Nos próximos meses o IBGE define quais indicadores brasileiros vão ser utilizados no monitoramento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) pactuados na Rio+20. A participação da sociedade civil nesse esforço de apropriação das metas acordadas é central para que o Brasil continue tendo papel relevante na agenda global de redução da pobreza e da desigualdade
O lançamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela Organização das Nações Unidas, em setembro de 2015, representa um importante sinal de convergência para o futuro do planeta. Os ODS, também conhecidos como Agenda 2030, são uma evolução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), uma parceria global entre os países-membros da ONU para a execução de um “plano de ação para as pessoas, o planeta e para a prosperidade”.
Os debates sobre os ODS foram iniciados durante a Conferência Rio+20, realizada em 2012, no Rio de Janeiro, que sinalizou para a criação de objetivos e metas para o desenvolvimento sustentável, por meio de um conjunto de ações e diretrizes acordado pelos países participantes. Após mais de três anos de discussão, líderes de governo e de Estado aprovaram o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que estabelece 17 objetivos e 169 metas a serem alcançadas pelo conjunto de países das Nações Unidas. Os ODS (2015-2030) se apresentam como um trabalho sequencial aos ODM (2000-2015), reconhecendo que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões é o maior desafio global ao desenvolvimento sustentável.
É bom lembrar (e celebrar!) que o Brasil foi um dos principais responsáveis pelos resultados positivos dos ODM no mundo, um conjunto de oito objetivos, com prazo para alcance entre os anos 2000 e 2015. Segundo o relatório do PNUD sobre o acompanhamento dos ODM no país, “O Brasil foi um dos Estados-membros que mais contribuiu para o alcance global da meta A do ODM 1, reduzindo a pobreza extrema e a fome não apenas pela metade ou a um quarto, mas a menos de um sétimo do nível de 1990, passando de 25,5% para 3,5% em 2012”. Outro destaque é que o Brasil também já atingiu a meta estabelecida para a redução da mortalidade infantil (mortes de crianças com menos de 1 ano de idade), passando de 47,1 (1990) para 15,3 óbitos por mil nascidos vivos (2011).
O Brasil durante os anos 1960 e 2000 ficou mundialmente conhecido pela desigualdade socioeconômica e por figurar em destaque no chamado mapa da fome, que apresenta um conjunto de países em que uma parcela expressiva da população não possui condições básicas de alimentação. Olhar no retrovisor nos ajuda a lembrar que o país evoluiu muito desde a redemocratização, conquistando uma série de vitórias significativas, que passam pelo fim da inflação galopante; pela política de valorização do salário mínimo; pela ampliação do alcance das políticas públicas; pela expressiva redução da mortalidade infantil; pela universalização da educação básica; pela ampliação das vagas e adoção das cotas para ensino superior; pela implantação e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS); entre outros.
Tão importante quanto reconhecer e defender a manutenção desses avanços no país, é ter clareza do muito que ainda temos por avançar. E os ODS podem ser uma ótima oportunidade para motivar e impulsionar uma agenda global em direção ao desenvolvimento sustentável, à transição para uma economia de baixo carbono, à preparação para as mudanças climáticas, à promoção da igualdade de gênero, à superação da pobreza e da miséria, à proteção da biodiversidade, entre outros objetivos apontados na carta global. O planeta já vem dando sinais de que não suporta o atual modelo de desenvolvimento e que a humanidade precisa mudar de comportamento. O século XXI deve ser o século da sustentabilidade e precisamos dar passos rápidos nessa direção. Nesse contexto, o Brasil pode assumir protagonismo, assim como fez com os ODM nos últimos 15 anos.
Dentre os 17 ODS, queremos nesse artigo destacar o de número 11: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. A literatura recente sobre desenvolvimento urbano vem chamando atenção para o fato de que mais da metade da população mundial vive em cidades. No Brasil, atualmente, 85% da população vive em área urbana e mais de 30%, nas 10 maiores regiões metropolitanas.
O Rio de Janeiro é a segunda maior metrópole brasileira, com cerca de 12 milhões de habitantes e inúmeros desafios para garantir o acesso a direitos básicos e qualidade de vida para toda sua população. As políticas públicas em resposta devem estar centradas na perspectiva da redução das desigualdades urbanas, sociais e econômicas, vivenciadas cotidianamente de diversas formas: na violência presente na Baixada Fluminense e nas favelas cariocas; na caótica e proibitiva mobilidade urbana; ou na falta de saneamento básico, que provoca doenças e gera a poluição de nossos rios e consequentemente das baías de Guanabara e de Sepetiba.
As perguntas frente a esses desafios se acumulam: que políticas públicas devem ser implementadas e/ou aperfeiçoadas? Quais devem ser os principais indicadores para o monitoramento dessas metas? Como construir mecanismos de participação, controle social e acompanhamento dessas políticas? Como tornar essas metas objetivos comuns e convergentes entre as três esferas de governo (municipal, estadual e federal), a sociedade civil e o setor privado produtivo?
O ODS 11, conhecido como o “ODS urbano”, reúne, a partir de uma perspectiva integrada, aspectos sociais, econômicos e ambientais do desenvolvimento, bem como suas inter-relações e meios de implementação. Suas 10 metas buscam dar conta de questões referentes à urbanização de assentamentos precários, transporte, participação social no planejamento urbano, proteção ao patrimônio cultural e ambiental, redução dos impactos das mudanças climáticas e das catástrofes naturais sobre a população urbana e estímulo às relações sustentáveis entre campo e cidade.
Uma das características dos ODS em relação aos ODM é exatamente sua maior complementaridade entre os Objetivos. Não apenas no plano setorial, mas também no nível territorial. O fenômeno urbano não respeita fronteiras administrativas. Neste sentido, tratar de cidades e assentamentos humanos exige uma visão mais ampla do que o território municipal. Uma das marcas da urbanização latino-americana foi exatamente a formação de grandes cidades com alta concentração de atividades econômicas e de habitação, cercadas por tão grandes quanto, senão maiores, periferias com baixa geração de empregos e serviços, nas quais a população vive, muitas vezes, a menor parte de seu tempo, dedicado ao descanso ou ao lazer.
As chamadas “cidades-dormitório”, apesar dos esforços crescentes de reversão do estigma representado por essa imagem, ainda concentram os piores indicadores urbanos na comparação com suas centralidades. Ou seja, o desenvolvimento urbano é, essencialmente, uma questão metropolitana – e não somente municipal.
Infelizmente, o pacto federativo estabelecido pela Constituição de 1988 não considerou a dimensão metropolitana em seu arranjo, o que gerou “territórios metropolitanos e políticas municipais”, com políticas públicas que muitas vezes agem em sentidos opostos apesar dos limites quase invisíveis entre municípios de uma mesma região metropolitana. O recém-aprovado Estatuto das Metrópoles (Lei Federal 13.089/2015) representa um marco neste sentido, uma vez que obriga o compartilhamento inter-federativo da gestão e do planejamento de políticas públicas naquelas áreas definidas como sendo “funções públicas de interesse comum” (FPIC’s). O Estatuto decreta ainda a necessidade de implantação de um modelo de governança aberto à participação das prefeituras, do governo do estado e sociedade civil para gestão destas políticas de interesse comum.
A promulgação da lei não garantirá por si só soluções rápidas para conflitos de interesse que se estendem por décadas entre municípios de uma mesma região. O Estatuto, no entanto, confere visibilidade à questão na medida em que institucionaliza a escala metropolitana de planejamento e participação política. Os ODS são, neste sentido, uma grande oportunidade para acompanhar os esforços de promoção do desenvolvimento sustentável em suas diferentes dimensões e sempre de maneira integrada. Não se trata de desafio simples, uma vez que nem sempre existe a produção perene de dados para viabilizar o acompanhamento dos esforços implementados.
Por isso o momento atual, de definição dos indicadores que o Brasil adotará para monitorar os ODS em todos os níveis federativos é da maior importância. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão responsável pela definição dos indicadores que responderão ao esforço nacional de cumprimento da Agenda. Ele é também a instituição que representa a América Latina na negociação global. Apesar do monopólio da eleição de indicadores estar nas mãos de órgãos estatais, sendo o Ministério das Cidades o responsável por adaptar as políticas públicas para este viés, especialmente no que diz respeito ao ODS urbano, é imprescindível que outros atores assumam protagonismo nesta história, sobretudo em tempos em que a representatividade político-institucional está em xeque.
Como exemplo, a plataforma ODS se configura como instrumento democrático para a superação da visão estadocêntrica na ação política pela sustentabilidade, passo essencial para real efetivação dos objetivos. A partir dela, inúmeras iniciativas podem se comprometer com uma mesma busca, de diferentes maneiras. A apropriação, por parte do maior conjunto de atores possível, das mensagens e métricas desenhadas pelo sistema ONU deve estar acompanhada da promoção de uma cultura de monitoramento das mesmas.
Outro bom exemplo é o Programa Cidades Sustentáveis, plataforma alinhada aos ODS que reúne uma série de ferramentas para que governos e sociedade civil promovam e monitorem o desenvolvimento sustentável nos municípios brasileiros. É este movimento que tornará o desafio factível e tornará legítima a busca pela superação das metas globais, impulsionando o desenvolvimento humano e a expansão do bem-estar nos diversos locais, de maneira alinhada às demandas socioambientais.
Portanto, governos em suas atribuições globais, regionais e locais, empresas de todos os setores da economia e sociedade civil precisam ser mais do que signatários da proposta, atuando também como formuladores de iniciativas em prol da sustentabilidade, além de observadores ativos dos movimentos parceiros nesta causa, incentivando-os.
O propósito de mobilização da Casa Fluminense para os ODS, e em especial do ODS 11 na escala metropolitana, corrobora todo o trabalho da associação, iniciado em 2013, com vistas à transparência, participação e controle social sobre as políticas públicas no Rio de Janeiro. O foco é posicionar-se como uma das entidades fluminenses a colocar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não só no imaginário dos cidadãos, como também na estratégia das instituições. No Rio e para além dele. A parceria estabelecida com a Agência Alemã de Cooperação Internacional, GIZ, a partir da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável, SDSN, iniciativa global das Nações Unidas para promoção do ODS 11, visa mapear experiências de monitoramento de indicadores e valorizar o papel da sociedade civil, a partir das universidades e de organizações não governamentais, na implementação dos Objetivos, em colaboração com a iniciativa privada e Estado.
Neste caminho, dois produtos do trabalho em rede da Casa Fluminense, o Mapa da Desigualdade e a Agenda Rio 2017, conjugam-se no binômio “diagnósticos e propostas”, reiterado pela Agenda 2030. Tratam-se de dois exercícios, o de acompanhar indicadores da vida metropolitana e o de oferecer sugestões para fazê-los avançar, ambos vindos de um processo de escuta de vozes espalhadas pelos 21 municípios. São exemplos de nossa singela, porém atenta, contribuição para construir coletivamente as cidades sustentáveis em que queremos viver e deixar viver as próximas gerações.
Por Henrique Silveira, Vitor Mihessen, Igor Pantoja – Fórum Rio . 15/08/2016
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