Roberto Smeraldi afirma que temas como os DSS rompem com a setorialização

Roberto Smeraldi

 

Conforme o próprio lema da Conferência Mundial sobre DSS, “todos pela equidade”, a construção da equidade através da ação sobre os determinantes sociais, implica na atuação conjunta de vários atores, particularmente governo e sociedade civil. Em sua experiência como ativista na área ambiental, como o Sr. vê essa articulação entre governo e sociedade civil ?

Eu a vejo, quando acontece, como parcial e setorialmente limitada. Acho que temos um atraso e uma limitação cultural, de ambas as partes. Cada ministério tem seu “público” e não considera relevante, ainda menos essencial, uma atuação transversal. E em geral, do lado da sociedade civil, se reproduz esta abordagem segmentada e, se me permitir, um tanto corporativista. Temas como os DSS, por definição, rompem com a setorialização. O custo social da saúde não vem das dinâmicas sob administração do Ministério da Saúde, e sim da indústria, do trabalho e  previdência, do planejamento, da agricultura, do meio ambiente, do próprio comando do governo na Casa Civil, etc. Lembra-me um pouco quando, durante anos, brigamos para reconhecer que o desmatamento não fosse considerado problema do meio ambiente, pois as causas não estavam lá. Demorou e ainda há ambiguidades, mas se conseguiu mais ou menos reverter àquela lógica perversa e ineficiente que impedia encarar a origem do problema. Se hoje estamos conseguindo avanços sociais, como colocar os meninos na escola ou erradicar a fome, a tarefa de evitar que tenhamos, entre os novos incluídos, uma nova geração de crianças obesas e com hipertensão está na merenda escolar, por um lado, ou numa rotulação de alimentos compreensível e eficaz, do outro. E na articulação para tanto falta clareza dos dois lados, em que um ajuda o outro a focar a abrangência e a sinergia desta articulação.

Como o Sr. analisa as relações entre modalidades de participação democrática diretas e representativas na área ambiental?

É um fato, até por uma série de coincidências curiosas e pouco conhecidas, que a área ambiental teve a peculiaridade de proporcionar no Brasil as primeiras oportunidades de participação direta da sociedade na gestão pública em época bem improvável, ou seja, ainda na ditadura! Quando faltavam as condições básicas para democracia formal, o meio ambiente era um laboratório de participação. Graças ao trabalho pioneiro do Dr. Paulo Nogueira Neto? Graças ao fato que os militares não tinham muito claro o que estava acontecendo lá? Graças ao fato que aquela era uma coisa nova e, portanto não estava encaixada nos critérios do resto da administração? Por todas essas razões e mais algumas. Mas o fato é que quando o Brasil pensou sua Constituição de 1988, já tinha CONAMA e um histórico de avanços gerados pela participação. Não estou aqui elogiando os governos militares, isso pode inclusive ter acontecido à revelia deles, em certa medida. Mas registro algo que está na raiz daquilo que alguns me perguntam hoje: porque no Brasil a sociedade civil organizada da área ambiental tem mais visibilidade, acesso à imprensa, poder de fogo do que em outras áreas? A resposta reside aí. Agora, se você me pergunta se hoje as modalidades representativas do CONAMA atendem a complexidade e diversidade da sociedade contemporânea, a resposta é negativa. A sociedade anda muito mais rapidamente, hoje não há mecanismos para captar as novas formas de expressão, nem digo as redes sociais, ou seja, a internet 2.0, mas sequer a primeira internet ! Quando conselhos e conselhinhos não conseguem captar a legitimidade da liderança e da inovação, eles são colocados em xeque, e inclusive arriscam de perder espaço frente a lobby que ficam incomodados por eles, como aconteceu recentemente com o próprio CONAMA. Mas isso faz parte do jogo: legitimidade não se outorga, se conquista, mas também não se mantém indefinidamente uma vez conquistada. É algo que você demora a conquistar e perde em um bater de olho.

 O Brasil sediará proximamente dois eventos globais de grande importância, quais sejam a CMDSS e a Rio+20. Como o Sr. analisa a relação entre eles e que benefícios pode trazer a realização de ambos em nosso país ?  

Para mim a relação entre eles é mais do que estrita, eu diria que são duas abordagens da mesma pauta. A Rio+20 é o desdobramento da Eco-92, que nasceu em cima do conceito de equidade intergerações: a sustentabilidade é nada mais do que isso, evitar prejudicar nossos filhos e netos. É uma forma de humanismo que nasce na medida em que a civilização humana está em risco. Não o planeta, pois o planeta pode se adaptar a qualquer crise ambiental, já esta civilização humana, não. O planeta pode seguir muito bem, obrigado, com mais calor, com oceanos altos, com musgos e liquênios tomando conta. O que não é compatível com isso é nossa alimentação, nossas férias, nossa aldeia global, nossos poderes nacionais, nosso conforto, nossa saúde e esperança de vida, ou pelo menos os da parte da humanidade que tem acesso a isso tudo. E a pauta da CMDSS é aquela que questiona as condições de sustentabilidade para que a equidade intrageração evite que se dispense para parte da humanidade o mesmo tratamento que estamos reservando para as novas gerações. No jargão das mudanças climáticas há uma palavra chave: vulnerabilidade. Não é por acaso que é a mesma palavra chave que pauta a discussão de DSS.  Agora, é peculiar, e uma grande oportunidade, que os dois eventos sejam no Brasil e em seqüência. Os países anfitriões guardam, no âmbito ONU, grande peso na condução da agenda e das negociações. Eu diria que, se o Brasil conseguir firmar um papel de lideranças nesses dois eventos, suas aspirações em relação ao Conselho de Segurança e, em geral, um papel de maior destaque na agenda global seriam de fato garantidas, ou quase.

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