A configuração dos espaços urbanos e rurais, dos bens, serviços e da infraestrutura criada nos municípios são fundamentais para a redução das desigualdades sociais e para o desenvolvimento local. No contexto de muitas cidades brasileiras, a regulação do território e o estabelecimento de diretrizes claras de uso e ocupação do solo apresentam caminhos e possíveis soluções para enfrentar os principais problemas que elas enfrentam.
O conceito de justiça social está vinculado a aspectos mais amplos do direito e da filosofia do direito, tal como a equidade, e muitas vezes é tratado de forma difusa, genérica ou imprecisa. No entanto, é fato que determinados grupos sociais vivenciam a injustiça diariamente nas cidades, de diferentes formas e em diferentes situações. Isso resulta em enormes desigualdades, seja de cor, gênero ou condição socioeconômica. A configuração dos espaços urbanos, dos bens, dos serviços e da infraestrutura urbana criada nos municípios reforça ainda mais esse problema, uma vez que não é acessível ao conjunto da população1.
Os espaços urbanos e rurais são fragmentados e especializados não apenas pelas especificidades culturais ou econômicas, mas também pelos processos de exclusão social. Nas cidades brasileiras se dá uma clara materialização das injustiças sociais criando rupturas socioeconômicas que podem ser percebidas por meio de uma ampla diversidade de indicadores. Alguns medem as desigualdades de acesso à renda entre os grupos sociais (tal como o índice de Gini) e outros medem a oferta de infraestruturas, serviços, empregos e escolaridade da população, por exemplo.
O alto custo da terra induz a população mais pobre a ocupar áreas distantes dos grandes centros, as quais, muitas vezes, apresentam vulnerabilidades ambientais e escassos serviços e equipamentos públicos e, frequentemente, se dão de modo irregular. Em razão da precariedade das condições de vida ou da ausência de serviços públicos, tais áreas são mais propensas a vivenciar formas de violência urbana, tornando ainda mais frágil a vida de quem mora ali2. Nesse contexto, os instrumentos urbanísticos para regulação do preço da terra, presentes nas diretrizes do Estatuto da Cidade, apresentam caminhos e possíveis soluções para enfrentar o problema.
Uma das características determinantes da desigualdade social está no acesso aos meios para geração de renda. A falta de sistemas justos de financiamento para pessoas e empresas destas localidades e a ausência de um sistema escolar que permita aos cidadãos uma boa formação para o mercado de trabalho são tanto a causa como a consequência da brutal desigualdade socioeconômica brasileira. O Brasil possui uma das dez maiores economias do mundo e é capaz de gerar uma renda média por habitante entre as trinta maiores, contudo, é um país marcado por uma das dez piores concentrações de renda do planeta. Enquanto o 1% mais rico da população concentra cerca de um terço dos rendimentos do país cabe aos 99% restantes dividir os outros dois terços da renda nacional.
Se as condições econômicas são determinantes em relação ao acesso a uma moradia digna e à educação, outras vulnerabilidades específicas de grupos sociais demonstram dificuldades ainda maiores. Especialmente as mulheres e as populações negra e indígena enfrentam cotidianamente o machismo e o racismo, que, segundo diversos autores, são estruturantes no modelo de organização da sociedade brasileira. Tais atos discriminatórios e excludentes não estão apenas presentas nas relações sociais ou interpessoais cotidianas, mas também são incorporados e reproduzidos em diversas políticas públicas e no mercado de trabalho. Um dos indicadores que apontam tal desigualdade é o rendimento obtido no trabalho para atividades semelhantes e desenvolvidos por pessoas com capacitações profissionais escolares similares: mulheres negras são um dos grupos sociais com os menores salários.
Falar sobre desenvolvimento urbano sustentável pressupõe reconhecer essas desigualdades e o modo como se configuram no espaço urbano. Por isso, faz-se necessário o estabelecimento de diretrizes claras de uso e ocupação do solo, que garantam a redução das desigualdades sociais e, consequentemente, a justiça social. Tais diretrizes devem estar acompanhadas pela definição de atribuições na execução dos planos municipais e por seus indicadores para monitoramento.
A identificação de áreas públicas (federais, estaduais ou municipais) que possam ser utilizadas como elemento de regulação do território promove, também, o uso racional do patrimônio público, apoiando as políticas sociais, de desenvolvimento local e ambientais quando utilizadas para garantir a função social da propriedade. Vazios urbanos, terrenos e/ou imóveis subutilizados, sejam públicos ou privados, podem servir para o desenvolvimento de uma política de ocupação do solo que vise regular a retenção especulativa e fortalecer o acesso dos mais pobres e vulneráveis a essas áreas.
São diversas ações que o poder público deve implementar para atender às inúmeras demandas para uma real ampliação da justiça social. Tais intervenções estão ao alcance das cidades e o planejamento municipal deve considerar estas necessidades socioeconômicas e ambientais.
(1) MARTINS, M.L.R. “Meio Ambiente Urbano – uma Construção Interdisciplinar”. Anais do 20º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. O Direito por um Planeta Verde, São Paulo: Fundação Mokiti Okada, 2015.
(2) SOARES, L. E. Meu Casaco de General. São Paulo: Companhia das Letras. 2000.
Por Programa Cidade Sustentáveis
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