Ações multisetoriais para combater as iniquidades em saúde

O livro de Dahlgren e Whitehead intitulado “European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2”  publicado pelo Escritório Regional da OMS na Europa em 2007 dedica um capítulo às ações multisetoriais para combater as iniquidades em saúde que a seguir resumimos. Os autores mencionam que a experiência de muitas décadas mostra como a saúde da população pode ser beneficiada por melhorias nas condições de vida e trabalho, segurança alimentar e acesso a bens e serviços essenciais como educação e saúde, o que depende fortemente de um esforço multisetorial. Destacam quatro setores chave:

Educação

Vários estudos mostram uma estreita associação entre educação e saúde: quanto mais baixo o desempenho educacional, mais pobre o estado de saúde quando adulto e vice versa. O mecanismo através do qual melhor educação leva a melhor saúde pode ser direto – mais conhecimento ajuda as pessoas a cuidar de sua própria saúde e evitar riscos – ou indireto – oportunidades abertas a pessoas educadas para determinados tipos de trabalhos, maior renda e níveis mais baixos de stress.

A realização educacional não se distribui igualmente na sociedade, pois as pessoas menos favorecidas têm um desempenho educacional mais baixo e menor acesso à educação de qualidade.

A educação tradicionalmente é uma via importante para sair da pobreza e promover a mobilidade social. Outro importante resultado da educação é o empoderamento, encorajando a participação e aumentando o poder dos grupos menos favorecidos no controle de sua vida. A educação joga um papel fundamental em preparar crianças para vida, dando-lhes o conhecimento e habilidades que necessitam para alcançar seu pleno potencial de saúde – socialmente, emotivamente e fisicamente.

A promoção da equidade em saúde através da educação deve incluir o combate à segregação social no sistema escolar, reduzindo as diferenças de acesso e qualidade entre áreas residenciais e fortalecendo o sistema público. Deve incluir também a alocação de recursos extras para áreas com maiores necessidades, prevenir o abandono escolar através de ações precoces, apoiar a transição escola-trabalho, principalmente para os que têm dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Estas e outras medidas devem fundamentalmente impedir que o desempenho educacional seja diferente de acordo com a posição socioeconômica.

Ambiente de trabalho

Os riscos do trabalho para a saúde, apesar de grandes avanços, ainda são importantes determinantes de saúde. Perigos importantes incluem exposição a agentes biológicos, químicos, físicos, condições ergonômicas adversas e fatores psicossociais variados. O stress relacionado com o trabalho é cada vez mais reconhecido como um importante risco para a saúde. Pessoas com menor controle sobre seu trabalho tendem a apresentar mortalidade mais alta (Hemingway, Kuper & Marmot, 2003; Wilkinson, 2005). Quanto mais baixa a posição social, mais alto é o risco de executar um trabalho potencialmente nocivo á saúde. Por outro lado, o ambiente de trabalho pode constituir determinante de saúde bastante positivo, pois o sentimento de fazer algo útil em conjunto com colegas é um das dimensões mais importantes de vida e saúde.

As opções de política relacionadas ao ambiente de trabalho para promover a equidade em saúde devem incluir o controle tanto dos riscos físicos e químicos como a melhoria das condições psicossociais, aumentando, por exemplo, as possibilidades dos trabalhadores para influenciar sobre o trabalho a ser executado, particularmente em locais de trabalho caracterizados por alto stress. Deve incluir também o fortalecimento de serviços de saúde ocupacional públicos, bem como o desenvolvimento de legislação e estruturas reguladoras para reduzir riscos para a saúde no trabalho. O local de trabalho deve também se constituir num cenário para promoção de saúde, facilitando discussões sobre prevenção de doenças e promoção de saúde, além de tratar especificamente dos fatores relacionados com o ambiente de trabalho. Temas como hábito de fumar, consumo excessivo de álcool e os efeitos positivos de uma dieta saudável e exercício físico podem ser tratados.

Desemprego

O desemprego afeta a saúde e provoca morte prematura, danos à saúde mental e aumento do risco de suicídio (Bartley, 1994). Tem também um impacto negativo na saúde de crianças que vivem em lares com adultos desempregados. A carga do desemprego não se distribui igualmente na população, sendo mais alta em grupos com uma posição vulnerável no mercado de trabalho como trabalhadores manuais, pessoas com baixa escolaridade, famílias de baixa-renda, mães solteiras e minorias étnicas. O desemprego afeta a saúde destes grupos através do agravamento da pobreza pela perda de salários, isolamento resultante da falta de apoio social e mudanças de comportamento com impacto na saúde como fumar, beber e falta de exercício causado pelo stress ou depressão.

Dado o impacto negativo do desemprego na saúde, esforços para sua redução devem ser prioritários em qualquer estratégia de desenvolvimento econômico. Estas estratégias devem incluir políticas econômicas e legislação que estimulem o pleno emprego; treinamento e oportunidades de educação para pessoas em maior risco ou desempregadas por longo tempo; prevenção de reduções drásticas em renda e aumento da pobreza entre os desempregados, através de apoio financeiro; promoção de articulação adequada entre medidas de proteção social, educação permanente e reformas de mercado de trabalho e melhoria da capacidade do setor de saúde para prevenir a piora da saúde relacionada ao desemprego como, por exemplo, acesso facilitado a serviços de saúde mental.

Serviços de Saúde

Ao comparar as tendências de doenças específicas e o momento em que intervenções eficazes para enfrentá-las se tornaram disponíveis, observa-se que o cuidado médico jogou um papel modesto até meados do século 20. A melhoria da saúde na Inglaterra foi atribuída à melhoria nos níveis de vida, habitação, nutrição, saneamento e condições de trabalho mais seguras (McKeown, 1976). Na segunda metade do século XX o cuidado médico foi responsável por uma maior contribuição, embora não totalmente decisiva para a melhoria da expectativa de vida.

Estudos de mortalidade, no entanto, traçam um quadro apenas parcial do impacto dos serviços de saúde. Possivelmente a maior contribuição dos serviços de saúde de qualidade está na redução da morbidade e incapacidade, no alívio da dor e do sofrimento e na melhoria da qualidade de vida das pessoas doentes. A permanência de iniquidades no acesso ao cuidado de saúde mesmo nos países mais avançados deve ser tratada no âmbito dos direitos humanos. Ter o acesso negado ou limitado a um cuidado adequado de saúde no momento em que se necessita é uma negação de direitos humanos numa sociedade civilizada. No entanto, infelizmente ainda predomina a lei do cuidado invertido: “a disponibilidade de bom cuidado médico tende a variar inversamente com a necessidade do mesmo na população” (Hart, 1971).

Para avaliar a equidade de sistemas de saúde é importante não só considerar o acesso da população como um todo, mas também considerar as experiências de grupos de baixa-renda quando procuram cuidado para diferentes problemas de saúde. Se o mesmo nível de utilização de serviços de saúde é achado para todos grupos socioeconômicos, provavelmente isto indica iniquidades sociais significativas em acesso e utilização. Deve-se ter em conta o padrão de distribuição social da doença que indica as diferenças de necessidades de serviços. Frequentemente as relações entre iniquidades de saúde e iniquidades de cuidado de saúde são negligenciadas nas avaliações de sistemas de saúde. Outro elemento a avaliar é o acesso geográfico, pois na maioria dos países, se não todos, o número de médicos e estabelecimentos de saúde aumenta com a renda média das áreas geográficas. Há também que avaliar eventuais iniquidades na qualidade de cuidado fornecido. O pagamento de serviços pode causar um peso importante entre grupos de baixa-renda e até mesmo impelir as pessoas para a pobreza, sendo, portanto, um aspecto importante para avaliar o sistema de saúde desde uma perspectiva de equidade.

A promoção da equidade no cuidado à saúde implica em confrontar a lei do cuidado invertido, melhorando cobertura, elegibilidade, acesso geográfico e cultural e distribuição equitativa de recursos. Essa distribuição deve levar em conta não apenas tamanho de população, estrutura de idade ou número de leitos, como principalmente as iniquidades no estado de saúde.

Os serviços de saúde constituem um dos diversos determinantes de saúde e para aumentar sua efetividade devem buscar o diálogo e colaboração com outros setores, o que pode incluir:

– prover informação sobre causas, magnitude e distribuição de problemas de saúde para facilitar esforços dos demais setores no sentido de prevenir doenças e promover saúde;

– desenvolver metodologias para análise de impacto sobre equidade em saúde;

– Planejar e realizar projetos e programas voltados para a equidade em saúde em conjunto com representantes de outros setores;

A carga do pagamento de serviços de saúde é maior entre grupos de baixa-renda, apesar de terem menor capacidade para pagar e maiores necessidades de cuidado. Para reduzir esta carga devem ser fortalecidos esquemas de financiamento público que incluam subsídios para drogas essenciais, controle mais estrito de preços de medicamentos e ampliação do uso de genéricos.

É importante haver um monitoramento das iniquidades do cuidado de saúde e seus resultados devem ser informados não apenas a profissionais, autoridades e gestores, mas também ao público geral. Esforços especiais também devem ser feitos para desenvolver um observatório do cuidado de saúde que pudesse avaliar em que medida políticas do setor contribuem para reduzir barreiras de acesso e qualidade, particularmente para os grupos de baixa-renda.

Referências Bibliográficas

Bartley M. Unemployment and ill health: understanding the relationship. J Epidemiol Community Health [periódico na internet]. 1994 Aug [acesso em 12 set 2011];48(4):333-7. Disponível em:  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1059979/pdf/jepicomh00199-0005.pdf

Dahlgren G, Whitehead M. European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2. Copenhagen: World Health Organization Regional Of?ce for Europe; 2007. (Studies on social and economic determinants of population health, No. 3). [acesso em 12 set 2011]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0018/103824/E89384.pdf

Hemingway H, Kuper H, Marmot M. Psychosocial factors in the primary and secondary prevention of coronary heart disease: an updated systematic review of prospective cohort studies. In: Yusef S et al., eds. Evidence based cardiology. 2nd ed. London: BMJ Books; 2003. p. 181–218.

McKeown T. The modern rise of population. London: Edward Arnold; 1976.

Wilkinson RG. The impact of inequality: how to make sick societies healthier. London: Routledge; 2005.

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