Assembleia debate controle social no processo de concessão do saneamento no estado do Rio de Janeiro

Mesa de abertura: Licínio M. Rogério, Eduardo Figueira, Jari Oliveira, Cássio Nogueira de Castro, João Ricardo de Mattos e Adriana Sotero. Foto: Joyce Enzler

Na terça, 30/4, as pesquisadoras da Fiocruz, Adriana Sotero, Natasha Handom e Rejany Ferreira, participaram da assembleia consultiva anual dos Comitês de Monitoramento das Áreas de Concessão dos Serviços Municipais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário dos blocos 1,2,3 e 4, de forma integrada. O evento aconteceu no auditório da Faculdade Instituto Rio de Janeiro (Fiurj), no Centro da cidade, e foram tratados assuntos relacionados à concessão dos serviços de produção e distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto no estado do Rio de Janeiro.

Estavam presentes, na mesa de abertura, a pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (DSSA/Ensp/Fiocruz) e presidente do Comitê de Monitoramento do bloco 4, Adriana Sotero; o presidente do bloco 1, Licínio M. Rogério; o presidente do bloco 2, Eduardo Figueira; o presidente do bloco 3, João Ricardo de Mattos Serafim; o subsecretário de Concessões e Parcerias da Casa Civil, Cássio Nogueira de Castro e o presidente da Comissão Permanente de Saneamento Ambiental da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Jari Oliveira. O representante da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro – (Agenersa) não compareceu ao encontro.

Na ocasião, o presidente do bloco 1, Licínio M. Rogério, destacou a cadeira vazia do representante da Agenersa, que não enviou justificativa pela ausência, nem representação para substituí-lo. Rogério denunciou o não cumprimento do Conselho de Usuários, previsto em lei, a inexistência de um site para comunicação com a população e a falta de estrutura para o funcionamento dos comitês, pois os funcionários da agência designados ao apoio só podem auxiliar nas horas vagas.

A presidente do bloco 4, Adriana Sotero, fez uma histórico sobre a criação dos comitês desde a modelagem criada pelo  Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e prevista nos contratos. Relatou a falta de transparência da metodologia de divisão dos blocos regionais de concessão dos serviços, por exemplo,  alguns bairros, como Centro e Praça Seca do município do Rio de Janeiro, ficaram em dois blocos diferentes. “Não foram consideradas as propostas contrárias a essa modelagem na consulta pública”, afirmou Sotero.

Outro fator relevante é que a universalização dos serviços não atingirá a todos, pois faltam investimentos para as áreas de favelas. Para Sotero, esse processo iniciou descumprindo o contrato e desconsiderando a sociedade civil, porque houve atraso do previsto no edital para a criação dos comitês de monitoramento, que deveria ser de seis meses após a celebração dos contratos, em agosto de 2021, porém isso só aconteceu em agosto de 2022. Segundo Sotero há instâncias de participação que nem todos os membros da sociedade civil podem participar, nem como ouvintes, como o Conselho de Titulares e o Conselho do Sistema de Fornecimento de Água.

“O regimento aprovado em plenária pelos membros dos comitês não foi publicado em Diário Oficial, e está divulgado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI)  da Agenersa de forma errada, o que pode gerar confusão para a população”, apontou Sotero. Além disso, o grupo de trabalho para avaliar os indicadores de desempenho, previstos nos contratos, não foi atendido com documentos necessários que foram solicitados para a Agenersa, por isso estava parado, sem condições de funcionar.

O presidente do bloco 2, Eduardo Figueira, apontou que há no Regulamento de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, publicado pela Agenersa, pontos contrários a oito decretos estaduais e a quatro súmulas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Por isso, os comitês de monitoramento pedem uma análise conjunta do regulamento de serviços pela Defensoria Pública do Consumidor,  técnicos especialistas, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), com o objetivo de adequação às propostas da sociedade. Ademais, agência não disponibilizou os relatórios de indicadores de desempenho da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), apesar de estar previsto nos contratos. “Os comitês de monitoramento solicitam explicações sobre a contratação da Fipe pela Agenersa, assim como o escopo do trabalho”, comentou Figueira. Para ele, a agência precisa explicitar como executa a fiscalização dos contratos com base na situação dos entregáveis e como o Poder Concedente realiza a gestão dos contratos a partir dessas informações. Os comitês de monitoramento estão solicitando também agendamento de reunião com o Poder Concedente, a Agenersa e a Fipe para que apresentem o projeto e o cronograma.

O presidente do bloco 3, João Ricardo Serafim, fez um balanço da situação atual da terceirização dos serviços, comparando a outros serviços públicos, como o da energia, em que não houve atualização dos cadastros de moradores, nem definição da tarifa social. Ele alertou para a falta de manutenção das adutoras que podem culminar em tragédias como o rompimento e vazamento de água.

O representante da Comissão de Saneamento Ambiental da Alerj, deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Jari Oliveira, destacou a sua admiração e respeito pelos integrantes dos Comitês de Monitoramento, que trabalham, de forma voluntária e sem infraestrutura, para garantir a melhoria no serviço da água para a população. “Mas ao mesmo tempo, acho lamentável o presidente da Agenersa, Rafael Menezes, não estar presente em um evento de interesse público. Aproveito para dizer que a comissão da Alerj está trabalhando de forma árdua para melhorar a qualidade da água no estado do Rio de Janeiro”, informou Oliveira.

O  subsecretário de Concessões e Parcerias da Casa Civil, Cássio Nogueira de Castro, também elogiou a atuação dos presidentes dos blocos, que exercem funções de forma voluntária, com a responsabilidade de transmitir as percepções dos usuários com os serviços. Para Castro, o estado do Rio de Janeiro saiu à frente na modelagem do saneamento básico. Não é um produto perfeito, nem completo, mas que vai se aprimorando com o tempo. O contrato traz mecanismos de modernização e aperfeiçoamento, porém ajustes são necessários, assim como ouvir a população, para conseguir transmitir essa percepção do contrato, é importante. Por isso, essas dificuldades dos comitês com infraestrutura, com solicitações de informações sem respostas, precisam ser solucionadas. “Eu considero esses comitês uma camada de controle social, e a parte principal nesse processo de concessão, porque a gente consegue capturar a percepção da população e saber de fato se o serviço entregue está sendo ou não de qualidade”, defendeu Cassio.

Participação do público mostra insatisfação com os serviços prestados

Na segunda parte do evento, o público manifestou-se presencial ou virtualmente. A deputada estadual pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Daniella Monteiro, questionou  a modelagem de concessão, exemplificou que a Águas do Rio reclama que onera seus custos ir às regiões mais distantes, todavia no momento da privatização o argumento utilizado era que chegaria aonde a Cedae não conseguia. “Nós alertamos o quanto essa medida iria impactar nos serviços públicos. Porém no final da concessão, mais de 50 funcionários da Cedae foram demitidos. Atualmente, a água está mais cara e não chega aos bairros periféricos”, enfatizou Monteiro.

Para a deputada, o desafio agora é contestar o contrato  e destituir a concessão. Ela também divulgou a plataforma De Olho na Água, que foi elaborada com alguns parlamentares da Alerj, com os presidentes dos Comitês de Monitoramento e tem o apoio da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, para produção cidadã de dados sobre os serviços. “Essas informações podem nos ajudar numa Ação Civil Pública, porque esse contrato não referenda a população, atende apenas aos interesses de lucro das concessionárias” expôs Monteiro.

Deputada estadual Dani Monteiro divulgou a plataforma De olho na água. Foto: Joyce Enzler

O aluno  do curso de Gestão em Tecnologias de Saneamento da Ensp, Rafael Nunes, problematizou o modelo de operação das concessionárias que consideram os territórios socioambientalmente vulnerabilizados como perdas. “Entendo que empresas trabalhem pelo lucro, mas precisamos ter uma definição de perdas que não passem somente pelo faturamento”, argumentou. Segundo Nunes, se a água é vital para a sobrevivência de todos, em um país com tantos problemas socioeconômicos, existem pessoas que não conseguem pagar a cota mínima. Então, é necessário pensar as perdas além do interesse das concessionárias, considerando os vazamentos, os rombos de adutoras, tudo o que acontece até a água chegar à torneira.

Aluno da Ensp, Rafael Nunes, problematizou o modelo de operação das concessionárias. Foto: Joyce Enzler

A pesquisadora do Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente (PSPMA) da Ensp, Natasha Handam, criticou a ausência de metas de universalização dos serviços de esgotamento sanitário, no contrato das concessionárias, para os territórios não urbanizados do Rio de Janeiro. Neste documento, essas áreas não atendem aos requisitos de urbanização e segurança pública, por isso as favelas não serão priorizadas na implementação dos serviços de saneamento. Segundo ela, essas cláusulas vão na contramão dos Direitos Humanos, pois nessas áreas as pessoas têm mais problemas de saúde. O processo saúde-doença não é analisado de forma isolada no indivíduo, mas com todos os seus determinantes sociais, como falta de saneamento básico, condições econômicas predominantes no território, alimentação inadequada.  Para ela, se as concessionárias admitem que existem áreas que não conseguirão atender, “Por que não encerrar o contrato de concessão da Cedae e reestatizar os serviços de saneamento?”, perguntou Handam.

Pesquisadora do PSPMA/Ensp, Natasha Handam, questionou o contrato de concessão da Cedae. Foto: Joyce Enzler

A pesquisadora da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz e integrante do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, Rejany Ferreira, também atentou para o impacto na saúde das pessoas que moram nos territórios socioambientalmente vulnerabilizados, favelas e periferias, por não constarem nas áreas de contratação que serão realizadas a universalização do saneamento.  Para ela, deixar de fora essa parte da população representa expor esses cidadãos as doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI), impactando diretamente a saúde dessa parcela da sociedade. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a cada real investido em saneamento, nove reais são economizados na saúde básica. Então, o que fazer para não impactar a saúde dos moradores desses territórios historicamente precarizados?”, indagou Ferreira.

Pesquisadora da Fiocruz, Rejany Ferreira, levantou preocupação com a não universalização dos serviços de saneamento. Foto: Joyce Enzler

A moradora do Bosque Mont Serrat, em Vargem Pequena, Stael Muniz, que atua como agente ambiental guardiã dos rios, participou virtualmente e reclamou que a concessionária Iguá Saneamento não realizou nenhum reparo na instalação antiga, por isso em vários pontos a água e esgoto misturam-se trazendo vários problemas de saúde para esta área. Para a moradora, quando a empresa é acionada, “há um jogo de empurra”, se esse serviço é da Iguá ou não, “E toda vez que fazem a manutenção, a água vem pior do que estava”, constatou. Segundo Muniz, depois que a concessionária assumiu, a qualidade da água piorou.

Moradora de Vargem Pequena, Stael Muniz, participou virtualmente da assembleia. Captura de tela: Joyce Enzler

O secretário de Meio Ambiente da Federação de Bancários do Estado do RJ e educador, Jacy Menezes, fundou, há 40 anos, o centro de alfabetização infantil Turma da Mônica, com a educadora Mônica Costa, no Jacarezinho. Menezes, que é ex-morador desse território, mostrou preocupação com a intermitência de água, porque essa substância é essencial para a saúde das crianças. Para ele, não existe favor nenhum no fornecimento de água e de luz para esses locais, pois são serviços básicos para a vida dos seres vivos. “As pessoas que moram nessas áreas não têm condições nenhuma de pagar por essas tarifas e é obrigação do Estado que esses serviços cheguem até elas”, defendeu.

O educador sugeriu a criação de comitês populares com a participação de moradores para que discutam como e onde deve ser aplicado o financiamento, e sobretudo envolver aqueles que são os mais afetados por essa questão. Ele também cobrou a preservação dos rios e encostas. “É inadmissível pensar em gerar água sem árvores. Existe uma responsabilidade por parte dessas concessionárias no reflorestamento dos leitos e nascentes dos rios?”, inquiriu Menezes.

Educador Jacy Menezes destacou a importância do reflorestamento nas nascentes dos rios. Foto: Joyce Enzler

A moradora do Complexo do Lins e integrante do jornal comunitário A voz do Lins, Cristiane Martins, trouxe várias reclamações dos moradores dessa região sobre o aumento das tarifas e o abastecimento de água. Segundo ela, está acontecendo um retrocesso na garantia de direitos a essa população, que voltou a lavar roupa em cachoeira por causa dos cortes no fornecimento de água. “Estamos recebendo várias imagens mostrando o aumento abusivo nas contas e a instalação de hidrômetros de mil reais sem autorização. Gostaria de saber como as concessionárias possuem os dados dessas pessoas, se elas não foram cadastradas?”, interpelou Martins.

Integrante do jornal comunitário A voz do Lins, Cristiane Martins, levou as reivindicações dos moradores. Foto: Joyce Enzler

Algumas perguntas foram respondidas pelos representantes das concessionárias e outras consideradas genéricas ficaram com a promessa de respostas assim que receberem informações mais detalhadas dos problemas, como a intermitência de água, a instalação de hidrômetros sem autorização  e a falta de saneamento básico em algumas localidades. Os representantes da empresa Iguá Saneamento, Josely Cabral, e da concessionária Águas do Rio, Sinval Andrade, participaram virtualmente da assembleia.

O público, de uma maneira geral, elogiou a oportunidade de discutir os caminhos da água e esgotamento sanitário no Estado do Rio de Janeiro.  O Brasil é um país desigual. Toda a sociedade precisa refletir por uma outra lógica possível e urgente. Água é essencial para a sobrevivência de todos os seres vivos, então é inadmissível colocar o lucro acima da vida. É fundamental que a população busque agir coletivamente e acione os canais para reclamação dos serviços das concessionárias de água e esgotamento sanitário, como a plataforma De olho na água, Nudecon, Agenersa.

Links úteis

De olho na Água

Agenersa

Nudecon

Águas do Rio

Iguá Saneamento

 

Por Joyce Enzler – Jornalista colaboradora da Fiocruz, do Dicionário de Favelas Marielle Franco, da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, do Portal de Favelas, do Pavio Curto e do site internacional Pressenza. Mestre em Ciências no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e com longa atuação na comunicação comunitária. Também atuou como jornalista em vários sindicatos e revistas, como Black PeopleConjuntura InternacionalNação Brasil e Crítica Social.

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