Proposições relacionadas a grandes obras e seus impactos para a saúde

water_freeimagesNos últimos anos, o Nordeste passou a receber investimentos e um grande número de projetos, sobretudo de infraestrutura, a exemplo da obra de transposição do Rio São Francisco. Os seus impactos na saúde da população local, as novas configurações epidemiológicas que promovem e a importância do planejamento dessas ações foram discutidas em mesa temática da 1ª Conferência Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde (1ª CRDSS), realizada em Recife, no ano passado. O debate, que contou com a participação de agentes de diferentes setores (governo, academia e sociedade civil), resultou na criação de proposições, diretrizes que devem embasar suas ações a partir de diferentes perspectivas. Passado quase um ano do evento, voltamos a conversar com alguns dos participantes da sessão temática para repercutir as propostas resultantes.

Chefe do Departamento Nordeste do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social  (BNDES), Paulo Guimarães coordenou a mesa temática sobre o assunto na 1ª CRDSS. Ele acredita que antes da implantação dos projetos devem ser realizados o planejamento e estudos de impacto. “Geralmente as questões ambientais chamam logo atenção no principio, mas os efeitos sociais e na saúde precisam receber destaque. Nesse sentido, é necessário um investimento significativo na melhoria da capacidade de gestão pública dos municípios impactados diretamente pelos projetos. Geralmente a rede de saúde nessas cidades é insuficiente e não está preparada para o novo ambiente com forte crescimento populacional que necessita, inclusive, de ações preventivas na área de saúde”, avalia.

Também presente no debate de setembro de 2013, o secretário regional da Cáritas Nordeste II, Angêlo Zanré, acredita que todas as grandes obras realizadas no Nordeste nos últimos anos tiveram impacto negativo para a saúde da população local. “São projetos que sempre são gestados e executados sem levar em conta as populações que moram no entorno ou no território e não existe preocupação alguma para a questão ambiental, a não ser para jogadas de marketing para enganar a sociedade em geral. Como já afirmei durante o evento de setembro de 2013, a estratégia deve ser outra: no lugar de implantar grandes projetos que, além de não passar por processos democráticos e por serem grandes, acabam impactando negativamente na saúde da população. Ou seja, é preciso investir, sobretudo no que se refere à questão da água, em pequenos projetos e na difusão de tecnologias sociais como, por exemplo, as cisternas de placas, a cisterna calçadão, a cisterna telhadão e as barragens subterrâneas, que são implementadas por um conjunto de organizações da sociedade civil. Entre elas estão a Cáritas Brasileira Regional NE2, que compõem a ASA Brasil – Articulação no Semiárido Brasileiro”, defende.

Proposição definida na Conferência, a participação popular é posta como parte fundamental da realização de projetos, embora não corresponda à realidade de sua aplicação no Nordeste. Paulo Guimarães sugere a criação de representação popular organizada como o melhor caminho para aproximar a população do debate. “Possivelmente a melhor forma de discussão participativa é a criação de uma institucionalidade que represente os atores envolvidos, sejam eles públicos ou privados. A criação de um fórum ou de um comitê que possa discutir e deliberar sobre os assuntos relacionados aos impactos na implantação de grandes projetos é decisiva para o território”, opina.

Já para Zanré, a proposta de participação não condiz com os interesses das grandes empresas, o que se coloca como grande desafio nesse processo. “Quando se fala de grandes projetos o grande mal é exatamente a ausência do envolvimento da população. Quanto menos a população participa, melhor para o grande capital. O envolvimento da população deverá se dar com a participação direta das populações atingidas, das organizações da sociedade civil, dos movimentos sociais, das pastorais sociais e do Ministério Público em todo o processo de implantação do projeto, do planejamento até a sua execução. Se as pessoas atingidas, diretamente e a sociedade organizada ficarem por fora desse processo, as consequências serão necessariamente desastrosas”, comenta.

Sobre as ações intersetoriais que devem envolver estado, sociedade civil e instituições acadêmicas, Zanré acredita que o primeiro passo é escutar a população das áreas que vêm recebendo grandes projetos. “Qualquer projeto deveria sempre levar em conta o contexto e o que pensam as pessoas diretamente envolvidas. Qualquer passo deveria ser decidido num coletivo onde as partes, governo, populações atingidas, empresas e sociedade civil, pudessem construir convergências sobre os passos a serem dados. E, por último, monitorar a execução do projeto, para poder fazer sempre as adequações necessárias. Isso pode parecer uma utopia, mas é o único caminho”, defende.

De acordo com Paulo Guimarães, o maior desafio é conseguir estabelecer uma visão de longo prazo e planejar detalhadamente os passos para que a implantação do projeto promova apenas benefícios, sejam eles produtivos, sociais ou ambientais. “Nesse sentido, faz-se necessário um expressivo investimento na gestão pública que, na maioria das vezes, está desfasada e obsoleta, ficando para traz no processo de desenvolvimento do território impactado”, justifica.

Já para Zanré, o desafio principal é justamente garantir a participação democrática da sociedade civil organizada. “Um grande projeto sempre vai gerar impactos, não somente sobre as pessoas, mas também sobre o meio ambiente. Um projeto não pode ser de uns, com objetivos particulares e de lucro. Um projeto seja ele grande ou pequeno, ou beneficia a todos e faz bem a todos ou perde o seu sentido e a sua validade. É preciso construir mecanismos de participação, conselhos gestores, por exemplo, onde todos possam, de forma paritária, opinar, decidir e deliberar. É o caminho da democracia participativa.”

Confira, a seguir, as recomendações da I CRDSS para a área de grandes projetos e impactos na saúde. O documento completo com as indicações para todos os temas discutidos no evento pode ser conferido aqui.

  • Que sejam realizadas de práticas de vigilância e monitoramento da saúde em áreas de grandes projetos de desenvolvimento e que essas práticas sejam efetivas, sendo um dos principais desafios a descontinuidade da gestão, o que faz necessitar de novas pactuações e novos inícios de processos;
  • Que os grandes empreendimentos sejam pactuados com a sociedade.
  • Que os grandes empreendimentos apresentem e discutam os licenciamentos ambientais com a sociedade civil;
  • Que a participação social em relação à decisão e planejamento envolva diversos setores, como a saúde e educação, além da participação social;
  • Que a população tenha o direito de interferir na implementação de projetos no seu território, ou seja, que sejam discutidos com a população quais os projetos que a população quer;
  • Que ocorra construção de políticas públicas através de processo de participação onde as pessoas podem se emponderar, se qualificar para efetivá-las;
  • Que grandes projetos sejam impossibilitados de receber financiamento público caso apresentem falta de qualidade no cumprimento das etapas para financiamento ambiental (qualidade dos estudos, audiências públicas, discussão com os atores do território, impactos na saúde);
  • Que sejam avaliados os impactos dos grandes projetos antes de sua realização com proposição de ações resolutivas de mitigação de danos e promoção da saúde;
  • Que sejam realizadas ações integradas entre territórios (municípios, estados) no intuito de avaliar impactos e definir políticas públicas articuladas na região, ultrapassando os limites políticos;
  • Que os planos municipais e estaduais de saúde discutam de forma intersetorial e interregional para ao planejamento e enfrentamento dos impactos decorrentes de grandes empreendimentos;
  • Que o modelo de desenvolvimento a ser seguido seja sustentável, solitário, no sentindo de envolver mais pessoas, e ser territorial;
  • Que sejam realizados programas de qualificação dos gestores para conseguir maior financiamento para o município realizar projetos sociais (ex: o BNDES possibilita recursos para projetos sociais, que tenha organização social local e com institucionalidade).

 

 

Por Maira Baracho . 04/09/2014

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