Especialistas discutem propostas de ação da 1ª CRDSS para o enfrentamento do problema da violência e drogas

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A análise e discussão das políticas públicas e estratégias de enfrentamento aos problemas decorrentes do uso de drogas e o panorama da violência na região, embasou o debate da sessão temática sobre violência e drogas na 1ª Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde do Nordeste (1ª CRDSS), que aconteceu no Recife, em setembro de 2013. A discussão e a troca de perspectivas entre representantes do governo e da sociedade civil pautaram a formulação de proposições, que devem nortear as ações destes diferentes atores. Depois da divulgação do relatório final do evento, voltamos a entrar em contato com alguns participantes das mesas temáticas para repercutir as propostas feitas pelos participantes do encontro.

Coordenadora da mesa na Conferência, a diretora de Análise em Situação de Saúde do Ministério da Saúde, Déborah Malta defende, assim como foi proposto no debate, que o enfrentamento da violência demanda necessariamente a atuação integrada e articulada dos setores governamentais nas três esferas de gestão (municipal, estadual e federal) e não governamentais (organizações da sociedade civil e academia). Esses entes precisam compartilhar conhecimentos para a formulação de ações multissetoriais e interdisciplinares, de forma a compreender toda a complexidade da determinação social sob a questão. “Determinação que, no Brasil, relaciona-se intrinsecamente com as questões de raça/etnia, gênero e território. A relação entre o uso de drogas e a violência merece uma reflexão mais aprofundada visto que a principal droga associada à violência é uma droga lícita: o álcool. Ele tem grande aceitabilidade pela sociedade brasileira, ampla divulgação nas mídias e difícil regulamentação legislativa e publicitária”, pontua.

Ângela Guimarães, secretária nacional da Juventude da Secretaria Geral da Presidência da República, ressalta que a complexidade do tema e seu impacto em diferenças esferas diminui a capacidade de enfrentamento ao problema a partir de ações isoladas. “Acredito que a integração entre políticas de promoção à saúde, prevenção a drogas lícitas e ilícitas, redução de danos e tratamento ao lado de políticas de distribuição de renda, acesso a políticas públicas nos territórios e uma nova concepção de segurança pública baseada na prevenção, investigação em substituição ao conceito de suspeito-padrão que tanto tem vitimado a nossa juventude, em especial a juventude negra, são excelentes pontos de partidas”, defende.

Para Guimarães, é importante ressaltar a responsabilidade do estado no protagonismo das políticas, sempre se baseando nos princípios do SUS – universalidade, equidade e integralidade. “Por outro lado se faz fundamental fomentar e estimular a participação da sociedade na discussão e na decisão acerca das políticas públicas que enfrentem os principais desafios em relação ao problema da violência que tem múltiplas faces,  múltiplos e complexos atores envolvidos, bem como a situação da política de drogas. Precisamos abrir espaço para uma abordagem de saúde pública e melhorar a qualidade da informação sobre consumo de drogas para o desenho de programas de preven­ção, redução de danos e tratamento mais eficazes”, afirma. Para ela tudo isso deve ser feito com a participação direta da sociedade civil, da academia e tendo em conta boas práticas já em curso no país. “Acredito na necessidade de envolver, ainda, os meios de comunicação para que possamos reverter a visão estigmatizante sobre os temas correntemente divulgadas pela mídia”, complementa.

Já a professora e pesquisadora da Fiocruz Cecília Minayo frisa a importância de não colocar o tema drogas como sinônimo da violência e defende que o enfrentamento seja feito a partir do desarmamento de traficantes que atuam no varejo e de uma política de segurança nacional de vigilância de fronteira. “Já a dependência química deve ser objetivo de tratamento de saúde pública, que está muito tímida no seu enfrentamento, deixando o caminho aberto para o ‘mercado religioso’ das comunidades terapêuticas, que não levam em conta as questões técnicas da desintoxicação, tratamento e reabilitação e trata os adictos apenas com referências religiosas de ‘pecado e conversão’”, critica.

Cecília Minayo pondera, ainda, que é necessário desnaturalizar a associação feita entre jovens, drogas e violência. “Os jovens devem merecer políticas sociais de desenvolvimento e inclusão social porque são jovens, porque merecem consideração, porque são a esperança do país e não por sejam ‘criminógenos’”, explicou, reforçando a importância de abordar o assunto a partir de outra perspectiva. “A política pública mais importante é a educação, mas de forma associada com melhoria das condições de vida, integração dos jovens no mercado de trabalho e de termos uma segurança pública que seja uma segurança cidadã, voltada para a coerção da violência dentro do respeito aos direitos humanos”, opina.

É o que também acredita o presidente da Central Única das Favelas (CUFA), Preto Zezé, que defende que é preciso lançar um novo olhar sobre estes jovens. “É preciso falar dos potenciais, da força que a juventude encontra, principalmente em relação ao jovem, negro e pobre, que é posto como coitado ou violento. É preciso fazer um apanhado de como a juventude sobrevive, vive e resiste diante de tantos problemas, focando nas suas potencialidades e talentos e assim construindo uma perspectiva diferenciada, transformando dificuldades em oportunidade e convertendo estigma em carisma”, acredita.

Defensora de um novo enfoque sobre a juventude, Ângela Guimarães também acredita que o jovem precisa ser entendido como sujeito de direito e não um potencial risco à sociedade. “Números oficiais dão conta que muito mais do que promotores da violência, a juventude é a principal vítima dela, são as e os jovens os maiores vitimados por causas externas a exemplo dos homicídios – principal causa de morte da juventude brasileira – e por acidentes de trânsito. Tendo em conta estes dados, ao Estado cabe promover políticas públicas que previnam a violência e evitem esse altíssimo contingente de perdas de vidas em idade produtiva o que é um prejuízo a quem perde a vida, a suas famílias e à sociedade brasileira como um todo, que convive com números de mortes superiores a países envolvidos em conflitos armados e à nossa economia”, ressalta. Para ela, fomentar uma visão da e do jovem como segmento estratégico ao processo de desenvolvimento em curso por seu potencial crítico, criativo e transformador, um dos públicos prioritários na promoção de políticas públicas e sujeito de direitos, é uma forma de contribuir com a desnaturalização desse olhar conservador alimentado historicamente sobre a juventude. “Cabe, ainda, a promoção de políticas públicas voltadas à garantia da sua inclusão social, autonomia e emancipação para que o verdadeiro potencial da juventude tenha condição de se expressar”, avalia.

Confira, a seguir, as recomendações completas da 1ª CRDSS para a temática de violência e drogas.  O documento completo pode ser conferido aqui.

Violência e drogas

  • Que sejam repudiadas todas as formas de racismo e discriminação;
  • Que devido às altas taxas de mortalidade por homicídio na juventude negra no Brasil e de forma alarmante no Nordeste, urge necessidade de implementação de políticas públicas integradas de enfrentamento deste grave problema de saúde pública;
  • Que avance em ações integradas e não apenas políticas ou programas pontuais para lidar com os problemas que as drogas e a violência trazem;
  • Que sejam abertos espaços de lazer para juventude;
  • Que haja desconstrução da cultura da violência, que implica a valorização da vida da juventude negra;
  • Que sejam promovidos momentos para compartilhar e complementar diversos saberes para enfrentar os problemas impostos pela violência e pelas drogas;
  • Que a polícia seja democratizada;
  • Que ocorra a desnaturalização da associação automática entre juventude, violência e drogas.

 

Referência Bibliográfica

1ª Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde do Nordeste. Relatório Sessão 04: Violência e Drogas. Recife; 2013. [acesso em 21 ago 2014]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2013/09/Elis-Borde.pdf

 

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