Em dezembro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um novo plano para a erradicação do câncer de colo de útero focado na vacinação contra o papilomavírus humano (HPV), vírus que, dependendo do tipo, pode causar verrugas ou câncer (oncogênico). As novas orientações apontam para a diminuição de doses da vacina para crianças e adolescentes, de forma a aumentar o alcance entre a população alvo do esquema vacinal. No Brasil e em outros países, a aplicação da vacina contra HPV é feita em duas doses para crianças e adolescentes entre nove e 14 anos.
O artigo HPV vaccination programs in LMIC: is it time to optimize schedules and recommendations?, publicado no Jornal de Pediatria e produzido pelas pesquisadoras Luisa Villa e Rosana Ritchtmann, respectivamente, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, revisa estudos sobre a eficiência da dose única nas diferentes faixas etárias e a aplicabilidade dessa nova recomendação da OMS. O trabalho observou resultados positivos na literatura sobre os efeitos da dose única nos programas de vacinação.
O HPV é um vírus que causa infecções sexualmente transmissíveis, provoca verrugas em tecidos orais e genitais e, dependendo do tipo do vírus, pode causar câncer, como os de colo do útero, vulva, vagina, pênis, canal anal, entre outros. A vacina contra o HPV é aplicada no sistema público de saúde com foco principalmente em indivíduos que ainda não iniciaram a vida sexual; no Brasil, a imunização começou em 2014 —na época, apenas para meninas — em duas doses da vacina quadrivalente, que protege contra os tipos 6, 11 (que causam verrugas), 16 e 18 (oncogênicos). Hoje, a vacinação também se estende para meninos de nove a 14 anos.
“Quando a vacina foi aprovada [em 2006], os ensaios clínicos buscavam aplicar três doses: a primeira dose avisa ao corpo que você está recebendo algum antígeno diferente e começa a disparar uma resposta única, a segunda é outro estímulo para que a resposta aconteça, e a terceira é um reforço. As três doses foram o que comprovou que as vacinas funcionam perfeitamente bem para impedir as infecções e as doenças, não só no colo do útero, mas também no ânus – e agora tem indícios para a cavidade oral, tanto em mulheres, quanto em homens”, explica Luisa Lina Villa, professora da FMUSP. No entanto, ao observarem que a resposta imune era mais eficiente em populações mais jovens, o número de doses diminuiu para duas em crianças e adolescentes, e continuou em três para adultos e pessoas imunossuprimidas.
Os novos estudos demonstram que uma dose única seria suficiente para crianças e adolescentes, uma vez que a resposta imune desse grupo é tão potente que a aplicação de apenas uma dose já ajudaria a ampliar a cobertura vacinal. As recomendações da OMS e o artigo das pesquisadoras baseiam-se nos resultados de um estudo realizado no Quênia, pela Universidade de Washington, com mulheres de 15 a 20 anos, que receberam apenas a dose única da vacina, e esta se mostrou 98% eficaz na prevenção de infecções por HPV. Outros estudos na Índia e na Costa Rica mostraram que uma dose tem efeito de proteção semelhante a duas ou três doses.
O objetivo principal dessa mudança do esquema vacinal é alcançar o maior número possível de pessoas antes dos 15 anos de idade, fase em que a imunogenicidade (resposta imune eficiente) ainda é muito alta e que, supostamente, não começaram a vida sexual. A dose única implicaria na diminuição dos custos do imunizante, na implementação simplificada e maior alcance e adesão da vacinação, aumentando a cobertura com a mesma porcentagem de proteção contra cânceres atribuídos à infecção por HPV.
Cenário brasileiro
No Brasil, a adesão à vacina de HPV não alcança o nível recomendado pela OMS, de 90% para meninas entre nove e 14 anos. Segundo estudo da Fundação do Câncer, com dados de 2013 a 2020, 76% do público-alvo tomou a primeira dose e apenas 56% tomou as duas doses previstas no esquema vacinal brasileiro. Em relação aos meninos, os números são ainda menores, com apenas 52% vacinados com a primeira dose em 2022.
Luisa Villa aponta que no Brasil o maior desafio não é o número de doses. “A nossa limitação é que as pessoas têm medo de tomar a vacina ou as mães não levam suas crianças. Precisamos de um grande trabalho para conscientizar, discutir e comentar que a vacina é segura e eficiente, e que deve ser tomada para que possamos vislumbrar a redução dos tumores, não só os malignos, como câncer, mas também os benignos.”
Ela ainda alerta que os homens também devem ser vacinados, uma vez que os riscos de câncer não se restringem ao câncer de colo de útero para mulheres, mas para outros tipos como genitais, canal anal, boca e infecções de tipos não-oncogênicos. A cobertura vacinal desse gênero ajuda a combater a infecção e diminuir a incidência de câncer.
Por Julia Custódio – Jornal da USP . 15/06/2023.
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