Diferenciais geográficos e sócio-demográficos para a realização da mamografia no Brasil: uma análise comparativa em 2003 e 2008

Mamografia: aumento significativos do número de exames

Indicador do Observatório sobre este tema:
ind030202

No Brasil, desde 2004, o rastreamento por mamografia é recomendado pelo Ministério da Saúde para mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos, e a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda a mamografia anual a partir dos 40 anos. Apesar dessas recomendações e de estatísticas animadoras, ainda existem alguns fatores que interferem no rastreamento mamográfico de mulheres brasileiras. Por isso, e devido à importância do exame para a saúde das mulheres, o Observatório sobre Iniquidades em Saúde incluiu a distribuição de mulheres de 50 a 69 anos, segundo tempo de realização da última mamografia, por ano, segundo região e escolaridade, como indicador de atenção preventiva.

Segundo dados do Observatório (indicador 030202), que tem como fonte a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – Suplemento Saúde, no ano de 2003 a proporção de mulheres de 50 a 69 anos que fizeram mamografia há menos de 1 ano, foi quase 4 vezes maior em mulheres com 15 anos ou mais de escolaridade do que naquelas com 0 a 3 anos de escolaridade. Quanto maior o tempo em anos de estudo, maior a proporção de mulheres que fizeram mamografia recentemente (há menos de 1 ano). Isso sugere que a escolaridade é um determinante social para o exame de mamografia, principalmente nos grupos em desvantagem social. Essas proporções foram ligeiramente menores no ano de 2008 nos grupos com maior escolaridade. Mas, nos grupos de menor escolaridade (0-3; 4-7) as proporções aumentaram, o que pode ser resultado de uma redução das desigualdades sociais, possivelmente devido a políticas públicas de maior acesso ao exame para esses grupos. Mesmo com essa tendência, as mulheres com maior escolaridade apresentaram, no ano de 2008, uma proporção 3 vezes maior de ter feito mamografia há menos de 1 ano do que as com menor escolaridade. Porém, vale ressaltar que entre 2003 e 2008, houve um aumento próximo de 60% na prevalência de mamografia nas mulheres acima dos 25 anos com menos de um ano de estudo (Oliveira et al, 2011), que significa um grande progresso.

No que diz respeito às macrorregiões, tanto em 2003 como em 2008, as regiões Norte (50,2%) e Nordeste (45,1%) foram as que tiveram maiores proporções de mulheres de 50 a 69 anos que nunca fizeram mamografia, principalmente nos grupos de menor escolaridade. A região Sudeste foi a que apresentou maior proporção de mulheres que fizeram mamografia há menos de 1 ano, tanto em 2003 (39,1%) como em 2008 (44,3%). Ao contrário da região Norte, que apresentou uma proporção de apenas 21,9% em 2008, e que quase não mudou em relação a 2003 (21,2%). Sendo assim, a desigualdade entre as regiões aumentou entre esses anos. Apesar das diferenças regionais e do gradiente em relação à escolaridade, de 2003 para 2008 a proporção total de cada uma das macrorregiões melhorou segundo a proporção de mulheres de 50 a 69 anos que fizeram exame, e isso ocorreu em todas as categorias de tempo de realização da última mamografia (indicador 030202). Contudo, não se configura como solução final, mas somente uma evolução positiva do indicador.

Para entender melhor como a escolaridade, a idade, a renda, o local de residência (rural/urbano), e ter ou não plano de saúde se configuram na população brasileira em relação à realização de mamografia, Evangelina Oliveira e colaboradores da Fiocruz analisaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), da qual fizeram parte 49.599 mil mulheres em 2003 e 57.357 mil em 2008. As pesquisadoras afirmam que no Brasil houve um aumento significativo no número de mulheres que fizeram mamografia, de 21,1 milhões em 2003 para 31,4 em 2008, o que corresponde respectivamente a 42,5 e 54,8% das mulheres acima de 25 anos. Afirmaram também que essa ampliação ocorreu em todos os grupos etários, sendo da ordem de 20% até 50 anos, e superior a 30% naquelas com 50 anos ou mais e, para aquelas com mais de 70 anos, quase 50% (Tabela 1).

O rastreamento mamográfico representa uma redução significativa na mortalidade. Em países desenvolvidos, coberturas do rastreamento mamográfico acima de 70% conferem redução da mortalidade de 20 a 30%, entre mulheres de 50 anos ou mais. No Brasil, em 2008, a PNAD registrou que 71,1% das mulheres de 50 a 69 anos foram algum dia submetidas a exame de mamografia. Porém, desigualdades regionais ainda estão presentes: nas regiões Norte e Nordeste, essa proporção é de apenas 49,8% e 54,9%, respectivamente, segundo as pesquisadoras (Figura 2) e conforme mostra o indicador do Observatório em Iniquidades em Saúde.

Para as autoras, acesso pode ser entendido tanto como a entrada nos serviços como o consequente recebimento de cuidados. Sendo assim, como é o acesso da população alvo? Que fatores estão envolvidos na procura dos serviços de saúde e realização da mamografia no Brasil? Preliminarmente é possível dizer que a necessidade é definida pelo sexo, idade e histórico familiar de risco. Porém, a percepção do risco em si e fatores comportamentais também influenciam no ato de procura do serviço e demanda. Além disso, outros fatores, não menos importantes, como a condição social da mulher, que influencia tanto a percepção como a demanda, e o local de residência e de realização da mamografia, que influenciam o comportamento e a oferta do serviço, não podem ser deixados de lado (Figura 1).

Inicialmente devemos entender como é a distribuição geográfica dos equipamentos no Brasil, número de profissionais qualificados e os mecanismos que garantem a utilização desses serviços. Ao que tudo indica, apesar de existirem mamógrafos em número suficiente para atender à população alvo, há uma má distribuição. Sendo assim, a oferta é indutora de demanda e se não há mamógrafo na cidade ou próximo a mulher, o acesso é dificultado pelos revezes do processo (Figura 2).

Oliveira e demais pesquisadores da Fiocruz afirmam que as barreiras ao acesso a procedimentos de rastreamento apresentam padrão seletivo, evidenciando desigualdades sociais. Afirmam ainda que, com relação à realização de exames preventivos, no Brasil, além do gradiente de escolaridade, há também um gradiente crescente segundo os níveis de renda na prevalência de mamografia. Em geral, o acesso é maior para mulheres de maior renda, com planos de saúde e residentes em áreas de melhor padrão socioeconômico. Há uma associação direta da prevalência de mamografia com uma maior renda familiar per capita. Na faixa até 4 salários mínimos, a chance de mamografia aumenta aproximadamente 30% a cada salário mínimo a mais, contra a faixa de 20 salários mínimos, que aumenta apenas 3%. As autoras apontam também para a questão racial, onde a expansão da mamografia ocorreu em todos os subgrupos, com aumento da ordem de 25%. Na população que se diz preta ou parda, o aumento foi ainda maior: 32% e 40%, respectivamente (Tabela 2).

Essa tendência de desigualdade se repete entre as mulheres que têm plano de saúde e as que não têm. Mulheres que têm plano de saúde fazem mais mamografia. A prevalência do exame entre mulheres que referem ter plano de saúde é muito superior à encontrada para as que referem não ter plano (60% e 27% respectivamente). Residir em área urbana ou região metropolitana também está diretamente ligado à realização de mamografia, até porque é a área onde se concentram os mamógrafos. Apesar disso, entre 2003 e 2008 observou-se crescimento da prevalência em todos os estratos, destacando-se aumento em torno de 70% entre as mulheres residentes em área rural (Tabela 2).

Os níveis e a distribuição da oferta e sua acessibilidade geográfica condicionam o acesso aos serviços de saúde. Distâncias maiores restringem o uso (realização do exame), mas distâncias menores refletem inegáveis avanços, possivelmente ligados à implantação da política de rastreamento. Contudo, a questão das recomendações para rastreamento é particularmente complexa, principalmente nos grupos de baixo risco, dado que mecanismos de incremento do acesso e uso de serviços nestes grupos podem representar desperdício de recursos.

O aumento da oferta, a maior distribuição dos equipamentos no território (interiorização) e o aumento da renda no período, impulsionados pelo crescimento da economia e pela política de inclusão social, trouxeram impacto substancial na expansão do acesso. Porém, ações específicas são necessárias para alcançar grupos populacionais em risco de subutilização do exame. Vencer as desigualdades sociais e geográficas na acessibilidade e na qualidade dos equipamentos e dos laudos facilitaria a detecção precoce do câncer de mama e representariam um grande avanço na redução das iniquidades.

 

Referência Bibliográfica

Oliveira EXG, Pinheiro RS, Melo ECP, Carvalho MS. Condicionantes socioeconômicos e geográficos do acesso à mamografia no Brasil, 2003-2008. Ciên Saúde Colet [periódico na internet]. 2011 [acesso em 21 mar 2012];16(9):3649-3664. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-81232011001000002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

 

 

 

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1 Comentário

  1. Vocês estão de parabéns com esse esclarecimento utilíssimo. Quanto mais se ajuda melhor. Parabéns e que muitas pessoa se beneficiem.
    Um abraço,
    Elazir

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