança do processo na Região está a cargo da unidade da Fiocruz em Pernambuco, o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz), o que também é uma garantia de sucesso.

Referências Bibliográficas

Asamblea Mundial de la Salud. Reducir las inequidades sanitarias actuando sobre los determinantes sociales de la salud. 62ª Asamblea Mundial de la Salud. Punto 12.5 del orden del día (WHA62.14); 2009.

Asamblea Mundial de la Salud. Resultados de la Conferencia Mundial sobre los Determinantes Sociales de la Salud. 65.ª Asamblea Mundial de la Salud. Punto 13.6 del orden del día (WHA65.8); 2012.

CNDSS-Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2008.

General Assembly of the United Nations. The future we want. Resolution adopted by the General Assembly. Sixty-sixth session Agenda item 19 (A/RES/66/288); 2012.

Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.

World Health Organization. Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro: WHO; 2011.

Entrevista com:

6 Comentário

  1. Mais um vez, parabéns pela luta Prof Pellegrini e informo que recentemente li um working paper intitulado “Building blocks for equitable growth:lessons from de BRICS” onde citam que o Brasil é o unico país onde esta havendo um aumento da equidade em relação aos demais paises, sendo uma das explicações a expansão da proteção social e seviços sociais.Gostei de ler o texto, mesmo sabendo o quanto precisamos avançar. Um abraço, Lisiane

  2. Cara Lisiane,
    Obrigado por tuas palavras de estímulo. Estamos todos bastante entusiasmados e esperançosos com o lançamento do Portal DSS Nordeste e com a sequência de Conferências Regionais. Por coincidência também li o documento de trabalho da ODI que você cita e estou fazendo um resumo para publicar em nosso Portal.
    Um abraço,
    Alberto Pellegrini Filho

  3. Estimado Pellegrini,
    gostei muito da sistematização e da perspctiva de agenda nas 05 regiões.
    No âmbito do Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde-CGPNPS continuamos, na condição de representante do GT de Promoção da Saúde e DLIS da Abrasco, buscando a tradução dos DSS na agenda da PNPS.
    Os documentos oriundos da CMDSS (citados por vc) estão sendo analisados por representantes do GT com a perspectiva de qualificar a discussão da 8a Conferência Global de Promoção da Saúde que tem o tema “Saúde em Todas as Políticas”.
    Conte com nosso GT na realização das Conferências Regionais e na segunda edição do Prêmio Pró-Equidade.
    Saudações!
    Dais Rocha

  4. Caríssimo,
    Que riqueza de trabalho! O Nordeste( a conscientização política),precisa melhorar.
    Os programas do governo federal são excelentes, para todas as áreas.Porém, parece-me que na execução destes, não há tanto afinco( só a exigência do voto).
    Na minha opinião, o problema “número 1” do Brasil é a falta de estrutura da primeira célula social: A FAMÍLIA.Não existe incentivo para o planejamento familiar e sim do número de “bolsas” (filhos),para fazer a renda da família. Enquanto essa concepção não mudar, nada funcionará bem neste país: justiça, saúde, emprego, segurança,educação, enfim o reflexo está em tudo.
    Meu estado natal possui o maior lençol freático das américas.Porque falta água? R-A maioria dos políticos precisam que a “célula social” seja desinformada, o melhor meio para combater a fome e a miséria são as “bolsas”.

  5. Parabéns pela iniciativa! Parabéns pelo Portal!
    Nós, do Núcleo de Saúde e Desenvolvimento Social da Universidade Federal de Pernambuco nos congratulamos com a possibilidade de ampliarmos as discussões e divulgações das pesquisas, estudos e intervenções afeitos à temática. Como membro e representante do Nordeste no GT Promoção da Saúde- DLIS da ABRASCO, referendo as palavras de nossa representante nacional Dais Rocha, que, junto com Marco Akerman colocam o nosso GT à disposiçãopara a realização das Conferências Regionais.
    Atenciosamente
    Ronice Franco de Sá
    Diretora NUSP/UFPE
    Membro GT PS-DLIS ABRASCO

  6. Parabéns pela bela iniciativa. Acredito que o Portal será um grande instrumento de diálogo e aprofundamento das temáticas sociais de grande relevânica para o Nordeste. Como também poderá ser um mecanismo para construção de importante parcerias para melhoria da qualidade de vida da população.
    O município de Goiana, considernado as grandes transformações que vivência e as maiores que estão por vir, buscará não perder de vista a complexidade envolvidas nos problemas de saúde e a nas sua intervenções.
    Parabéns a todos pelo trabalho!

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