Habitação, nível de escolaridade, acesso ao fornecimento de água e ao serviço de saneamento básico e renda mensal per capita. Ainda que longe das competências do setor saúde, estes e outros aspectos do contexto no qual o indivíduo está inserido, influenciam diretamente na sua qualidade de vida e, portanto, na sua saúde e qualidade de vida. Desafio para os governos em todas suas esferas, acionar e articular diferentes setores é passo fundamental para a construção de uma saúde pública e de um contexto social e econômico mais equânime no país. A intersetorialidade se coloca como provocação e, a cada dia, exige mais de acadêmicos, do governo e da sociedade civil.
“Os próprios determinantes sociais da saúde estão fora da área da saúde e isso acontece de forma muito complexa. Educação, mobilidade, violência, acesso aos alimentos, lazer, as relações interpessoais, o racismo e o machismo têm influência sobre a saúde. Em função disso, o impacto de leis e de políticas de fora da área da saúde não imensas e, por isso, não é possível pensar na saúde sem pensar no compromisso que ela exige da sociedade”, define a coordenadora de Políticas e Ações Intersetoriais da Superintendência de Promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Viviane Castello Branco.
Médico e doutor em Saúde Coletiva, Odorico Monteiro de Andrade acredita que a intersetorialidade se coloca como categoria central no direcionamento de intervenções que fortalecem a gestão pública. “Ela representa a articulação de saberes e de experiências para o planejamento, avaliação de políticas, programas e projetos, cujo fim é alcançar resultados cooperativos em situações complexas. A intersetorialidade tenta atender à questão de que os problemas reais cruzam os setores e têm atores que se beneficiam ou são prejudicados por eles. Os problemas de saúde são parte dessa complexa questão, de causalidade múltipla, que afeta as populações, necessitando da articulação de saberes e experiências para seus enfrentamentos”, explica.
Viviane também defende a intersetorialidade como princípio que deve ser um eixo transversal na elaboração e implantação de políticas públicas. Para ela, todas as políticas deveriam ter a preocupação de estimar o impacto na saúde e se vão promover justiça e igualdade. “Se formos implantar uma ciclofaixa, dizemos que é bom porque vai permitir o uso de bicicletas, mas não avaliamos se vai haver uma repercussão tão positiva na saúde. Essa faixa exclusiva foi inserida numa área de alta velocidade, onde as pessoas não têm cuidado com os ciclistas, teremos um impacto negativo. A saúde tem um pouco o papel antipático de lembrar coisas desse tipo, mas acidentes e riscos existem e é por isso que cada um tem uma contribuição, um olhar”, explica. Segundo a gestora, a garantia do sucesso na interação entre os setores está relacionada à necessidade de facilitar a cooperação entre eles.
Para Monteiro, o maior desafio em pensar a intersetorialidade na saúde pública está em superar a contradição entre a necessidade de integração de práticas e saberes em um aparato de Estado setorializado. “Considerar as dimensões de vida dos sujeitos traz à tona uma perspectiva de trabalho que visa à articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde da população”, defende.
Já para Viviane Castello Branco, quando se fala de setores está se falando de seres humanos e aí está o grande desafio nesse processo. “Para valorizar a intersetorialidade você tem primeiro que reconhecer suas próprias limitações. Seu setor não dá conta de tudo e se abrir para outras possibilidades exige a disponibilidade de confrontar suas limitações e, algumas vezes, impotências. Outra questão é o orçamento. Na saúde temos, por exemplo, discussões sobre violência doméstica e é possível usar recursos numa coisa que tem uma interface grande para o serviço social. Tudo isso acaba estimulando a competitividade entre a própria gestão”, opina.
Monteiro acredita que algumas experiências podem ser destacas ao se falar de intersetorialidade. “A Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, que aconteceu em 2011 no Rio de Janeiro e gerou a Declaração Política do Rio de Janeiro sobre Determinantes Sociais, é um acontecimento importante a ser destacado. A partir daí, fortaleceram-se ações e discussões sobre as Políticas de Promoção da Equidade, democracia participativa e a necessidade de um diálogo intersetorial, reconhecendo as questões ambientais, socioeconômicas e culturais como fundamentais para a promoção da saúde”. Ele ressalta que é preciso transpor obstáculos e o governo vem agindo nesse sentido, retirando 40 milhões de pessoas da miséria, a partir de políticas como a valorização real do salário mínimo, o Programa Bolsa Família e, mais recentemente, o Programa Mais Médicos, que fortalece a promoção da saúde por ter foco na Atenção Básica.
Também à frente do Elos da Saúde, Viviane Castello Branco articula – através do portal cujo conteúdo é colaborativo – setores e iniciativas para a promoção da saúde na cidade do Rio de Janeiro, sob a proposta de compartilhar ações que favoreçam a saúde ainda que estejam fora do setor. Para ela, o envolvimento de todos se baseia na troca de recursos – não necessariamente financeiros – e exige amadurecimento. “Há uma frase que diz que quando uma vela acende outra, ela não perde o fogo. Eu acho que é mais ou menos por aí”, conclui.
O desafio da intersetorialidade reporta ao desenvolvimento de projetos compartilhados com sentido mais integrador, de enfrentamento aos problemas concretos que a sociedade apresenta, podendo passar pela construção de práticas e saberes intersetoriais que visem alcançar a complexidade constitutiva da intersetorialidade. “Essa complexidade poderia ser delineada como uma construção de gestão por projetos estratégicos intersetoriais. Um modelo em que a compreensão do problema apresentado no território e a intervenção na realidade exigem evolução em um processo onde os acúmulos são tomados e transformados para potencializar, no território, o planejamento e a integração de políticas que levem à superação da realidade atual”, defende Monteiro.
Referência Bibliográfica
Elos da Saúde. Pela Promoção da Saúde no Rio de Janeiro. Coordenação de Políticas e Ações Intersetoriais da Superintendência de Promoção da Saúde da Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro; 2014. [acesso em 25 ago 2014]. Disponível em: elosdasaude.wordpress.com
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