Como as evidências científicas interferem nas políticas sobre o uso de pesticidas no Brasil?

Leia mais sobre o debate da política sobre uso de pesticidas na entrevista com Luiz Cláudio Meirelles.

Segundo a Pesticide Action Network, o resíduo de pesticida mais encontrado atualmente nos alimentos é o do carbendazim. Esse fungicida é usado para controlar doenças em vegetais, cereais e frutas, principalmente nas plantações de laranja. No Brasil, vem sendo usado há mais de 20 anos com a autorização do Ministério da Agricultura, mas nos Estados Unidos está proibido devido a sua grande toxicidade. Outro pesticida que também tem sido considerado como um dos dez poluentes de maior potencial de biotoxicidade no mundo são as bifenilas policloradas (PCBs). Essas substâncias começaram a ser utilizadas na década de 30, e devido a algumas de suas propriedades, como grande estabilidade química, alta resistência elétrica e por serem não inflamáveis, apresentaram amplo sucesso no setor agrícola. O uso foi tão grande, que os PCBs ocupam, nos dias de hoje, o topo da “lista negra” dos 12 maiores poluentes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), agência responsável por promover a conservação do meio ambiente e o uso e?ciente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável.

Somente depois da produção de milhões de toneladas, constatou-se que os PCBs têm grande propensão à persistência generalizada na natureza. Essa tendência é principalmente facilitada por serem pouco biodegradáveis, quimicamente inertes, hidrofóbicos, lipofílicos e semi-voláteis*. A bioacumulação ocorre no topo da cadeia alimentar, atingindo preferencialmente o homem e outros animais. Em adultos, pode provocar irritações cutâneas e, em crianças, há o perigo da anemia, pigmentação escura da pele e das membranas mucosas, aumento do volume gengival, baixo peso, redução de crescimento, menor QI, entre outros.

Há algum tempo tem sido dado um maior enfoque aos PCBs porque foi possível detectar sua presença no leite materno em lactantes expostas a esses pesticidas. Ou seja, como a recomendação da Organização Mundial da Saúde é alimentar os bebês exclusivamente com o leite materno até os quatro ou seis meses de idade, isso os torna um dos segmentos da população mais vulnerável a esse pesticida. Essa é uma situação preocupante, mas para que mudanças nas políticas de alimentação e nutrição ocorram, são necessárias evidências científicas. Isso torna esse tema relevante, e como diz respeito ao bem-estar da população, queremos aprofundar a discussão do tema em nosso Observatório.

Para exemplificar o emprego de evidências científicas na política, apresentaremos um estudo feito na Unicamp que teve como finalidade avaliar a presença de PCBs no leite materno em 200 mulheres de nove estados do Brasil. Os dados revelaram que o leite das mães moradoras de regiões altamente industrializadas ou próximas à costa brasileira apresentaram maiores contaminações por PCBs, comprovando que esses compostos chegam facilmente ao meio ambiente e contaminam os seres humanos. Além disso, naquelas lactantes de cidades metropolitanas, o acúmulo de PCBs foi maior em seu leite do que em lactantes de outras regiões. Em São Paulo, por exemplo, 58% das amostras estavam contaminadas.

Cláudia Kowalski, autora da pesquisa, aponta que em relação ao leite materno maduro, o mais contaminado é o que passa a ser liberado entre a 2º e a 3º semanas de amamentação e possui maior porcentagem de gordura. Ela relata também que o primeiro filho normalmente recebe uma dose maior de PCBs do que os que o sucedem, o que sugere um efeito cumulativo dessas substâncias no organismo ao longo dos anos.

Esse estudo originou um projeto, com duração inicial de dois anos, conduzido pelo Ministério da Agricultura com o objetivo de desenvolver metodologias analíticas para determinar a presença de PCBs e pesticidas em matrizes como gordura animal, leite, mel e pescados. A autora enfatiza que o Brasil começa, assim, a despertar preocupação pelo estabelecimento de legislações mais rígidas de controle de vários produtos alimentícios, inclusive do alimento mais rico e necessário para nossos recém-nascidos: o leite materno. Esse grande avanço permitirá que tenhamos um maior controle sobre esses produtos, inclusive sobre os que são exportados para a Comunidade Europeia e Estados Unidos, relata Cláudia.

Apesar da comercialização dos pesticidas à base de PCBs no Brasil ter sido proibida pela Portaria 19, de 29 de janeiro de 1981, seu uso é permitido em equipamentos em funcionamento até que sejam desativados ou substituídos. No estado de São Paulo, a lei nº 12.288 de 22 de fevereiro de 2006, determina a eliminação de todos os equipamentos com PCBs até o ano de 2020.

A pesquisadora ressalta que em relação à situação encontrada nas várias regiões do Brasil, mesmo naquelas que apresentaram maiores índices de PCBs no leite materno, os índices encontrados foram baixos, o que não inviabiliza a utilização do leite materno e não impõe sua substituição por qualquer outro tipo de alimento, mas esclarece que há ainda um efeito residual e, por isso, existe a necessidade de se manterem controles rígidos.

Nesse estudo foram utilizadas informações sobre condições socioeconômicas e locais da habitação obtidas a partir de questionários aplicados às mães, mas não foi relatada nenhuma correlação entre essas variáveis e a presença aumentada dos níveis de PCBs no leite materno. Contudo, produzir evidências sobre qual é o grupo populacional mais vulnerável e quais os fatores que favorecem uma maior exposição, é fundamental para sustentar a tomada de decisão e formulações de políticas. Certas populações de lactantes e crianças podem ser mais sensíveis aos efeitos da exposição a substâncias químicas através da amamentação devido a fatores fisiológicos e bioquímicos, predisposição genética, condições médicas crônicas, interações de produtos químicos com medicamentos, o estado nutricional da mãe e estado geral de saúde. Outros fatores como trabalhos agrícolas ou a exposição ocupacional dos pais, além do baixo nível socioeconômico, podem aumentar a exposição de lactantes e crianças. Vale salientar que na pesquisa foi possível identificar que os recém-nascidos mais expostos a esses contaminantes durante a amamentação foram aqueles cujas mães moravam nas grandes cidades brasileiras, principalmente em São Paulo e/ou próximo a rios ou mares poluídos. Se conhecêssemos melhor suas condições de vida, dentro de um panorama um pouco mais abrangente dos determinantes sociais da saúde, poderíamos enriquecer o conhecimento, além de favorecer o enfoque de atuação das políticas.

A Convenção de Estocolmo, que está em vigor desde 2004, prevê a eliminação dos passivos ambientais de poluentes orgânicos persistentes até 2025. A redução e a eliminação desses poluentes de elevada toxicidade deve estar presente na agenda de ações do Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura. Como os danos ambientais são de responsabilidade do Estado e de toda a sociedade, mais do que nunca devemos discutir e nos preocupar com um“meio ambiente equilibrado”, direito fundamental dos seres humanos.

* O termo volatilidade se refere à facilidade da substância de passar do estado líquido ao estado de vapor ou gasoso.

Referências Bibliográficas

Biodegradabilidade. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Biodegradabilidade

Hidrofobia. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hidrofobia

Inerte. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Inerte 

Kowalski  CH. Bifenilas policloradas no leite materno brasileiro: desenvolvimento de metodologia analítica e avaliação da contaminação.Tese [Doutorado em Ciência de Aliementos]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.Faculdade de Engenharia de Alimentos; 2008. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: http://pct.capes.gov.br/teses/2008/33003017027P1/TES.pdf

Lipofilicidade.  In: Wikipédia: a enciclopédia livre. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lipofilicidade

Pesticide Action Network North AmericaMinneapolis; 2015. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: http://www.panna.org/ 

Poluente contamina leite materno. Saúde em Movimento. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: http://www.saudeemmovimento.com.br/reportagem/noticia_frame.asp?cod_noticia=2983

Portaria Interministerial n° 19, de 29 de janeiro de 1981. [acesso em 11 set 2015]. Disponível em: http://faolex.fao.org/docs/pdf/bra15389.pdf

 

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