É na crise que se deve investir mais em proteção social

A conexão entre as crises econômicas, as políticas públicas mal geridas e a influência de grandes corporações no fornecimento de insumos podem atingir níveis perigosos para a saúde da população mundial. Sem acompanhamento de resultados, sem participação popular e sem investimentos, as pessoas têm os direitos básicos negados. Coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris) da Fiocruz e representante brasileiro na Comissão The Lancet, Paulo Buss defende que é preciso dar mais espaço à sociedade civil na criação e acompanhamento de políticas públicas e incluir os impactos sobre a saúde em todas elas. Além disso, ao contrário do que tem sido feito no Brasil, é necessário reforçar o orçamento nas áreas de proteção social para que os indivíduos possam suportar e superar a difícil fase pela qual a economia nacional passa.

Quais são os principais determinantes políticos globais da saúde que influenciam o Brasil e, principalmente, o Nordeste atualmente?

Existem muitos, mas poderíamos destacar o comércio internacional de insumos para a saúde e a propriedade intelectual como forças globais de alta potência. Isto porque as grandes empresas internacionais do setor de medicamentos (inclusive biofármacos), órteses e próteses e equipamentos médico-cirúrgicos (ou seja, os insumos para a saúde) praticam os preços que bem entendem nos mercados periféricos aos seus países de origem, impondo a regra: pagam ou não os terão (os insumos). Estas inovações vêm, em geral, de investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, ou seja, são pagas pelos cidadãos os quais, depois, como consumidores, ainda pagam preços exorbitantes pelos produtos comerciais derivados

Como a governança global pode ser desenvolvida pelas instituições públicas e governos no Brasil a fim de conectar os efeitos das demais políticas aos resultados na saúde?

É preciso coerência em todas as políticas do interior, ou mesmo do País: econômicas, sociais – inclusive de saúde – e de relações exteriores. Uma estratégia adotada em muitos países é considerar “Saúde em Todas as Políticas”, isto é, verificar os efeitos positivos ou negativos de todas as políticas públicas e aquelas que regulam o setor privado, sobre a saúde, tratando de minimizar as negativas e fortalecer as positivas. Por meio da diplomacia, fazer o mesmo na governança global, por exemplo, na Organização Mundial da Saúde (OMS), na Organização Mundial do Comércio (OMC), na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e em outras agências da ONU, ou nas negociações de tratados comerciais internacionais.

Uma das mensagens-chave do relatório “As origens políticas das iniquidades em saúde: perspectivas de mudança” aponta que “Estados e outras partes interessadas não-estatais participantes em arenas políticas globais devem estabelecer um diálogo mais transparente no que tange os processos decisórios que afetam a saúde”. Quais são os caminhos para se atingir essa transparência no Brasil?

Um pouco já respondi anteriormente e o outro pouco é franquear a participação da sociedade civil nestas instâncias, inclusive dos tratados comerciais.

Na sua opinião o cenário da saúde e do SUS, que ainda precisava evoluir bastante antes da crise para que pudesse ser implantado em sua totalidade, vai sofrer com os cortes do ajuste fiscal? Qual seria uma alternativa viável para equilibrar os resultados da saúde com a necessidade de ajuste econômico?

Acho que já estamos sofrendo com os cortes orçamentários no Ministério da Saúde e nas transferências a estados e municípios, além do desemprego e da queda do salário real. A única alternativa é acreditar que justamente em períodos de crise econômica é necessário reforçar orçamentos públicos de proteção social – saúde, emprego, renda – para, pelo menos, mitigar os efeitos da crise sobre a saúde das pessoas. Uma forma necessária é não esconder estas questões e debater publicamente soluções viáveis, envolvendo governos das três esferas, o parlamento e a sociedade civil. Aqui no Brasil, hoje, o Congresso é um sério problema, pois o que está contando – como quase sempre – é o “toma lá, dá cá” e a vingança de políticos com práticas antigas, antidemocráticas e antipopulares.

O senhor acredita que, com os cortes, haverá redução acesso da população a medicamentos e aos cuidados em saúde?

Se não houver forte reação popular, sem dúvida sim. Mas não esqueçamos que existem políticos “do bem” e que as conferências municipais, estaduais e a nacional da saúde vêm aí, que são excelentes espaços para a construção de alianças pró-social e pró-saúde.

Quem pode/deve ser responsabilizado quando os efeitos das decisões políticas atingem a saúde, subordinada sempre a outros objetivos como lucro e crescimento da economia?

Claro que isto depende de uma análise da atuação de cada agente político em cada conjuntura.

Na Jornada Nacional de Saúde e Ambiente, o senhor sugeriu que as crises estruturais e o modo de produção e consumo devem ser incluídos na metodologia de trabalho da pesquisa em saúde. Como seria essa inclusão?

Seria considerando na formulação das hipóteses de pesquisa e na metodologia a ser desenvolvida estas dimensões estruturais do modo de produção e do consumo e da determinação social da saúde, que são elementos centrais na explicação social do processo saúde-doença. Resposta mais longa que esta precisaria de um curso.

>>> Clique aqui e assista a uma entrevista de Paulo Buss em evento da OPAS realizado entre 31 de março e 1º de abril, em Washington D.C., sobre a importância da preocupação com a saúde estar presente em todas as políticas públicas das Américas (em espanhol).

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