As medicinas alternativas e complementares e a ampliação do cuidado em saúde

Os determinantes sociais da saúde (DSS) enfatizam os fatores sociais para a compreensão da saúde e a importância das práticas e ações para a sua promoção. Dentro dessa abordagem, intervenções em saúde pública adquirem maior complexidade, estreitamente dependentes dos contextos de vida e das relações que se estabelecem entre profissionais e usuários, incluindo os demais atores envolvidos1,2,3. Assim, novas estratégias em saúde pública e em promoção da saúde vêm sendo pautadas pela defesa de uma redefinição dos modelos de atenção à saúde e da inclusão de ações e práticas que gerem uma maior sinergia entre os profissionais e a população3.

Apesar de, nos seus objetivos, a Estratégia de Saúde da Família (ESF) possuir grande potencial para reorientação do modelo, alinhando-se à promoção da saúde e às Medicinas Alternativas e Complementares, no cotidiano, a maioria dos profissionais tem poucas ferramentas para lidar com o sofrimento e com a complexidade dos processos de adoecimento na atenção primária. É exatamente na ponta do sistema, que permite maior aproximação com a comunidade, que o profissional de saúde se depara com uma realidade pouco discutida durante sua formação. Ele encontra “processos patológicos” para os quais ainda não foram produzidos medicamentos4, tendo em vista as limitações da biomedicina frente à complexidade do adoecimento humano e às mudanças culturais.

Atualmente, as ações na ESF são realizadas prioritariamente por meio da investigação (exames, encaminhamento aos especialistas), prescrição de medicamentos e realização de palestras (normatização do estilo de vida). O foco está na doença e não no doente. Mas, no cotidiano, gestores, profissionais e usuários precisam lançar mão de concepções objetivas e subjetivas para a construção do cuidado em saúde, pois “os tratamentos das doenças são construções individuais e sociais que fazem parte da vida cotidiana em qualquer sociedade […] a visão de mundo que norteia o indivíduo em determinada sociedade – as crenças e costumes que fazem parte de sua cultura – estabelece um ‘fazer sentido’ que interfere no processo saúde/doença/tratamento5.

Vem daí a necessidade de discutir o contexto sociocultural, no qual se inserem os conhecimentos e as práticas de saúde. O que nos leva a pensar  como o sistema de saúde responde às necessidades de saúde da população e como, nesse processo, conhecimentos milenares e práticas tradicionais são negadas e desqualificadas como caminho possível para uma ampliação do cuidado. Quando Levi Strauss6 discute a eficácia simbólica, o sentido da doença que o xamã consegue estruturar junto à comunidade indígena, está  em um contexto social em que o doente e o xamã conseguem elaborar um plano de cuidado que responde ou faz sentido a partir  da lógica e do conhecimento compartilhado daquela comunidade. Assim, grande parte da eficácia de um tratamento envolve o compartilhamento de significados e visão de mundo.

A discussão dos contextos sociais em que sentidos e significados são construídos é um tema caro às ciências sociais, mas é um tema que precisa ser mais explorado no campo da saúde, especificamente na organização dos serviços e no cuidado em saúde. Neste sentido, as Medicinas Alternativas e Complementares se constituem um campo fértil para discutir os sentidos e significados do adoecimento e apresenta-se como um campo potencial para ampliar o cuidado. A potencialidade destas medicinas se dá pelo fato de contribuírem com a multiplicidade na maneira de realizar o cuidado, de interpretar o processo de adoecimento. Sua evidência de efetividade se dá por pressupor novos modos de entender e agir sobre o processo saúde-doença, processo de trabalho e saberes instituídos.

Para saber mais sobre o assunto, em breve você poderá acessar a tese de doutorado “Medicinas tradicionais alternativas e complementares e sua estruturação na atenção primária: uma reflexão sobre o cuidado e sua avaliação”, no Banco de Teses da Fiocruz

Referências Bibliográficas

1. Potvin L. Why we should be worried about evidence-based practice in health promotion. Rev Bras Saúde Matern Infant [periódico na internet]. 2005 [acesso em 31 jul 2013];5(1 Supl):S93-S97. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v5s1/27845.pdf

2. Carvalho AI, Bodstein RC, Hartz Z, Matida AH. Concepts and approaches in the evaluation of health promotion. Ciên Saúde Colet [periódico na internet]. 2004 [acesso em 31 jul 2013];9(3):521-529. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232004000300002&script=sci_arttext. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232004000300002

3. Bodstein RCA. O Debate sobre avaliação das práticas e estratégias em promoção da saúde. B Téc Senac: a R Edu Prof [periódico na internet]. 2009 [acesso em 31 jul 2013];35(2): 07-15. Disponível em: http://www.senac.br/BTS/352/artigo-01.pdf

4. Sousa IMC, Vieira ALS. Serviços públicos de saúde e medicina alternativa. Ciên Saúde Colet [periódico na internet]. 2005 [acesso em 31 jul 2013];10(Supl):255-266. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232005000500026&script=sci_arttext. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000500026

5. Leite SN, Vasconcellos MPC. Negociando fronteiras entre culturas, doenças e tratamentos no cotidiano familiar. Hist ciênc saúde-Manguinhos [periódico na internet]. 2006 [acesso em 31 jul 2013];13(1):113-128. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702006000100007&script=sci_arttext. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000100007

6. Levi-Strauss C. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1967.

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