O conceito contemporâneo de saúde considera o ambiente social onde as pessoas vivem e trabalham como um aspecto relevante na experiência de saúde e doença. Essa relação possivelmente ocorre porque fatores sociais e ambientais influenciam os sentimentos básicos de uma pessoa sobre a vida (positivos ou negativos), que por sua vez influenciam processos fisiológicos e comportamentos que podem proteger ou comprometer a saúde física e mental.
O ambiente profissional parece ser capaz de conferir benefícios à saúde, pois além de estar relacionado à maior disponibilidade de recursos materiais, também conduz a um maior número de conexões sociais. Essa relação entre as redes sociais no trabalho e a saúde parece ter um potencial positivo inclusive para saúde em mulheres, pois aquelas que trabalham tendem a ser mais saudáveis do que as que não trabalham (Klumb & Lampert, 2004).
Apesar de haver certa concordância em relação ao benefício do trabalho para saúde das mulheres, é possível encontrar relatos contrários, indicando que as mulheres no mercado de trabalho executam tarefas sobre as quais têm pouco controle e alta demanda, além de serem menos estimuladas intelectualmente e socialmente, aspectos que são considerados prejudiciais para a saúde. A menor capacidade de tomar decisões no emprego, por exemplo, foi destacado por pesquisadores da Universidade de Columbia/ NY, como um fator capaz de aumentar o risco para doenças cardiovasculares. Porém, sentimentos de eficácia no trabalho podem compensar ou diluir os efeitos dos fatores estressantes do trabalho, promovendo atitudes e comportamentos positivos em relação à saúde. Além disso, deve-se considerar que as redes sociais no trabalho também funcionam como fontes de apoio social, que podem preencher as necessidades dos indivíduos quanto a se tornarem membros de um grupo social. Pode-se dizer, inclusive, que o apoio de colegas de trabalho e supervisores reduz o conflito de papéis e aumenta a autoestima, impactando, consequentemente, de modo positivo na saúde.
A intensificação da participação das mulheres na atividade econômica elevou a proporção de domicílios com a mulher na força de trabalho, participando com uma contribuição cada vez mais expressiva na renda domiciliar. No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostrou que em 2009 as mulheres apresentavam menor inserção no mercado de trabalho, em comparação com os homens. Do total de pessoas empregadas, 42,9% eram do sexo feminino, demonstrando certo equilíbrio em relação ao ano de 2008, com 42,4%. Os dados apontam que as mulheres inseridas no mercado de trabalho se caracterizam por terem maior nível de escolaridade em relação aos homens. Em média, elas têm 8,7 anos de estudo, e os homens têm 7,7. Entre as mulheres com ocupação (39,5 milhões), a maior parte (17,0%) também era responsável por afazeres domésticos. Do total das que estavam empregadas, 90% se preocupavam com a casa, além do trabalho. Ao contrário dos homens, onde a proporção foi bem menor, de 49,7%.
O tamanho e a diversidade das redes sociais advindas de diferentes contextos nos quais a mulher se envolve é um preditor robusto de resultados de saúde, incluindo todas as causas de mortalidade e de saúde mental. O tamanho das redes sociais no ambiente de trabalho, por exemplo, afeta percepção de saúde em mulheres segundo pesquisa realizada por Suzuki e colaboradores. Segundo os autores, foi possível encontrar diferenças na auto-avaliação de saúde de mulheres japonesas de acordo com o tamanho de suas redes sociais no trabalho e domésticas. Mulheres com menores redes sociais no trabalho apresentaram piores auto-avaliações de saúde, e as mais velhas, com maiores redes sociais no trabalho, apresentaram melhor percepção de saúde do que as com redes sociais domésticas.
Apesar de haver certa sobreposição de redes sociais, já que a mulher que trabalha fora possui tanto redes sociais no trabalho como domésticas, tudo indica que ter redes sociais predominantemente no trabalho teria um potencial benéfico à saúde maior do que ter somente redes domésticas. Os níveis de apoio social foram significativamente maiores em mulheres com redes predominantemente no trabalho do que em mulheres com redes domésticas (sem trabalho remunerado, as donas de casa e as desempregadas), conforme revelou uma pesquisa realizada em gestantes e puérperas do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, as que trabalhavam fora apresentaram uma maior proporção de amigos com os quais se sentiam confortáveis para falar sobre quase tudo, e participaram de mais atividades religiosas nos últimos 12 meses. Além das diferenças na rede e apoio sociais, os autores relataram que ter uma rede predominantemente no trabalho influenciou a percepção de saúde bucal relacionada à qualidade de vida em mulheres. Quanto menor foi o apoio social percebido pela mulher, maior foi a chance de ter mais impactos bucais negativos, que significa uma pior condição bucal. Os autores revelaram, ainda, que a combinação entre trabalhar fora de casa e ter apoio social alto parece ser a condição necessária para melhores resultados na percepção da saúde bucal.
O efeito do trabalho formal na saúde física e mental permanece em debate. Porém, sabe-se que ter um trabalho formal remunerado é o mecanismo-chave através do qual as pessoas obtêm recursos materiais para saúde, especialmente renda, que por sua vez, está relacionada à melhor dieta, maior acesso a opções saudáveis, condições de moradia adequadas, dentre outros determinantes sociais da saúde. No entanto, é importante ponderar que o benefício pode não residir somente na questão material, mas no subproduto das relações humanas do contexto predominante onde essa mulher convive, ou seja, no capital social das redes e apoio social recebido no ambiente de trabalho. As redes e o apoio social são determinantes que têm sido associados a comportamentos favoráveis à saúde, incluindo maior consumo de frutas e vegetais, atividade física, e uso reduzido de tabaco, além de operar através de sua influência sobre a percepção de bem-estar, emoção e humor. O benefício de trabalhar fora de casa pode representar um investimento pessoal, onde a mulher usufrui de um somatório de recursos, reais ou potenciais, acumulados por ela ou pelo grupo, onde se compartilha certo grau de reciprocidade e valores em comum (Bourdieu & Wacquant, 1992), gerando benefícios mútuos, revertidos em melhores condições de saúde e maior eficiência do grupo devido a ações facilitadoras coordenadas.
Ainda é necessária uma maior produção de evidências nessa área, particularmente no ambiente de trabalho da mulher, que apresenta características muito singulares. O melhor entendimento do que é um contexto ocupacional ‘adequado’ seria relevante para fundamentar propostas de mudança nessa área. É possível vislumbrar futuras intervenções para melhorar a coesão social dentro das empresas, e, assim, promover a saúde dos trabalhadores. Além disso, solidificar os conhecimentos sobre as conexões sociais e o apoio social que existem nesses ambientes parece ser relevante para melhorar a qualidade de vida da mulher que trabalha fora de casa, pois, ao que tudo indica, funcionam como redutores de fatores que geram iniquidades em saúde.
Referências Bibliográficas
Bourdieu P, Wacquant JD. An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago: The University of Chicago Press; 1992.
Karasek R, Baker D, Marxer F, Ahlbom A, Theorell T. Job decision latitude, job demands, and cardiovascular disease: a prospective study of Swedish men. Am J Public Health [periódico na internet]. 1981 July [acesso em 02 ago 2012];71(7):694–705. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1619770/?page=1
Lamarca GD, Leal MD, Leao AT, Sheiham A, Vettore MV. Oral health-related quality of life in pregnant and postpartum women in two social network domains; predominantly home-based and work-based networks. Health Qual Life Outcomes [periódico na internet]. 2012 Jan [acesso em 02 ago 2012];13;10:5. Disponível em: http://www.hqlo.com/content/10/1/5
Suzuki E, Takao S, Subranian SV, Doi H, Kawachi I: Work-based social networks and health status among Japanese employees. J Epidemiol Community Health. 2009 Sep;63(9):692-6. Epub 2009 Mar 13.
Por Gabriela Lamarca e Mario Vettore
*Foto da home: Blog do Planalto
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