Políticas de estilo de vida com um enfoque de equidade

 

O livro de Dahlgren e Whitehead intitulado “European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2” e publicado pelo Escritório Regional da OMS na Europa em 2007 possui uma seção sobre comportamentos pessoais, tais como fumar, beber, dieta e exercício, desde uma perspectiva de determinantes sociais, afirmando que tais comportamentos influenciam a saúde de toda a população e são socialmente condicionados, contribuindo para as iniquidades em saúde. A seguir fazemos um resumo desta seção.

Os fatores de risco relacionados ao comportamento são frequentemente entendidos como de livre escolha e, portanto, as iniquidades em saúde atribuíveis a estilos de vida seriam conseqüência de escolhas individuais insalubres. A estratégia óbvia decorrente dessa concepção é informar as pessoas sobre os efeitos negativos para a saúde, de modo que se motivem a mudar seu estilo de vida, fazendo escolhas mais saudáveis.

Na realidade os ambientes sociais e econômicos em que as pessoas vivem são de importância crítica para formar seus estilos de vida. Reconhecer que os estilos de vida são socialmente determinados implica em intervenções estruturais para reduzir as iniquidades em doenças a eles relacionadas. Tais intervenções incluem, por exemplo, políticas fiscais que aumentem os preços de mercadorias prejudiciais à saúde e legislação que limite o acesso a estes produtos. Igualmente importante é tornar mais fácil escolher alternativas saudáveis, como, por exemplo, subsídios públicos e facilidade de acesso a alimentos saudáveis e a instalações recreativas.

A importância destas intervenções estruturais é muito maior nos grupos de baixa renda, o que reforça a importância de combinar um enfoque estrutural e de educação em saúde para melhorar saúde de população como um todo e reduzir as iniquidades em saúde.

Controle do hábito de fumar:

Nos países desenvolvidos há uma transição na “epidemia do tabaco”. Inicialmente, a maioria de fumantes são homens mais afluentes e, posteriormente, as mulheres deste grupo socioeconômico. A segunda fase da epidemia de tabaco é caracterizada por uma diminuição no hábito de fumar entre grupos afluentes e um aumento nos grupos de baixa renda, novamente primeiro entre os homens e depois entre as mulheres. Durante a terceira fase, há uma queda em todos os grupos socioeconômicos, mas esta queda é muito mais rápida entre os grupos de alta e media renda em comparação com os de baixa-renda. A porcentagem de fumantes entre mulheres de baixa-renda pode mesmo aumentar ou permanecer estável durante esta fase (Graham, 1996).

A redução do hábito de fumar na Europa é um importante êxito de saúde pública, resultante de políticas de controle de tabaco, que incluíram educação em saúde e políticas estruturais, tais como altos impostos para o tabaco. O efeito, no entanto, foi muito menos bem sucedido desde uma perspectiva de equidade em saúde, pois os principais efeitos positivos foram alcançados entre grupos de alta e média renda, resultando num aumento das iniquidades em saúde. Em países como o Reino Unido, os diferenciais sociais no hábito de fumar explicam, estatisticamente, muito das diferenças observadas, entre classes sociais diferentes, no que se refere à mortalidade por câncer de pulmão e doença coronária, assim como aumento dos diferenciais na mortalidade entre homens de meia-idade nos últimos 20 anos (Jarvis & Wardle, 1999).

Opções de política para controle do tabaco desde uma perspectiva de equidade devem partir da formulação de metas que especificam mudanças desejadas por grupo socioeconômico e gênero. As metas para políticas de controle do tabaco normalmente se expressam em termos da redução de consumo para a população como um todo. Metas específicas desde uma perspectiva de equidade devem prever reduções acima da média no hábito de fumar para grupos de baixa renda e reduções nas iniquidades em doenças relacionadas ao tabaco. Estes dois tipos de metas são também importantes de serem adotadas em países que estejam numa etapa anterior da epidemia de tabaco, para evitar o aumento das iniquidades resultantes de políticas de controle do tabaco que apenas levam em conta a redução de fumantes na população como um todo.

Políticas específicas com esta orientação incluem altos impostos para produtos de tabaco, que tem se revelado a intervenção mais efetiva, inclusive desde uma perspectiva de equidade. Incluem também a proibição de publicidade, cuja influência é maior nos jovens. Anunciantes de tabaco em alguns países focalizam suas promoções em áreas menos favorecidas. Dado que a maioria de fumantes está em áreas de baixa renda, é importante dar prioridade a estas áreas, em termos de recursos financeiros para serviços de apoio á interrupção do hábito em instalações de atenção primária de saúde e em locais de trabalho com alta proporção de fumantes.

Estes esforços devem ser baseados em estudos sobre as causas da permanência do hábito de fumar apesar das pessoas saberem que se trata de um importante risco para a saúde. Há evidencias de que intervenções para interrupção do hábito de fumar são importantes, porém menos eficazes para grupos de baixa renda (Platt et al., 2002), o que indica que devem ser desenvolvidos programas gênero-sensíveis especificamente orientados para esses grupos. Finalmente deve ser desenvolvido e fortalecido um arcabouço legal que assegure ambientes de trabalho, instituições públicas e restaurantes livres de tabaco.

Abuso de álcool:

O abuso de álcool tem forte impacto na geração de iniquidades em saúde. Vários estudos mostram que a situação econômica precária está fortemente associada com altos níveis de consumo de álcool, o qual é identificado como um importante mecanismo através do qual a tensão psicossocial é traduzida em saúde precária e mortalidade mais alta (Walters & Suhrcke, 2005). Para um determinado nível de excesso de consumo, as consequências nocivas à saúde podem ser maiores para trabalhadores manuais em comparação com outras profissões. Homens dedicados a trabalhos manuais não especializados têm susceptibilidade aumentada aos efeitos prejudiciais do álcool, o que pode ser explicado por diferenças nos hábitos de beber e pelas redes de proteção social. Os trabalhadores manuais não especializados tendem a beber excessivamente durante o fim de semana enquanto funcionários públicos que têm o mesmo nível de sobre-consumo tendem a distribuir seu consumo mais regularmente por toda a semana. A natureza do trabalho faz com que trabalhadores manuais sejam mais propensos a acidentes e traumatismos relacionados com o álcool.

Outro elemento são as redes sociais de apoio, tanto no trabalho como em casa, que são capazes de amortecer e reduzir os efeitos negativos do abuso de álcool entre funcionários públicos em comparação com os trabalhadores manuais. Um trabalhador manual que venha trabalhar bêbado corre maior risco de ser despedido de seu trabalho e de experimentar um ciclo vicioso de saúde precária devido a desemprego, tensão econômica, aumento de problemas sociais e consumo de álcool. Há, portanto um efeito negativo duplo do consumo excessivo de álcool sobre as iniquidades sociais: homens de grupos socioeconômicos mais baixos tendem a beber mais que o resto da população e também sofrem um impacto negativo maior sobre a saúde para um determinado nível de sobre-consumo.

A política mais eficiente para reduzir consumo de álcool é aumentar o preço e limitar sua acessibilidade. Outras opções de políticas desde uma perspectiva de equidade devem também dar conta de fatores sociais mais gerais responsáveis pelo abuso do álcool como o desemprego e a exclusão social e devem ser fortalecidos sistemas sociais de apoio no trabalho e na comunidade para reduzir o impacto negativo para saúde entre grupos de menor renda.

Nutrição, atividade física e obesidade:

Dietas pouco saudáveis, escasso exercício físico e obesidade estão freqüentemente associados e constituem um conjunto de fatores de risco muito mais comum em grupos de baixa-renda (Lynch, Kaplan & Salonen, 1997).

A preocupação com a equidade em saúde é frequentemente ausente, mesmo quando amplos esforços são empreendidos para promover dietas mais saudáveis e exercício físico. Campanhas gerais de educação em saúde são frequentemente ineficazes para os que estão em maior risco e investimentos públicos em instalações recreativas em geral beneficiam grupos mais afluentes. Mesmo quando valores médios para a população como um todo indicam melhoras no que se refere a dietas saudáveis e exercícios, é possível que os diferenciais estejam se ampliando, pois os hábitos mais saudáveis se encontram principalmente entre grupos mais privilegiados.

O desafio é, portanto, desenvolver políticas e ações com efeitos positivos maiores entre os que estão em piores condições, o que implica em levar em conta sua realidade e seus interesses expressos. Entre os exemplos se incluem: trabalhar com a indústria e empresas fornecedoras de alimento para melhorar a qualidade nutricional de alimento processado; oferecer almoços gratuitos e de boa qualidade na escola, restringindo o acesso a alimentos menos saudáveis e doces nas instalações escolares; aumentar a disponibilidade e acessibilidade de frutas e verduras em particular em áreas de baixa-renda; desenvolver programas de informação sobre dieta saudável orientados para grupos específicos, acompanhados por mudanças estruturais que facilitem a mudança dietética; aplicar regras estritas e controles de publicidade que se dirijam a crianças e promovam o consumo de alimentos menos saudáveis e priorizar investimentos públicos em instalações recreativas para áreas menos favorecidas.

Referências Bibliográficas

Dahlgren G, Whitehead M. European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2. Copenhagen: World Health Organization Regional Office for Europe; 2007. (Studies on social and economic determinants of population health, No. 3). [acesso em 12 set 2011]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0018/103824/E89384.pdf

Graham H. Smoking prevalence among women in the European Community 1950–1990. Soc Sci Med. 1996 Jul;43(2):243-54.

Jarvis MJ, Wardle J. Social patterning of individual health behaviours: the case of cigarette smoking. In: Marmot M, Wilkinson RG, eds. Social determinants of health. Oxford: Oxford University Press; 1999. p. 240–255.

Lynch JW, Kaplan GA, Salonen JT. Why do poor people behave poorly? Variation in adult health behaviours and psychosocial characteristics by stages of the socioeconomic lifecourse. Soc Sci Med. 1997 Mar;44(6):809-19.

Platt S et al. Smoking policies. In: Mackenbach J, Bakker M, eds. Reducing inequalities in health: a European perspective. London: Routledge; 2002.

Walters S, Suhrcke M. Socioeconomic inequalities in health and health care access in central and eastern Europe and the CIS: a review of recent literature [Working paper 2005/1]. Copenhagen: WHO European Office for Investment for Health and Development; 2005 [acesso em 12 set 2011]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0006/125457/e94412.pdf

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