Escolaridade: um macro determinante limitado por diferentes realidades sociais

A diferença conceitual entre desigualdade e iniquidade social está justamente no reconhecimento de que a desigualdade não implica necessariamente em um julgamento moral sobre as diferenças encontradas na realidade social, enquanto as iniquidades, por definição, sugerem um juízo de valor a ser atribuído sobre as desigualdades que não deveriam existir, pois são injustas, desnecessárias e evitáveis (Observatório da Equidade, 2009).

A educação, ao ser analisada sob a perspectiva da equidade, denuncia de forma contundente a natureza estrutural das iniquidades sociais no Brasil, visto que ainda há diferença na média de anos de estudo entre os mais pobres e mais ricos, pela alta proporção de analfabetos que já frequentaram a escola, ou de alunos provenientes de famílias que recebem até meio salário mínimo e que conseguem concluir a oitava série.

Em nível internacional, o Brasil foi considerado pela UNESCO como sendo do grupo de países em situação de risco quanto ao analfabetismo absoluto. O baixo nível de escolarização da população persiste como o macro-problema educacional brasileiro, resultante da diferença na qualidade do ensino e dos elevados índices de analfabetismo. Além disso, há uma persistência histórica dessas iniquidades que está para além dos avanços que são encontrados pelos indicadores sociais, pois se reproduzem de forma sistemática, perpetuando a estrutura que as produz.

Os dados do último Censo no Brasil demonstram que a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais de idade caiu de 13,63% em 2000 para 9,6% em 2010, mas ainda chega a 28% nos municípios com até 50 mil habitantes na Região Nordeste. Este indicador diminuiu de 10,2% para 7,3%, na área urbana, e de 29,8% para 23,2%, na rural. Entre os homens, declinou de 13,8% para 9,9%, e de 13,5% para 9,3%, entre as mulheres. No que diz respeito à raça, o analfabetismo entre pretos e pardos encontra-se acima de 20% nas cidades menores (IBGE, 2010).

Essa situação de extrema desigualdade social já era observada em 2007, onde a população rural da Região Nordeste com 15 anos ou mais de idade tinha em média 3,7 anos de estudo, o que equivale a quase metade da escolaridade média da população urbana da mesma região (6,8 anos) (IBGE – PNAD 2004/2007). Isso demonstra que a exclusão tem uma natureza multidimensional e intervenções para modificar este cenário apresentam-se como um importante desafio. Além disso, embora tenhamos avançado na questão da garantia dos direitos relativos ao acesso à educação, isso não representa uma redução nas iniquidades sociais, ou seja, na distância entre os que têm mais e menos oportunidades de estudo (Observatório da Equidade, 2009).

Em comparação com 2000, houve crescimento no país do percentual de pessoas alfabetizadas de 15 anos ou mais de idade, passando de 94,2% para 97,5% em 2010, atingindo valores próximos à universalização (IBGE, 2010). Apesar disso, a persistência das desigualdades regionais é alarmante e, provavelmente, é decorrente do patrimônio educativo da população, pois se relaciona diretamente com a estrutura social brasileira: profundamente injusta e iníqua.

É importante destacar que boa parte da lentidão na queda no analfabetismo se deve ao grupo mais idoso. O Censo 2010 apontou que 13.933.173 pessoas não sabem ler ou escrever, sendo que 39,2% desse contingente são idosos.  Além disso, a maior proporção de analfabetos se concentrou nos municípios com até 50 mil habitantes na Região Nordeste, e a proporção de idosos que não sabiam ler e escrever nessas cidades era em torno de 60%.

Além de diferenças nos indicadores de escolaridade, como acesso, qualidade, permanência, taxa de repetência e evasão e oferta, seja intra ou inter-regional, existem relações entre a escolaridade e outros desfechos do indivíduo, como a saúde. A escolaridade tem se mostrado como um importante determinante social para desfechos em saúde. No Brasil não é diferente, e no Nordeste, por exemplo, os efeitos da educação sobre a saúde do indivíduo são maiores para as mulheres, para os grupos de maior renda e maior idade, apesar de todos os casos mostrarem a relação positiva esperada entre educação e saúde, segundo estudo do Banco do Nordeste.

A mudança estrutural no patrimônio educativo brasileiro passa pela democratização da educação, que é obtida por meio de um conjunto de ações que dependem simultaneamente dos poderes públicos e da sociedade. É essencial direcionar maiores esforços das políticas públicas, visando à diminuição das desigualdades, o que pressupõe conhecer a realidade de cada sistema educacional das regiões, voltando, inclusive, para a situação de formação dos professores e condições de trabalho.

Apesar da lenta melhoria na evolução dos indicadores de educação, é sob a perspectiva de um processo que permeie uma maior equidade que se busca projetar um sentido mais amplo de justiça social. As políticas públicas devem ser orientadas para a redução das iniquidades sociais superando as injustiças históricas das desigualdades entre as macrorregiões do Brasil; bem como entre a população rural e urbana, entre pobres e ricos, e entre os brancos e os pretos e pardos.

Referências Bibliográficas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Síntese dos Indicadores de 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 4 jan 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf

Observatório da Equidade. As Desigualdades na Escolarização no Brasil. Brasília: Presidência da República; 2009.

Sousa EA, Santos AMA, Jacinto PA. Efeitos da Educação sobre a saúde do indivíduo: uma análise para região Nordeste do Brasil. [acesso em 9 jan 2012]. Disponível em: http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2011/docs/2011_efeitos_educacao.pdf

Educação: objetivo 2: atingir o ensino básico universal. Belo Horizonte: PUC Minas/IDHS; 2004 [acesso em 9 jan 2012]. (Coleção de estudos temáticos sobre os objetivos de desenvolvimento do milênio da rede de laboratórios  acadêmicos  para acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio). Disponível em: http://www.pnud.org.br/estudos/livro2_web.pdf

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