Em pauta na 1a Conferência Regional sobre Determinantes Sociais em Saúde do Nordeste (1a CRDSS), que aconteceu no Recife em setembro de 2013, a insegurança alimentar ainda atinge quase metade dos domicílios nordestinos, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a participação de representantes do governo, de acadêmicos especialistas e da sociedade civil, o tema, juntamente com a inclusão produtiva, foi amplamente discutido na 1ª CRDSS. A partir dos debates foram traçadas diretrizes para nortear as ações destes diferentes agentes transformadores da saúde pública no Brasil. Um ano após o evento, voltamos a conversar com os integrantes da mesa temática que discutiu o assunto para repercutir o que foi proposto no documento final da conferência.
A coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Patrícia Jaime, acredita que o foco do poder público não está necessariamente ligado à criação de novas políticas públicas, mas, sobretudo, no fortalecimento de iniciativas que já funcionam e que têm conseguido diminuir os índices de insegurança alimentar no país. “É importante enfatizar que os principais resultados alcançados pelo Brasil se devem ao reforço às políticas setoriais que se articularam para um grande objetivo comum: o combate à fome. Além disso, no campo das políticas de saúde, é importante o reconhecimento da múltipla carga da má nutrição e da segurança alimentar e nutricional, que traz consigo a conjunção de questões como desnutrição, carências de micronutrientes, excesso de peso e obesidade e doenças crônicas. A partir disso é importante também fortalecer e ampliar as políticas para prevenir, controlar e tratar esses problemas. Um dos principais pontos é trabalhar no fortalecimento e articulação das políticas já existentes com objetivos comuns, tanto na segurança alimentar e nutricional quanto na inclusão produtiva, com a participação dos principais atores sociais (governos, academia e sociedade) e em todas as esferas da organização federativa”, comentou.
Antônio Carlos Nardi, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), ressalta que houve uma diminuição considerável da insegurança alimentar no país, mas afirma que a atenção deve ser redobrada junto às populações que vivem em condições de vulnerabilidade e exclusão, onde o problema ainda persiste. “Considero que o apoio às famílias em situação de extrema pobreza deve ser uma de nossas prioridades, pois, embora esses sujeitos sejam o foco das políticas públicas, se não houver nenhum esforço do poder público, essas políticas nunca chegarão a eles. Portanto, destaco que entre as proposições estabelecidas o apoio a estas famílias e à sua produção por meio da agricultura familiar, com garantia da comercialização desta produção; a adoção de princípios e práticas da economia solidária; o apoio no que concerne à infraestrutura, como água e luz, como também fomento aos novos sistemas produtivos, principalmente aqueles voltados aos pequenos produtores, o que permitiria gerar renda satisfatória a estas famílias”, explicou.
Para Patrícia Jaime, pensar em ações intersetorais, que articulem diferentes formas de atuação, é indispensável para enfrentar as iniquidades. “No campo das políticas de segurança alimentar e nutricional, a intersetorialidade é fundamental. A conferência traduz bem este princípio e também reforça a necessidade de incluir sempre a equidade nas políticas, particularmente em relação às especificidades e necessidades de grupos populacionais mais vulneráveis. Os governos devem reforçar, ampliar e articular as políticas setoriais e intersetoriais, bem como garantir a efetiva participação da sociedade e da academia nesses processos. A sociedade civil também deve ter papel ativo nos conselhos, articulando as políticas nas comunidades e envolvendo os indivíduos e famílias, redes e associações, em todos os ambientes. Da mesma forma, a academia, mais do que atuando somente no monitoramento e avaliação como sujeito externo ao processo, também tem importante papel no desenvolvimento de tecnologias (inclusive sociais)”, opinou.
Para Nardi, também é necessário que sociedade civil, governos e academia sejam iluminados pelo mesmo foco. “Embora existam diferentes olhares sobre o tema e diferenças quanto às responsabilidades a serem assumidas, a possibilidade de construção de um pacto ou agenda para o enfrentamento da insegurança alimentar e fortalecimento da inclusão produtiva deve conter prazos, tarefas, responsáveis e métodos para avaliação e monitoramentos das medidas propostas. Os resultados deverão ser acompanhados por todos os partícipes deste pacto, possibilitando avanços e rearranjos necessários durante o desenvolvimento desta agenda.”
De acordo com Patrícia Jaime, o debate sobre inclusão produtiva precisa ser ampliado e se relaciona também com a questão da segurança alimentar. “A atuação da saúde sobre a inclusão produtiva tem relação direta com a garantia da segurança alimentar e nutricional, tendo em vista uma vida saudável, plena e produtiva, desde o desenvolvimento infantil à idade adulta. As políticas referentes à área de nutrição, como a de distribuição de medicamentos, saúde ocular, saúde bucal, redes de atenção à saúde materna e infantil, ampliação e estruturação da atenção básica à saúde e saúde na escola, são fundamentais para interromper a transmissão intergeracional da pobreza, de forma sustentável, nas atuais e futuras gerações”, destacou. “Durante a conferência foi destacado um conjunto de ações para a inclusão produtiva, tanto nas cidades quanto no campo. Nesse caso, são prioridades questões como infraestrutura, qualificação profissional, acesso a crédito, apoio técnico e orientação profissional e acesso a mercados, por meio de políticas nas esferas federal, estadual e municipal”, concluiu.
Os debates que aconteceram na 1ª CRDSS com a presença de representante de diferentes setores envolvidos com o compromisso da saúde pública foram parte de um processo que vislumbra um cenário de igualdade na saúde dos brasileiros e, sobretudo, dos nordestinos, historicamente desassistidos e cuja determinação social na saúde ainda é decisiva. A expectativa é que as propostas feitas no evento possam, de fato, nortear ações e políticas públicas para ajudar na construção de um novo cenário na qualidade de vida da região.
As recomendações da 1ª CRDSS para a área de segurança alimentar e inclusão produtiva podem ser conferidas a seguir. Caso deseje acessar o documento completo, com as propostas para as outras áreas, basta clicar aqui.
Segurança alimentar e inclusão produtiva
- Que sejam concretizadas práticas de intersetorialidade e considerar a diversidade cultural e hábito das pessoas, principalmente as minorias como indígenas, quilombolas, povos de terreiros;
- Que seja controlada a anemia e a deficiência de vitamina A na população do Nordeste;
- Que sejam desenvolvidos programas de promoção da saúde com objetivo de redução da prevalência de sobrepeso e obesidade;
- Que as famílias em situação de extrema pobreza tenham apoio no que concerne à infraestrutura (água e luz);
- Que seja dado apoio a famílias em situação de extrema pobreza na produção de agricultura familiar e ampliação dos canais de comercialização desses produtos;
- Que seja ampliadas as ações de acesso à terra, com prioridade para filhos de agricultores familiares, agregados e empregados temporários (bóias frias);
- Que se tenha fomento a novos sistemas produtivos, com ênfase naqueles que permitam gerar renda satisfatória em pequenas quantidades de terra;
- Que seja dado apoio integral e sistemático a pequenos negócios, com ênfase naqueles que adotam os princípios e práticas da economia solidária;
- Que conceda e implemente ações de fomento a pequenos negócios não agrícolas no campo e nos núcleos urbanos de pequeno porte;
- Que haja apoio diferenciado a implantação e fortalecimento de arranjos produtivos com base em potencialidades locais e que demonstrem efetiva capacidade de internalizar e multiplicar benefícios;
- Que favoreça a adequação de qualificação profissional as características socioculturais dos trabalhadores locais e ao perfil das demandas dos postos de trabalho gerados;
- Que sejam ampliadas e fortalecidas as ações de apoio a microempreendimentos: capacitação dos empreendedores, assessoramento técnico e gerencial, facilidades de acesso aos mercados (governamentais e privados) e ao crédito, etc;
- Que desenvolvam estímulos especiais aos EES – Empreendimentos Econômicos Solidários e fomento a sua organização na forma de Redes de Cooperação.
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