A Escola Nacional de Saúde Pública recebeu o embaixador e ex-ministro da defesa e das Relações Exteriores, Celso Amorim, para uma conversa a respeito das ações de cooperação internacional do governo brasileiro, sobretudo na área humanista da política externa – que inclui a luta contra a fome e a pobreza – e na saúde. Além de comentar o quadro político-geral que levou à intensificação da cooperação sul-sul e os bastidores dos acordos sobre tabaco, IBAS e Brics, referiu-se à Fiocruz como uma instituição de “orgulho para o país” e ao Brasil como uma nação solidária. “Não há, necessariamente, uma contradição entre solidariedade e interesse nacional. O programa de combate à fome é um exemplo disso”. Amorim esteve na ENSP durante o seminário Relações Internacionais e Saúde: Política externa e cooperação internacional em saúde, coordenado pela pesquisadora Celia Almeida.
O seminário integrou as atividades do mestrado profissional em Saúde Global e Diplomacia da Saúde da ENSP, criado com o objetivo de promover discussões a respeito da dinâmica do sistema mundial e seu impacto sobre a saúde das populações. “Considero positiva a iniciativa (do curso), pois mostra que devemos pensar em múltiplos aspectos de forma global e internacional, sobretudo o campo da saúde. Por outro lado, esse mestrado é um reflexo das atitudes tomadas pelo os últimos governos no sentido de aumentar a cooperação internacional em vários setores. Instituições de excelência como a Fiocruz permitem ao país ajudar parceiros mais pobres e necessitados a partir de uma experiência mais fácil de ser absorvida”, disse o ex-ministro sobre o curso de mestrado desenvolvido pela ENSP.
Amorim revelou que os primeiros grandes acordos de cooperação sul-sul do país ocorreram no final da década de 80, mas muitos deles não saiam do papel por falta de meios práticos para efetivá-los ou vontade política. Já no período anterior ao do seu primeiro cargo de ministro no governo Lula (2003), o embaixador destacou que o Brasil possuía um papel ativo não só na cooperação sul-sul, mas atuava de maneira mais ampla no que chamou de ponto de interseção da política externa de saúde. E citou seu envolvimento em dois temas: as negociações da Convenção sobre Controle do Tabaco e a questão da propriedade intelectual da saúde – exemplos da diplomacia aplicada a um problema de saúde, segundo ele.
“A experiência na presidência da comissão que discutiu a Convenção para o Controle do Tabaco foi extremamente complexa, pois era necessário lidar não só com governos, mas com organizações não governamentais interessadas na limitação do tabaco, países que tinham no imposto sobre o cigarro uma importante fonte de receita, produtores e pequenos produtores, cuja atividade econômica não poderia ser desconsiderada. Esse caso, na minha opinião, pode ser um grande objeto de estudo por se tratar de um exemplo da diplomacia multilateral, já que as discussões eram muito complexas”.
Brasil: um país solidário
Outro exemplo da diplomacia multilateral, também anterior, em parte, ao do governo Lula, foi a questão da propriedade intelectual de saúde. “E acho que esse tema tem muito a ver não só com a cooperação sul-sul, mas também com as limitações e alertas que devemos ter em relação à cooperação norte-sul, que é indispensável aos países, mas em alguns casos vem empurrada por grandes interesses”, disse ao mencionar as discussões na Organização Mundial do Comércio sobre a licença compulsória de medicamentos.
Ao citar outras experiências à frente do Itamaraty, Celso Amorim comentou a opção da política externa brasileira em defender e avançar os interesses e valores do país no mundo sem se furtar a prestar solidariedade aos mais necessitados. “Em diplomacia e política externa sempre surge, em primeiro lugar, o interesse nacional. Ninguém nega isso. E são classificados como ingênuos aqueles que colocam outros temas na frente dos interesses do país (citou a frase utilizada nos EUA na década de 50 e que norteia os acordos realizados naquele país: Os EUA não têm amigos, têm interesses). Não enxergo necessariamente uma contradição entre o interesse e a solidariedade, a percepção pelo interesse do outro. Um grande exemplo é que países africanos se sentiam representados por nós nas grandes reuniões da OMC. O desenvolvimento da cooperação sul-sul nos habilitou a saber pedir e exigir uma cooperação adequada para os outras nações”, admitiu.
O diplomata revelou ser importante que a área da saúde dê ênfase ao Fórum Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), principalmente pelas semelhanças entres os países-membros. “São países em desenvolvimento, democráticos, multiculturais, multiétnicos e com problemas sociais. Houve uma política ativa durante o governo Lula no sentido de mudar a geografia econômica mundial e mexer na estrutura de relacionamento de países que não conversavam. O Brics tem hoje uma proeminência maior, mas o conjunto de afinidades no IBAS favorecem os acordos”.
Combate à fome
Um tema que se fixou na agenda internacional nos últimos anos e reforça a ideia de solidariedade do país diz respeito às ações de combate à fome e à pobreza, segundo Amorim. “A ação deu muita visibilidade a uma política internacional voltada para as questões sociais. O tema entrou na agenda internacional pela iniciativa do ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e do ex-presidente da França, Jacques Chirac. Foi a expressão mais forte do que se chama de poder brando e representa esse perfil solidário”.
Já no final de sua apresentação, o convidado falou sobre a inserção do país nos programas de combate à Aids, quando outros países vislumbraram a importância da participação do Brasil, as parcerias com o continente africano, o espírito de solidariedade dos brasileiros e deu uma dica aos alunos do mestrado em Saúde Global da ENSP: o estudo das novas ameaças das chamadas pandemias
“O Brasil tem um grande desejo de exercer a solidariedade, mas esse sentimento precisa ser despertado. Há, sim, uma política estratégica do governo de ampliar sua presença no mundo, mas o brasileiro tem essa disposição para ajudar, há esse impulso. Seguramente, informo que não tínhamos interesse econômico no Haiti e na Guiné-Bissau, mas são países que possuem um grande volume de cooperação técnica. Essa visão proporcionou que entidades tão avançadas como a Fiocruz pudessem participar desse esforço. O Brasil, até pela contribuição africana escrava no nosso desenvolvimento, tem um dever de contribuir ativamente com as nações desse continente. A disposição para cooperar no Brasil é muito forte, mas deve haver o mínimo para dar partida ao projeto”.
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