Consultório de Rua desafia SUS a ser, de fato, para todos

A universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo posta à prova diariamente nas ruas de grandes cidades do Brasil. No programa Consultório de Rua, financiado pelo Ministério da Saúde e executado pelos municípios, o atendimento é feito a pessoas imersas em um ambiente onde não se tem acesso a quaisquer dos direitos básicos. Somente no Recife, que tem uma população total de 1,5 milhão de moradores, pelo menos 1.300 indivíduos vivem pelas calçadas e são alvo de equipes multidisciplinares do projeto, cujo desafio é dar condições para que eles alcancem o mínimo de cidadania através da saúde.

Criado em 2011, o Consultório de Rua consiste na busca ativa de pacientes moradores de rua, através de equipes multidisciplinares com pelo menos quatro profissionais, como enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, agentes, técnicos de enfermagem, médicos e profissionais com formação em arte e educação. Quando necessário, a pessoa em atendimento é levada para Unidades Básicas de Saúde (UBS). A atuação pode ser feita a qualquer tipo de necessidade de saúde, como o pré-natal: a gestante pode ser acompanhada onde ela está e os profissionais podem vincular a mulher a uma UBS para que faça os exames e procedimentos necessários. “Contudo, é direito do cidadão ser atendido em qualquer serviço de saúde – como postos de saúde, emergência, UPA, SAMU – e não apenas nos consultórios na rua”, informou o MS em nota enviada à reportagem.

As equipes são financiadas pelo MS seguindo critérios da Portaria 1.238/2014, com valores mensais que variam entre R$ 19.900 e R$ 35.700. Elas divididas a partir do censo da população de rua e cadastro dessas pessoas. Um minidocumentário feito pelo órgão em 2013 dá detalhes do desenvolvimento desse trabalho traz as histórias de agentes e pacientes envolvidos no programa.

Segundo informações do ministério, atualmente são 83 municípios engajados no programa, levando um total de 145 equipes para as ruas. O MS não informou, entretanto, em quais Estados o programa vem sendo desenvolvido, nem qual o repasse de verbas anual para esse fim. O Portal DSS Nordeste também solicitou que fossem apontados destaques entre as cidades que estão no projeto, em especial no Nordeste, mas o órgão não fez este recorte.

Para ser habilitado no programa, o município precisa ter população total igual ou superior a 100 mil habitantes e, no mínimo, 80 pessoas em situação de rua. Entre os que já trabalham com o programa está o Recife, que iniciou as ações em 2010, ainda antes da oficialização do programa em nível nacional. “Começamos em apenas um distrito sanitário e somente uma equipe”, conta o coordenador do programa na capital pernambucana, Genivaldo Francisco. Atualmente são seis grupos, um para cada Região Político Administrativa (RPA), que realizam entre 80 e 100 atendimentos mensais. O orçamento anual é de R$ 314,7 mil. As equipes, porém, estão em mesmo número pelo menos desde 2012 e o número de pessoas moradoras de rua – estimado em 1.300 – é baseado em um censo feito em 2005. Até agora não houve nova contagem. No entanto, o número de atendimentos vem crescendo desde 2011 e chegou a 960 em 2014, um avanço de 14% em quatro anos.

Abaixo, uma matéria produzida em 2012 sobre como funciona o trabalho do Consultório de Rua no Recife:

De acordo com Genivaldo, no Recife há uma predominância de usuários de drogas entre os atendidos. “São pessoas usuárias de álcool, crack e outras drogas, ambos os sexos que estejam em sofrimento decorrente do uso de drogas”. O trabalho é alinhado com o conceito de redução de danos, que, grosso modo, insere o indivíduo na assistência à saúde sem exigir abstinência. “Existe uma cultura que preza pela abstinência como única estratégia de enfrentamento ao uso de drogas e por isso existe uma barreira por parte dos profissionais e da sociedade em aceitar outras intervenções”, comenta o coordenador ao ser perguntado sobre a resistência que alguns setores ligados à saúde têm à redução de danos.

De todo modo, as demais patologias também seguem a orientação da voluntariedade do paciente, o que, para Genivaldo, aumenta a permissão das pessoas para a aproximação das equipes. “O que contribui para a receptividade das pessoas atendidas é que esse é um trabalho de baixa exigência ao usuário e com o foco no desejo de querer mudar. Não se tem a obrigatoriedade. O desejo voluntário é uma premissa adotada”, esclarece. Por outro lado, pondera Genivaldo, é justamente nessa receptividade que mora um dos maiores desafios para os profissionais. “A aceitação do usuário para o tratamento e a inclusão social, formação, moradia, geração de emprego e renda moradia são nossos principais desafios, que já vêm sendo trabalhados pela Prefeitura do Recife com a interface com outras secretarias e órgãos”, afirma o coordenador.

Para Genivaldo, a linha de atuação pode ser reproduzida para reduzir iniquidades de saúde na Região Nordeste. “Como trabalhamos com linha de cuidado e orientações ao usuário para reduzir outros danos associados ao consumo de álcool e outras drogas, podemos contribuir para redução significativa de outros riscos, à medida que aumenta o acesso à informação para adotar outros hábitos de vida e também a melhoria de condições de vida”, comenta o coordenador. Ele diz, que, desta forma, é possível contribuir evitar ou minimizar patologias, a exemplo de tuberculose, AIDS e hepatites, muito presentes nesse grupo populacional.

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