O excesso de peso é determinado por condições socioambientais ou é uma questão de estilo de vida?

Mudanças na dieta: eficazes para controle de peso e doenças como diabetes/ Imagem: www.saude.gov.br

Indicador do Observatório sobre este tema:
ind010301

Mudanças na dieta: eficazes para controle do peso e de doenças como diabetes/ Imagem: www.saude.gov.br

O excesso de peso e a obesidade não são problemas que atingem somente os brasileiros, mas representam problemas de saúde pública que atingem uma parcela importante da população mundial. Considerando-se que há uma estreita relação entre a obesidade na infância e na idade adulta, a probabilidade desse quadro crítico se agravar nas próximas décadas é muito grande (Gigante et al., 2012). Segundo dados da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), o percentual de indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) maior ou igual a 25 kg/m2 aumentou significativamente entre os anos de 2006 e 2010 na população de 18 anos e mais, e apesar do aumento nas prevalências ter sido observado em ambos os sexos, a maior proporção ocorreu principalmente entre as mulheres.

Devido à relevância explícita do tema, o Observatório sobre Iniquidades em Saúde da Fiocruz, com base nos dados apresentados pela VIGITEL, apresenta como um dos indicadores de condição de vida, a prevalência de excesso de peso em adultos, por ano, segundo as regiões do país e escolaridade (Ind010301). No Brasil, os dados indicam que entre aqueles com 18 anos ou mais, a proporção de indivíduos com excesso de peso variou de 42,7% em 2006 a 48,1% em 2010, apresentando um crescimento de 12% no período. Em todos os anos, a maior proporção de indivíduos com excesso de peso se localizou sempre na camada de menor escolaridade (0-8 anos), sugerindo que quanto maior o nível de escolaridade, menor a probabilidade de excesso de peso na vida adulta. Essa tendência provavelmente vem acontecendo devido à possibilidade de escolhas alimentares mais saudáveis e de prática de atividades físicas regulares entre aqueles com maior escolaridade.

Durante o mesmo período (2006-2010), a região que apresentou o menor crescimento na prevalência de excesso de peso em adultos foi a Sul (10,0%), seguida pela região Sudeste (11,0%). As regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte apresentaram aproximadamente 15,0% de aumento na prevalência entre 2006 e 2010.

Principalmente entre os anos de 2009 e 2010, as regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram aumentos significativos nas prevalências nas faixas de maior e menor escolaridade (12 ou mais; 0-8). Na região Centro-Oeste, os indivíduos com menor escolaridade (0-8 anos) tiveram um aumento na prevalência de excesso de peso de aproximadamente 15%, saltando de 45,2% em 2009 para 51,4% em 2010. As regiões Sudeste e Sul apresentaram na faixa de maior escolaridade um aumento de cerca de 10% na prevalência entre os mesmos anos. O que representa um grande contraste com outras regiões, como a Norte, onde houve redução, e a Nordeste, cujo aumento não chegou a 4% entre 2009 e 2010. Além disso, na camada menos escolarizada da região Sudeste, onde se esperava um aumento na prevalência, houve, ao contrário, uma redução suave entre os mesmos períodos.

Em uma análise da variação temporal na prevalência do excesso de peso e obesidade em adultos no Brasil entre 2006 a 2009, a Dra. Denise Gigante, da Universidade Federal de Pelotas (RS), e colaboradores, afirmaram que o aumento nas prevalências ocorreu principalmente em mulheres mais jovens, brancas e com menor escolaridade. Os autores afirmam que no período de 2006 a 2009, houve tendência de aumento da prevalência do excesso de peso significativamente maior para homens mais velhos (65 anos e mais). Mas foram as mulheres mais jovens, com idade inferior a 45 anos, que mais contribuíram para o aumento nas prevalências de excesso de peso, e isso ocorreu independente do estado civil.

Gigante e colaboradores ainda fizeram em seu artigo uma importante reflexão sobre a dificuldade no tratamento da obesidade e do excesso de peso, pois a mudança de comportamento em longo prazo é uma exigência fundamental para um tratamento bem sucedido. Os autores alertaram que medidas efetivas de prevenção e controle são necessárias e urgentes, e que essas medidas devem ser direcionadas a toda população (abordagem populacional), uma vez que cerca da metade da população adulta tem excesso de peso, além da existência de tendências crescentes de aumento da prevalência em curtos intervalos de tempo. Além disso, enfatizaram que o tratamento da obesidade e excesso de peso é extremamente relevante, pois atua em fatores de risco comuns para várias doenças crônicas não transmissíveis.

A utilização de uma abordagem de fatores de risco comum, originalmente recomendada como política de saúde da OMS na década de 1980 é fundamental para incentivar um panorama integrado de prevenção de doenças crônicas em um contexto socioambiental mais amplo. Mudanças na dieta, por exemplo, influenciaram não só na redução da prevalência de excesso de peso e obesidade, mas também na prevenção e controle do diabetes e hipertensão, de alguns tipos de câncer, de doenças cardiovasculares e de doenças bucais, como a cárie. O mesmo pode ser dito da prática de exercícios físicos, que pode influenciar tanto na redução da obesidade e controle de peso, como na prevenção de doenças cardiovasculares. O conceito fundamental subjacente à abordagem de fatores de risco comum e integrada à estrutura de determinantes sociais da saúde é que a promoção da saúde, feita por meio do controle de um pequeno número de fatores de risco, tem impacto sobre um grande número de doenças a um custo menor, apresentam maior eficiência e eficácia do que as abordagens de doenças específicas, e reduzem as iniquidades sociais em saúde (Watt & Sheiham, 2012).

No caso do excesso de peso, políticas de abrangência populacional devem promover abordagens que contemplem outros níveis de determinantes. É o caso, por exemplo, da criação de espaços urbanos que ofereçam estruturas de lazer para a prática de atividade física, e que sejam de fácil acesso, favorecendo a padrões de comportamento mais ativo da população. A pesquisadora Maruí Giehl, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, aponta que a acessibilidade a instalações de lazer, como parques, áreas verdes, trilhas e ciclovias, bem como a qualidade desses ambientes na vizinhança, são fatores proativos. Ademais, a percepção de segurança e as estruturas de iluminação pública nos bairros também são aspectos que podem exercer influência na prática de atividades físicas. No caso da alimentação, subsídios ou impostos reduzidos para alimentos saudáveis, melhoria na qualidade da merenda escolar e das lanchonetes nas escolas, seriam outros exemplos de políticas para redução da prevalência do excesso de peso. Além disso, a criação de “Ambientes Saudáveis”, como as Escolas Promotoras de Saúde, amplamente divulgados pelos pesquisadores Samuel Moysés e Simone Tetu Moysés, da PUC do Paraná, servem de exemplo de como os ambientes funcionam como suporte para promoção da saúde, pois tanto a forma como as pessoas vivem como as escolhas que fazem estão relacionadas ao contexto e cultura do espaço de sua cidade/comunidade, aos hábitos adquiridos nos ambientes familiares e sociais e ao conhecimento que lhes é disponibilizado.

Em suma, políticas desenvolvidas para redução das desigualdades em saúde não devem se limitar a fatores intermediários, como os comportamentos de saúde, mas devem incluir políticas para enfrentar os determinantes estruturais. A saúde não é assegurada apenas por fatores individuais, nem tampouco é responsabilidade única do setor saúde no seu senso estrito. Ao contrário, indivíduos e comunidades saudáveis são produtos de uma composição de fatores em diferentes níveis. Sendo assim, o principal desafio para a promoção da saúde a transformação dos ambientes sociais em espaços suportivos e facilitadores à adoção e manutenção de escolhas saudáveis, tais como àquelas relacionadas à alimentação e à prática de atividade física, além da adoção de uma abordagem colaborativa e dependente de ações articuladas e coordenadas entre os diferentes setores da sociedade.

 

Referências Bibliográficas

Giehl MWC, Schneider IJC, Corseuil HX, Benedetti TRB, d’Orsi E. Atividade física e percepção do ambiente em idosos: estudo populacional em Florianópolis. Rev Saúde Pública [periódico na internet]. 2012 [acesso em 23 jul 2012];46(3): 516-25. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102012000300014&lng=en. Epub Apr 03, 2012.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012005000026.

Gigante DP, Giovanny VAF, Sardinha LMV, Iser BPM, Meléndez GV. Variação temporal na prevalência do excesso de peso e obesidade em adultos: Brasil, 2006 a 2009. Rev Bras Epidemiol [periódico na internet]. 2011 [acesso em 23 jul 2012];14(1):157-65. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1415-790X2011000500016&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Moyses SJ, Moyses ST, Krempel MC. Avaliando o processo de construção de políticas públicas de promoção de saúde: a experiência de Curitiba. Ciên Saúde Colet [periódico na internet]. 2004 [acesso em 23 jul 2012];9(3):627-41. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-81232004000300015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Watt RG, Sheiham A. Integrating the common risk factor approach into a social determinants framework. Community Dent Oral Epidemiol. 2012 Aug;40(4):289-96. doi: 10.1111/j.1600-0528.2012.00680.x. Epub 2012 Mar 20.

World Health Organization. Closing the gap in a generation: health equity through action on the social determinants of health. Final report of the Commission on Social Determinants of Health. Geneva: World Health Organization; 2008.

 

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