A educação ainda sofre com o impacto da pandemia em 2025, afirma estudo

Foto: Presidência da República/Ricardo Stuckert

Mesmo quatro anos após o auge da pandemia da Covid-19, a educação brasileira continua a enfrentar desafios significativos. Um estudo recente da Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, revelou que, em 2023, mais de 619 mil crianças e adolescentes estavam fora da escola, enquanto 30% das crianças de 8 anos não haviam sido alfabetizadas, o dobro dos 14% registrados antes da crise sanitária. O setor educacional ainda sofre com os efeitos da interrupção das aulas presenciais, a falta de planejamento para o ensino remoto e as desigualdades históricas agravadas pela crise.

O Brasil tem se esforçado para recuperar os níveis educacionais de 2019, mas os desafios persistem. O relatório da Unicef aponta que os impactos da pandemia não se limitam ao aprendizado em sala de aula. Eles também mostraram fragilidades estruturais do sistema educacional, como a dificuldade de acesso a tecnologias e ferramentas necessárias para o ensino remoto, além da vulnerabilidade de estudantes de famílias de baixa renda. Essa situação evidenciou a urgência de políticas públicas com foco na redução das desigualdades educacionais e na promoção de um ensino inclusivo e de qualidade.

Durante a pandemia, a falta de medidas eficazes para garantir a continuidade do aprendizado agravou as desigualdades já existentes. Escolas públicas enfrentam dificuldades para implementar o ensino remoto, enquanto a ausência de acesso à internet e dispositivos eletrônicos deixou milhões de estudantes desconectados. Enquanto isso, as escolas particulares, que contavam com maior infraestrutura e recursos, conseguiram adaptar-se mais rapidamente ao novo cenário, ampliando a desigualdade educacional entre as redes pública e privada.

Em 2024, a recuperação desse cenário ainda é um desafio. Especialistas destacam que as escolhas políticas feitas durante e após a crise sanitária influenciam diretamente o ritmo da recuperação educacional. Investimentos em infraestrutura, formação de professores e tecnologias educacionais são apontados como essenciais para reduzir as desigualdades e garantir um acesso mais equilibrado ao aprendizado. No entanto, essas medidas precisam ser acompanhadas por políticas de longo prazo que promovam a equidade educacional.

Fernando Becker, professor titular da UFRGS, doutor em Psicologia Escolar pela USP e especialista em educação, destacou em entrevista ao IHU, em 2022, a necessidade de priorizar os mais vulneráveis na recuperação do aprendizado. “Desafio ainda maior é intensificar os processos de aprendizagem para os mais prejudicados pela pandemia: cidadãos de nações pobres, áreas rurais, alunas do sexo feminino e pessoas com deficiência, além daquelas que sofreram com aumento da violência doméstica, empobrecimento da família e problemas emocionais”.

Apesar dos retrocessos educacionais, o estudo também destacou avanços em aspectos fundamentais para o desenvolvimento infantil. Entre 2017 e 2023, houve uma redução significativa na privação de acesso à informação, que caiu de 17,5% para 3,5%. No mesmo período, as condições de saneamento e moradia também apresentaram melhorias: a privação de acesso ao saneamento básico diminuiu de 42,3% para 38%, enquanto a falta de moradia adequada caiu de 13,2% para 11,2%. Esses números mostram que, mesmo diante das adversidades, políticas públicas e iniciativas sociais foram capazes de gerar impactos positivos na qualidade de vida de milhões de crianças e adolescentes.

Esses avanços reforçam a importância de um planejamento integrado entre setores. Quando questões básicas de infraestrutura, como acesso à água e saneamento, são resolvidas, os estudantes encontram melhores condições para frequentar a escola e se dedicar aos estudos. Isso demonstra que os ganhos na educação dependem de esforços conjuntos em diferentes áreas.

Olhando para 2024, a educação no Brasil ainda enfrenta uma série de desafios estruturais. Além da alfabetização e da evasão escolar, há a necessidade de adaptar o sistema educacional às mudanças globais no mercado de trabalho. A era digital exige que os jovens adquiram novas habilidades e competências, tornando essencial a inclusão de tecnologias e metodologias inovadoras no ensino.

A pandemia também trouxe à tona a importância da saúde mental no ambiente escolar. Muitos estudantes, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, enfrentaram perdas familiares, insegurança alimentar e outros fatores de estresse durante a crise. Hoje, escolas precisam incorporar ações voltadas ao bem-estar emocional dos alunos, oferecendo suporte psicológico e promovendo ambientes mais acolhedores e inclusivos.

Apesar das dificuldades, há motivos para otimismo. A capacidade do Brasil de avançar em indicadores de qualidade de vida entre 2017 e 2023 demonstra que políticas públicas bem estruturadas podem gerar resultados positivos mesmo em cenários adversos.

 Consultamos especialistas e bases de dados para entender como avançamos em 2024, em relação à educação, e que desafios o país precisa superar no ano que começa.

Impactos prolongados da pandemia na alfabetização e evasão escolar

A evasão escolar no Brasil apresenta aspectos preocupantes, especialmente no ensino médio, onde a taxa de abandono entre os meninos é de 7,3%, superior à das meninas, que é de 4,5%, segundo o Censo Escolar de 2023. Nas escolas urbanas, a taxa de evasão chega a 5,9%, enquanto na educação especial sobe para 6,2%, refletindo os desafios enfrentados por estudantes com necessidades específicas e dificuldades de acesso a recursos adequados.

Esses números indicam que o abandono escolar vai além de questões financeiras, envolvendo fatores culturais e sociais que afetam mais intensamente certos grupos. A história de Matheus Oliveira, morador de Vila Isabel, que deixou o ensino médio aos 16 anos para trabalhar e ajudar no sustento da família, exemplifica essas dificuldades. “Era estudar ou ajudar minha família a comer. Eu não tinha muita escolha”, afirma Matheus, que passou a trabalhar como ajudante em oficinas mecânicas com seu pai e vendia doces feitos pela mãe.

A relação entre políticas públicas e avanços na qualidade de vida infantil

Nos últimos anos, o Brasil tem registrado avanços significativos em indicadores de qualidade de vida infantil, impulsionados por políticas públicas voltadas à infraestrutura e inclusão social. Dados do IBGE de 2023 mostram que 93,4% dos domicílios nas áreas urbanas tinham como fonte de abastecimento de água a rede geral de distribuição de águas, contra 32,3% nas rurais, refletindo melhorias nas condições de saneamento básico para crianças e adolescentes, mesmo que ainda estejam longe da universalização.

Apesar das melhorias, as desigualdades regionais ainda são alarmantes. Enquanto áreas urbanas, especialmente nas regiões Sudeste e Sul, apresentam cobertura quase universal de serviços básicos, o Norte e o Nordeste enfrentam deficiências significativas. A falta de acesso a saneamento básico nessas áreas tem reflexos diretos na saúde infantil, com altas taxas de doenças relacionadas à água contaminada, como diarreia, que ainda é uma das principais causas de hospitalização entre crianças menores de cinco anos, segundo o Ministério da Saúde.

Para além da infraestrutura, o impacto dessas políticas públicas é sentido na educação. Estudantes que vivem em regiões com maior acesso a serviços essenciais têm melhor desempenho escolar e taxas de frequência mais altas, como mostram dados do Censo Escolar de 2023. Ainda assim, especialistas alertam para a necessidade de integrar esforços em saúde, educação e saneamento, criando um ciclo virtuoso que reduza as desigualdades históricas.

O impacto das políticas públicas bem planejadas, quando implementadas de forma consistente, reforça que avanços sustentáveis dependem de investimentos contínuos e da adaptação às necessidades regionais. À medida que o Brasil avança em algumas áreas, é essencial garantir que nenhum grupo de crianças seja deixado para trás, assegurando um futuro mais justo e equitativo para todas as regiões do país.

A necessidade de adaptação às mudanças globais no mercado de trabalho

A adaptação do sistema educacional brasileiro às mudanças no mercado de trabalho é essencial, especialmente com a crescente digitalização das economias. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, (CEPAL), divulgados pela ONU, indicam que 65% das crianças que ingressaram no ensino fundamental em 2020 terão empregos que ainda não existem. Para preparar os jovens, é necessário acrescentar no currículo habilidades como pensamento crítico, criatividade e competências digitais.

No Brasil, a escassez de cursos voltados para essas competências, especialmente em regiões periféricas e rurais, agrava a desigualdade educacional. A falta de infraestrutura e a carência de professores qualificados são obstáculos a serem superados. Investimentos em tecnologia e na formação de docentes são essenciais para alinhar a educação às necessidades do mercado de trabalho em constante evolução.

Embora o Brasil ainda enfrente desafios, o Censo Escolar revelou avanços na formação de professores. O percentual de docentes com pós-graduação na educação básica subiu de 41,3% em 2019 para 47,7% em 2023, enquanto o número de professores com formação continuada também aumentou, passando de 38,3% para 41,3%. Esses dados indicam que, mesmo que gradualmente, o país está avançando na capacitação dos educadores, o que é crucial para que eles possam responder às novas demandas do mercado de trabalho e garantir um ensino mais qualificado para as futuras gerações.

 

Por Léo Dawidman – UFF . 27/02/2025

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