Indicador do Observatório sobre este tema:
ind020211
Atualmente existem 124 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza na América Latina e Caribe, e 37 milhões delas só no território brasileiro. No entanto, além da pobreza, o principal problema é a desigualdade. Apesar de já ter sido campeão do ranking da desigualdade social em 1990, o relatório “Estado das cidades da América Latina e do Caribe 2012” da ONU-Habitat revela que o Brasil registrou um avanço considerável nos últimos anos, passando a ser o quarto país mais desigual da América Latina, atrás apenas de Guatemala, Honduras e Colômbia.
Esse posicionamento no ranking está longe do ideal, e representa não só uma distribuição desigual de renda, mas também de habitação, acesso a bens e serviços (educação, saúde, etc.), oportunidades de emprego, patrimônio e espaço público, entre outros fatores que determinam o bem-estar o indivíduo. No que diz respeito à pobreza na América Latina, pode-se dizer que diminuiu em termos relativos, pois houve uma ligeira redução na concentração, mas os dados apresentados pelo relatório da ONU apontam que os 20% mais ricos ainda têm renda quase 20 vezes maior à dos 20% mais pobres.
O aumento da renda no trabalho, a redução das diferenças salariais e a expansão dos programas de transferência de renda, como o ‘Bolsa-família’ no Brasil, foram os principais responsáveis, segundo o relatório, pelas melhorias registradas nas duas últimas décadas. Entretanto, apesar dos avanços, a violência é a principal preocupação dos cidadãos, a frente da mobilidade social e emprego. E, embora os elevados níveis de violência não estejam presentes em todas as cidades, e nem ocorram de forma homogênea dentro da mesma cidade, a população de menor renda é a mais exposta à violência e é a que mais sofre as consequências.
Existem evidências que mostram que países mais desiguais são os que apresentam menores níveis de coesão e confiança social, sendo a violência sua expressão mais clara. No Brasil, o indicador 020211 do nosso Observatório mostra uma tendência de queda na taxa de mortalidade por homicídios na região Sudeste, apesar da controversa queda no Rio de Janeiro, e uma tendência clara de aumento de homicídios nas regiões Norte e Nordeste, principalmente entre aqueles com 4 a 7 anos de escolaridade. Alguns teóricos nessa área argumentam que a alta desigualdade de renda produz baixa coesão social e baixa confiança, que por sua vez afeta negativamente os indicadores de saúde. Os países com menor coesão social e menor capital social são os que menos investem em capital humano e é onde se observa menor participação social, com óbvias consequências em termos de políticas sociais, inclusive para aquelas direcionadas à saúde.
O relatório sugere que cada país deve lidar com esses desafios de maneira diferente, ou seja, com estratégias adequadas à sua realidade. A violência nas cidades, por exemplo, é um problema que precisa de ações coordenadas e intersetoriais, com o envolvimento de autoridades locais e que tenham continuidade. Intervenções isoladas e pontuais, realizadas por policiais ou mesmo envolvendo as forças armadas não são suficientes para resolver o problema. São necessárias também ações de em nível local com o envolvimento das comunidades, onde se favoreça a convivência pacífica e a coesão social.
A coesão social é a principal ferramenta de proteção social contra os grupos criminosos organizados, e, segundo a ONU-Habitat, para manter a coesão são essenciais ações intencionais por parte do Estado no sentido de orientar e proteger as comunidades, incentivando a criação de oportunidades e capacidades, não apenas a recuperação e controle das áreas afetadas, mas também a superação das barreiras de exclusão social. O processo de desenvolvimento implica em adaptação ao crescimento com desenvolvimento de habitação regional, além de fornecimento de energia, sistema transporte público, telecomunicações e infraestrutura de saúde, indicadores que reduzem a violência e melhoram a estrutura física e de investimento dos municípios.
A questão referente à acelerada urbanização também é discutida no relatório da ONU-Habitat, incluindo pontos cruciais como a enorme pressão em termos de infraestrutura e serviços urbanos ligados aos determinantes sociais da saúde, como saneamento, habitação, serviços de saúde, etc. Para Joan Clos, diretor executivo da ONU-Habitat, o planejamento urbano é a garantia do primeiro passo para a sustentabilidade econômica, social e ambiental dos espaços em que a maioria da população viverá nas próximas décadas: as cidades.
O Brasil será 90% urbano até 2020, segundo o relatório. Uma situação preocupante porque as cidades (grandes centros) crescem cada vez menos fisicamente, mas a taxa de crescimento populacional aumenta desproporcionalmente, um padrão já insustentável em diversos lugares. Isso resulta em cidades profundamente divididas socialmente, onde a desigualdade é persistente. O melhor exemplo disso é que grande proporção de pessoas vivem em favelas (111 milhões) e isso é a maior expressão de desigualdade e pobreza. Esse quadro vem acompanhado da baixa mobilidade social, que tende a ser passada de uma geração para outra criando armadilhas de pobreza que aliam a desigualdade de renda a fatores como o menor acesso à educação e a debilidade dos sistemas de proteção social.
As desigualdades sociais atualmente encontradas na América Latina e Caribe refletem, na verdade, sua história passada, onde existem muitas falhas no principal determinante para redução de desigualdades: a educação. A educação tem sido um canal para mobilidade social e empoderamento, que permitem que as pessoas melhorem a sua posição socioeconômica na sociedade. Além disso, reduz as divisões sociais e melhora a coesão social pela redução das desigualdades de renda e de outros indicadores sociais, além de promover uma maior concordância entre grupos (Dahlgren & Whitehead, 2007). Um bom sistema de educação tem um grande potencial para promoção da saúde através da redução as iniquidades sociais em saúde. Por isso, são necessárias medidas que superem gradualmente a fragmentação social, aliando políticas fortes de educação a estratégias que combinem crescimento econômico e qualidade de vida, bem como medidas integração territorial e social. Conforme disse o diretor executivo da ONU-Habitat: “é hora de tomarmos partido e decidirmos o que nós queremos para o futuro urbano”.
Referências Bibliográficas
Barros AC. Falsa queda de homicídios no Rio é escândalo, diz membro do Ipea [Internet]. Terra Magazine; 2011 Out 25 [acesso em 14 set 2012]. Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5434370-EI6578,00.html
Dahlgren G, Whitehead M. European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2. Copenhagen: World Health Organization Regional Office for Europe; 2007. (Studies on social and economic determinants of population health, No. 3). [acesso em 17 set 2012]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0018/103824/E89384.pdf
ONU-Habitat. Estado de Las Ciudades de América Latina y el Caribe 2012: Rumbo a una nueva transición urbana. Nairobi: ONU-Habitat; 2012 [acesso em 17 set 2012]. Disponível em: http://www.onu.org.br/onu-lanca-relatorio-inedito-sobre-cidades-latino-americanas/
Entrevista com:
Seja o primeiro a comentar