Pobreza e saúde estão interligadas. Países pobres tendem a ter piores condições de saúde do que países ricos. As chamadas iniquidades em saúde entre grupos e indivíduos, por serem desigualdades de saúde evitáveis, injustas e desnecessárias são um dos traços mais marcantes da situação de saúde do Brasil.
A associação entre pobreza e saúde reflete a causalidade em ambas as direções. Doenças ou altas taxas de fertilidade representam impacto substancial na renda familiar e podem, dessa forma, ser fatores determinantes entre estar acima ou abaixo da linha da pobreza. Simultaneamente, a pobreza e a baixa renda também causam doenças. Os países pobres sofrem com uma multiplicidade de privações que se traduzem em altos níveis de doença. A população pobre é, dessa forma, levada a um ciclo vicioso, onde a pobreza gera doença e a doença mantém a pobreza.
A quebra do círculo intergeracional da pobreza associada à garantia de impactos positivos no capital humano está entre os objetivos dos programas de transferência de renda, que pressupõem também a redução das iniquidades em saúde3. Neste sentido, foi instituído no Brasil pela Lei 10836/04 e regulamentado pelo Decreto 5209/04, o Programa Bolsa Família (PBF).
O PBF integra atualmente o Plano Brasil Sem Miséria e tem como objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome.
Por meio de contrapartidas vinculadas ao recebimento mensal do benefício, as famílias devem manter as crianças e adolescentes frequentando a escola, acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos menores de sete anos e, se retiradas do trabalho infantil, são monitoradas pelo Centro de Referência em Assistência Social (CRAS).
Dada a importância do PBF no combate à pobreza extrema no Brasil, pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa desenvolveram um estudo, cujos resultados preliminares apontam para um papel crucial do Programa na diminuição das iniquidades em saúde.
O estudo foi realizado no município de Paula Cândido, pertencente à microrregião de Viçosa e à mesorregião da Zona da Mata mineira. Com 9271 habitantes, o município conta com 807 famílias beneficiárias e 1176 famílias cadastradas, de acordo com dados de maio de 2011 do PBF. Ressalta-se que em 2007 a equipe de pesquisadores realizou estudo, cujo objetivo era avaliar as condições de vida e saúde dos cadastrados do PBF, produzindo dessa maneira um banco de dados que foi utilizado na presente pesquisa como comparação das condições de vida e saúde atuais com as de quatro anos atrás.
Foram avaliadas 340 crianças de quatro a onze anos, pertencentes tanto a famílias beneficiárias do PBF, quanto a famílias que já realizaram o cadastro no Programa e esperam o recebimento do benefício.
A obrigatoriedade do acompanhamento do estado nutricional e da vacinação para as crianças beneficiárias vai até os sete anos. Acima desta idade, o que foi evidenciado no presente estudo é que cerca de 94% (n=31) das crianças beneficiárias não compareceram às unidades de saúde locais para realização das medidas antropométricas durante a coleta de dados do estudo. Outro importante achado em relação às crianças maiores de sete anos foi o fato de 9,1% ter apresentado peso elevado para idade na avaliação de 2007.
Estes resultados demonstram a importância do acompanhamento do estado nutricional se tornar uma condicionalidade para uma faixa etária mais ampla, visto que as contrapartidas do Programa promovem uma maior consciência familiar a respeito da saúde infantil, que torna possível o controle dos fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis como a obesidade.
Outra condicionalidade na área da saúde que apresentou resultados relevantes foi o acompanhamento das gestantes em consultas de pré-natal, de acordo com o calendário do Ministério da Saúde. No estudo em questão, 100% das mães realizaram o mínimo de seis consultas, preconizado pela Organização Mundial da Saúde. Ademais, 94% das crianças apresentavam o cartão de vacinação atualizado. Esses achados não diferiram entre os grupos de beneficiários e não-beneficiários, o que demonstra que essa atitude dos cadastrados no PBF pode contribuir para a redução da mortalidade materna e infantil no município. Conforme demonstram os resultados recentemente evidenciados pelo Relatório Dinâmico dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que encontraram uma redução de 31,2% na mortalidade infantil nos últimos 10 anos em Paula Cândido e uma cobertura vacinal de 97,8% em 20105.
Destarte, este estudo, por não dispor de dados da população em geral, não permite atribuir os excelentes achados sobre pré-natal e vacinação ao PBF, o que deve ser objeto de estudos posteriores. Todavia, conforme demonstrado, as condicionalidades do Programa na área da saúde merecem destaque, no sentido de manter as crianças com o estado nutricional adequado enquanto estas estão sob acompanhamento.
Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Processo no. EDT-3332/06 e Processo CDS – APQ – 4752 – 4.08/07 e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo nº. 409795/2006-2.
Referências Bibliográficas
Wagstaff A. Poverty and health sector inequalities. Bull World Health Organ. 2002;80(2):97-105.
Buss PM, Pellegrini Filho A. Iniquidades em saúde no Brasil, nossa mais grave doença: comentários sobre o documento de referência e os trabalhos da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cad Saúde Pública. 2006 Set;22(9):2005-8.
Ferreira MIC. Programa Bolsa Família e o sistema de proteção social no país. Bahia Analise & Dados. 2007;17(1):707-719.
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Bolsa Família [homepage na internet]. Brasília (DF); c2011 [atualizado em 12 set 2011; acesso em 13 set 2011]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia
Portal ODM – Acompanhamento Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Relatórios Dinâmicos Indicadores Municipais. Paula Cândido (MG) [internet]. [acesso em 13 set 2011]. Disponível em: http://www.portalodm.com.br/relatorios/PDF/gera_PDF.php?cidade=22280
Entrevista com:
Parabéns, além da perfeita escolha do tema, esse texto responde algumas
dúvidas a respeito do PBF. Diferencia-se daqueles que por equívicos em suas
interpretações, ou por motivações de aspecto perverso ou preconceituoso,
manifestam-se por meio de linguagens desqualificadoras,estigmatizando os
cidadãos beneficiários da política pública em questão.
O estudo em questão é de importância relevância para o meio acadêmico e toda
sociedade,principalmente no atual contexto social e político de nosso país.
É com orgulho que tomo conhecimento do estudo supracitado .