Por que a solidão é um problema de saúde pública?

São crescentes as evidências em torno do complexo desafio de acabar com a solidão. Na Inglaterra, o assunto é tratado com seriedade, pois além das medidas propostas pelo governo, há também uma campanha pelo fim da solidão onde o público-alvo são os idosos. Ressalta-se que mais da metade dos idosos com 75 ou mais idade vivem sozinhos. Dados apontam que de 6% a 13% dos ingleses com idade superior a 65 anos dizem se sentir sempre muito solitários. Em relação às redes sociais, apenas 7% dos idosos dizem ter contato com a família, amigos e vizinhos menos de uma vez por semana, e 11% entram em contato com eles menos de uma vez por mês.

Esse panorama apresentado pela organização Age UK ilustra a situação dos idosos na Inglaterra. Há muitos deles em toda parte, em cada esquina é possível encontrá-los sozinhos ou em grupos frequentando lojas de artesanato ou em casas de chá. Porém, 40% das pessoas mais velhas (cerca de 3,9 milhões) dizem que a televisão é a sua principal companhia (Age UK, 2014). Nesse contexto de envelhecimento populacional, qual seria o impacto da solidão na saúde dessas pessoas? Ou ainda, em que ponto a solidão passa a ser um problema de saúde pública?

A solidão é um problema maior do que simplesmente uma experiência emocional. Dados indicam que 59% dos adultos ingleses com mais de 52 anos de idade que relatam ter más condições de saúde, dizem que se sentem solitários por ‘algum tempo’ ou ‘muitas vezes’, em comparação com 21% que dizem ter excelente saúde (Beaumont, 2013). A falta de conexões sociais é um fator de risco para a morte precoce comparável ao tabagismo moderado (15 cigarros por dia), e é mais importante do que alguns fatores de risco bem conhecidos, como a obesidade e a inatividade física (Holt-Lunstad, 2010).

Apesar dos seres humanos serem naturalmente sociáveis, nos países desenvolvidos a solidão está se tornando cada vez mais comum, e isso ocorre com pessoas de todas as idades. O modo de vida moderno nos países industrializados está reduzindo a quantidade e a qualidade das relações sociais. Muitas pessoas desses países estão vivendo sozinhas, ou porque não possuem famílias grandes ou porque não vivem próximos uns dos outros. Além disso, muitos tardam para ter filhos ou optam por não tê-los.

Na revisão sistemática realizada por Holt-Lunstad e seus colegas, dois modelos teóricos são propostos para explicar como a diminuição das relações sociais pode influenciar a saúde. O primeiro sugere que essa influência ocorre devido ao efeito tampão de estresse, ou seja, as relações sociais podem fornecer diferentes recursos, tais como apoio informativo, emocional e material, que promovem comportamentos saudáveis e respostas neuroendócrinas adaptativas aos estressores agudos ou crônicos (por exemplo, doenças, eventos de vida, transições de vida). Em linhas gerais, podemos dizer que o apoio social, disponibilidade real ou percebida de recursos sociais, se origina das relações sociais, que reduziriam o impacto deletério dos fatores de estresse sobre a saúde.

Outro mecanismo citado pelos autores seria a dos modelos de efeitos, onde as relações sociais podem estar associadas a efeitos protetores da saúde através de meios mais diretos, como influências cognitivas, emocionais, comportamentais e biológicas, que não são explicitamente designados como ajuda ou apoio. Assim, as relações sociais podem incentivar, modelando direta ou indiretamente, os comportamentos saudáveis??. Na prática, o fato de fazer parte de uma rede social traduz-se em estar em conformidade com as normas sociais de saúde e autocuidado, proporcionando aos indivíduos papéis significativos, que fornecem autoestima e propósito para a vida.

No Reino Unido, de acordo com uma pesquisa recente da Fundação de Saúde Mental, 10% das pessoas se sentem solitários com frequência, um terço tem um amigo ou parente que eles acham que é muito solitário, e metade acha que as pessoas estão ficando mais solitárias em geral. Além disso, as mulheres se sentem mais solitárias que os homens.

Os dados de 308.849 indivíduos (com idade média de 63.9 anos) apresentados por Julianne Holt-Lunstad mostraram que os indivíduos com relações sociais adequadas têm uma probabilidade 50% maior de sobrevivência em comparação com aqueles com relações sociais pobres ou insuficientes. O efeito global da  existência de rede social é muito forte mesmo quando comparado com uma série de outros fatores, como a idade, sexo, estado de saúde, e a causa da morte.

No Brasil, apesar do idoso tender a um maior isolamento familiar e social, poucos estudos investigaram se os relacionamentos sociais estão associados às medidas subjetivas da saúde no idoso. Caetano e colaboradores analisaram 3.649 idosos com idade entre 60 a 69 anos e verificaram que o baixo apoio social percebido e ter uma rede social pequena foram associados com pior auto-avaliação de saúde em idosos. Essa associação variou entre homens e mulheres, a pior auto-avaliação da saúde foi associada com a falta de apoio social entre as mulheres e com a ausência de redes sociais entre os homens.

Julianne Holt-Lunstad e colaboradores ressaltaram em sua meta-análise que os esforços para reduzir os fatores de risco de mortalidade não devem ser isolados para subgrupos, tais como os idosos. Ter rede e apoio social é importante também para outros grupos populacionais. Em gestantes, por exemplo, o apoio social e redes sociais influenciam a pior auto percepção de saúde durante a gravidez e o período pós-parto (Lamarca et al., 2013). Em outros estudos, o baixo apoio social também foi relatado como um importante fator de risco para o bem-estar materno durante a gestação, e para resultados indesejáveis ??na gravidez, como baixo peso ao nascer, prematuridade e retardo do crescimento intrauterino Além disso, as redes sociais influenciam os comportamentos de saúde e hábitos de vida durante a gravidez, como hábitos alimentares e tabagismo.

Algumas revisões Cochrane revelaram o efeito positivo de intervenções voltadas para o aumento do apoio social na redução da depressão pós-parto (Dennis & Dowswell, 2013) e do tabagismo (Stead & Lancaster, 2012). Outras revisões sistemáticas reafirmam os benefícios para a saúde proporcionados por intervenções com o objetivo de aumentar o apoio social, tais como no controle da diabetes (Shaya et al., 2013), na redução da violência entre parceiros (Taft et al., 2009), no aumento da amamentação (Dennis et al., 2002), na redução em baixo peso ao nascer (Norbeck et al., 1996), e no controle da obesidade infantil (Domer et al., 2011).

Saber que as relações sociais interferem na duração de uma hospitalização e/ou no desenvolvimento e progressão de várias doenças é particularmente relevante para a saúde pública e para a prática clínica. Ter como foco intervenções e políticas para o aumento das redes e do apoio social é atuar nas ‘causas das causas’ das doenças, nos determinantes sociais intermediários da saúde. É fazer uso de fortes evidências científicas na redução das iniquidades sociais em saúde.

 

Referências Bibliográficas

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