Problemas sanitários cada vez mais frequentes na sociedade, ansiedade e depressão podem estar relacionados a gatilhos sociais como os da violência urbana. Iniciado em 1982, um estudo de coorte que observou indivíduos nascidos em Pelotas (RS) ao longo de 30 anos foi o objeto da pesquisa que constatou a relação entre vitimização por roubo e a ocorrência de transtornos mentais como depressão e ansiedade. Os roubos são os registros de violência comunitária mais frequentes no Brasil e a ausência de políticas públicas de prevenção e de serviços de apoio às vítimas contribui para o agravamento da situação. A investigação que levou à essa conclusão foi relatada recentemente em artigo de autoria dos pesquisadores Jesem Orellana, epidemiologista do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia); Joseph Murray e Bernardo Lessa Horta, do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel); e Natália Peixoto Lima e Ricardo Tavares Pinheiro, do Programa de Pós-graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). “Tomamos como base os dados provenientes de um dos mais longos e bem sucedidos estudos de acompanhamento de recém-nascidos ao longo da vida do planeta, feito no Brasil”, explica Orellana.
O estudo de coorte é um tipo de estudo que busca acompanhar populações humanas ao longo do tempo, geralmente avaliando dois subgrupos, o de não expostos e o de expostos a determinado fator, para em seguida avaliar a ocorrência de um desfecho ou problema de saúde, potencialmente associado à exposição que está sendo investigada. O trabalho deu origem ao artigo Robbery Victimization in Early Adulthood, and Depression and Anxiety at Age 30 Years: Results From the 1982 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study (tradução livre: Vitimização por roubo em adultos jovens e depressão e ansiedade aos 30 anos – resultados do estudo de coorte de nascimentos de Pelotas [Brasil] de 1982), publicado na revista Frontiers in Public Health, na seção especializada que debate os impactos da violência sobre a saúde mental.
“O estudo destaca a importância da vitimização por roubo sobre a saúde mental de adultos jovens e a necessidade de políticas públicas para prevenir a violência. Mundialmente, o roubo é um dos principais tipos de exposição à violência comunitária, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil”, avalia Orellana. Segundo o pesquisador, estudos prévios já haviam apontado a relação entre roubo ou outros tipos de violência comunitária com transtornos mentais, mas nenhum deles havia conseguido mostrar essa relação em diferentes momentos do ciclo vital (ao longo da vida, nos últimos 10 anos e nos últimos 12 meses) com transtornos mentais específicos como depressão, ansiedade ou com a ocorrência simultânea dos dois transtornos.
Entre os principais resultados do estudo está a preocupante porcentagem de relato de roubo até os 30 anos, de 42% ou cerca de um a cada dois, o que pode estar refletindo a expressiva exposição da população geral do Brasil à violência comunitária ao longo dos últimos anos, em especial ao roubo, um tipo de crime que pode levar a sentimentos de medo, apreensão, angústia e preocupação imediatamente depois da vitimização, mas também apreensão com nova exposição a esse tipo de crime, semanas, meses ou anos depois.
Segundo Orellana, o estudo também demonstrou que a vitimização por roubo, em três períodos distintos (durante a vida, nos últimos 10 anos, nos últimos 12 meses), esteve consistentemente associada ao aumento na ocorrência de depressão, ansiedade, bem como com a ocorrência simultânea de depressão e ansiedade. “Em relação aos períodos de exposição das vítimas à violência comunitária, as associações mais fortes com transtornos mentais, foram encontradas naqueles com relato de roubo nos últimos 12 meses, especialmente nos que tiveram a ocorrência simultânea de depressão e ansiedade. Sendo assim, a ocorrência simultânea de depressão e ansiedade foi 152% maior naqueles com relato de vitimização por roubo em casa e 110% maior entre os que relataram vitimização familiar por violência comunitária, em comparação às pessoas que não tinham sido vítimas desses tipos de violência comunitária, nos últimos 12 meses”, relata Jesem.
Para o pesquisador, os principais achados do estudo destacam a importância da violência comunitária para a saúde mental de adultos jovens em diferentes momentos do ciclo vital, a necessidade de políticas públicas de prevenção e de serviços de apoio às vítimas para mitigar suas consequências adversas à saúde, além de mais investimentos em estudos epidemiológicos que acompanhem populações ao longo da vida. “Estes resultados ganham em importância, em cenário de piora das condições de vida e saúde da população brasileira, devido não apenas ao agravamento da crise econômica, mas também à adoção de políticas que resultam em seguidos cortes no financiamento do Sistema Único de Saúde [SUS], limitando ainda mais o acesso serviços especializados em atenção psicossocial, por exemplo”, observou.
Por Fiocruz Amazônia
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