Estudo revela tendência a melhor equidade horizontal na utilização de serviços de saúde no Brasil no período de 1998 a 2008

Indicadores do Observatório sobre este tema: ind030101, ind030301, ind030302, ind030401, ind030402

Os autores James Macinko do Departamento de Estudos em Nutrição e Alimentação e Saúde Pública da Universidade de Nova York e Maria Fernanda Lima-Costa do Centro de Pesquisas René Rachou da FIOCRUZ e da Faculdade de Medicina da UFMG publicaram recentemente (julho de 2012) no International Journal for Equity in Health um interessante artigo denominado Equidade Horizontal na utilização da atenção à saúde no Brasil, 1998–2008.

Para este estudo utilizaram os dados dos suplementos Saúde da PNAD realizados pelo IBGE em colaboração com o Ministério da Saúde em 1998, 2003 e 2008. A PNAD utiliza uma amostra probabilística, representativa nos níveis nacional, regional e estadual. Um total de 1,12 milhões de indivíduos foi incluído nos três inquéritos, sendo os dados obtidos através de entrevistas. A equidade horizontal no acesso aos serviços de saúde baseia-se no princípio de que as pessoas com as mesmas necessidades de saúde devem ter acesso semelhante aos serviços de saúde. O índice de iniquidade horizontal (IH) é usado para operacionalizar este conceito, sendo definido como a diferença entre a utilização de serviços observada e o que seria esperado dadas as necessidades individuais de saúde.

Seguindo a metodologia estabelecida para o cálculo do IH, os autores avaliaram as necessidades de saúde através de uma série de variáveis relacionadas à idade, sexo, auto-avaliação da saúde, condições crônicas e limitações físicas. Os fatores de utilização de serviços não relacionados com as necessidades de saúde incluíram alfabetização, escolaridade, renda familiar mensal, local de domicílo (urbano/ rural e região geográfica), posse de plano de saúde privado e cobertura da Estratégia de Saúde da Família. As medidas de acesso e utilização de serviços de saúde, comparáveis ao longo dos três inquéritos, incluem: qualquer visita ao médico nos últimos 12 meses, qualquer visita de atenção odontológica nos últimos 12 meses, qualquer internação hospitalar nos últimos 12 meses, e qualquer serviço de saúde procurado nas duas semanas anteriores.

Os principais achados deste estudo mostram que em 1998 a distribuição da utlização hospitalar segundo rendimento era francamente favorável aos indivíduos de menor renda, diminuindo em 2008, mas ainda favorecendo as classes de renda mais baixa. As consultas médicas, por outro lado, mostravam um pequeno favorecimento dos mais ricos em 1998, tendendo à igualdade em 2008. As visitas ao dentista mostram um grande predomínio dos de maior renda em 1998, com menor diferença nos anos subsequentes, mas ainda mostrando um forte predomínio dos mais ricos em 2008.

Com relação às tendências nos índices de iniquidade horizontal em saúde (IH), as visitas ao dentista mostram a maior queda absoluta deste indíce, embora sejam ainda o serviço mais inequitativo, em benefício dos de maior renda, em 2008. O IH para o uso de qualquer serviço nas últimas duas semanas mostra diminuição da iniquidade horizontal em 2003, mas nenhuma mudança significativa em 2008. As consultas médicas mostram uma importante diminuição da iniquidade horizontal em 2003 e um pequeno decréscimo em 2008, mostrando neste ano uma orientação ligeiramente em benefício dos mais ricos. O IH para internação hospitalar mostra um excedente pró-pobres, tanto em 1998 e 2003, sendo um pouco menor em 2008. Os fatores não relacionados ás necessidades de saúde são os que mais contribuem para a orientação em favor dos de maior renda em todas as variáveis, exceto internações. O maior contribuinte individual para a orientação em favor dos mais ricos do IH é a presença de um plano de saúde privado (seguro de saúde), seguido pela localização geográfica e renda familiar.

Os autores concluem que as iniquidades na utilização de cuidados de saúde estão em geral diminuindo no Brasil. Em 1998, elas já mostravam uma orientação em favor dos mais pobres no que se refere a internações, o que representa a forma mais dispendiosa e a necessidade de cuidado da saúde mais urgente. Para os cuidados médicos e odontológicos, a utilização de serviços de saúde ainda é favorável aos mais ricos, embora a diferença se tenha tornado cada vez menor ao longo do tempo.

A tendência no sentido de uma menor iniquidade horizontal pode estar refletindo o efeito de políticas governamentais para melhoria do acesso aos cuidados de saúde em todo o país. Isso inclui a expansão da Estratégia de Saúde da Família, que atualmente cobre mais de 50% da população brasileira com cuidados primários de forma gratuita. A ESF, originalmente desenvolvida em meados da década de 1990, oferece serviços abrangentes de cuidados primários através de uma equipe de profissionais que incluem um médico, um enfermeiro e agentes comunitários de saúde. A expansão da ESF se concentrou inicialmente nos municípios menores e menos urbanizados, assim como nas áreas mais pobres dos municípios maiores, com alguns municípios explicitamente privilegiando populações mais vulneráveis. A ESF também adicionou mais de 20.000 equipes de saúde bucal, que oferecem atendimento odontológico gratuito em 85% dos municípios brasileiros. A expansão acelerada da ESF durante os anos 2000 com prioridade para populações mais vulneráveis pode explicar a tendência a um maior acesso dos mais pobres aos cuidados de saúde e serviços odontológicos no país. Por outro lado, as mudanças nas internações provávelmente refletem mudanças na oferta dentro do sistema de saúde e no perfil das condições para as quais as pessoas são hospitalizadas. A falta de alterações observada na utilização do serviço nas últimas duas semanas pode ser devido ao fato da pergunta se referir à utilização de qualquer serviço de saúde. Estudos anteriores mostraram que os pobres tem mais facilidade de visitas a clínicos gerais do que a especialistas. Desde o início de 2000 tem havido aumento na oferta tanto de cuidados primários como de algumas especialidades e serviços de diagnóstico, e a maior utilização desses serviçoes pelos pobres pode ter sido compensada pela utilização também maior desses diferentes tipos de serviços pelos ricos.

Os resultados mostram que os principais responsáveis pelas iniquidades de utilização de serviços em favor dos mais ricos são fatores não relacionados a necessidades de saúde, sendo os mais importantes, a renda, localização geográfica, e a posse de um plano de saúde privado. As técnicas de padronização de necessidades usadas neste estudo mostram que a utilização de serviços principalmente entre os ricos parece estar acima e além do que seria esperado, dada as suas necessidades de saúde. Os autores chamam a atenção para o fato de que a superutilização dos serviços de saúde pode ser indesejável por causa do aumento dos custos e os potenciais efeitos iatrogênicos de procedimentos desnecessários. Taxas mais elevadas de utilização do que as esperadas entre os pobres também é problemática, como no caso das taxas de hospitalização que são maiores entre eles e podem representar a falta de acesso a alguns serviços preventivos ou o uso de hospitais como um substituto para a atenção básica.

Os autores finalizam suas conclusões destacando que uma maior equidade no acesso e utilização dos serviços de saúde, não se traduz imediatamente em uma maior equidade nas condições de saúde. Embora alguns aspectos da equidade em saúde, especialmente em crianças, têm mostrado avanços, tais melhorias são geralmente mais relacionadas a mudanças nas condições sócio-econômicas do que ao acesso a serviços de saúde adequados. Os resultados sugerem que as iniquidades na utilização de cuidados de saúde no Brasil não são tão pronunciadas como seria de se esperar, dadas as persistentes desigualdades sociais no país. A tendência para uma maior equidade horizontal é um potencial indicador de sucesso dos esforços governamentais para melhorar o acesso aos cuidados, especialmente entre os pobres. A fim de continuar nesta trajetória, o sistema de saúde brasileiro precisa continuar a tratar de situações onde pode haver sub-utilização (como no caso consultas odontológicas), assim como sobre-utilização desnecessária de serviços. Uma estratégia que vem sendo perseguida é o fortalecimento dos cuidados primários de saúde. Com base nos resultados que apresentam neste estudo, os autores concluem que esta estratégia, entre outras, já pode ter contribuído para tornar a utilização de cuidados de saúde mais equitativa no Brasil.

 

Referências Bibliográficas

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