Mendes e Akerman (2007) mencionam Andrade (2006) que estudando as experiências de intersetorialidade de duas capitais brasileiras conclui que “… há um ‘consenso discursivo’ e um ‘disenso prático’, nascidos justamente da contradição entre a necessidade de integração de práticas e saberes requeridos pela realidade e o aparato administrativo do Estado, o qual reforça a setorização e o trabalho fragmentado. Conflitos de interesse e de poder perpassam a introdução de inovações, assim como a fragilidade da incorporação do método pelos operadores da organização”.
A Comissão Nacional dos Determinantes Sociais de Saúde em seu Relatório Final (CNDSS, 2008) constata, a partir do levantamento a cerca das ações intersetoriais patrocinadas pelos órgãos federais entre 2004 e 2006, a existência de três modalidades de programas: 1- intersetoriais que pressupõem ações transversais em vários setores de intervenção governamental; 2- setoriais, formulados em diferentes ministérios, mas que se articulam no contexto local, para alcançar um público-alvo específico e atingir um ou mais problemas; 3- setoriais formulados em um único ministério, mas abrangendo vários problemas e grupos-alvo.
No nível local, por exemplo, os setores Saúde e Educação dificilmente se articulam para providenciar a “oferta comum de serviços”, como é comum se detectar no atendimento das condicionalidades do Programa Bolsa-Família. Também se encontram situações em que o público-alvo comum acaba por ser o fator de integração de políticas realizadas por setores específicos, entretanto esses casos efetivos são poucos. Outro aspecto é o possível efeito das instâncias participativas para a efetividade das ações intersetoriais: impressão favorável inicial trazida pela existência de multiplicidade de conselhos participativos nos municípios, para acompanhamento e fiscalização das políticas sociais, é desfeita pela constatação da repetição da participação das mesmas pessoas em vários conselhos. Outra questão é que, embora os representantes da sociedade civil tenham uma visão mais integrada dos problemas do seu território, do que os de profissionais e gestores, suas propostas são encaminhadas ao Conselho, que por estarem vinculados a determinado setor perdem seu potencial integrador e intersetorial. A frustração com os achados não desfaz a validade do esforço, já que entre as propostas que emergem dessa constatação estão: ampliar o investimento – no período, R$ 45,2 bi destinados a 86 ações programáticas -; racionalizar o uso desses recursos em ações de maior consistência ao longo do tempo; articular as ações; integrar órgãos federais em agenda comum pautada pelos DSS; finalmente, adoção de indicadores para avaliação do impacto intersetorial sobre a saúde.
Esses achados da CNDSS reforçam, como destaque, a necessidade de uma agenda comum entre diversos setores, fundamentada na ação sobre os DSS, mas principalmente na definição de indicadores que permitam acompanhamento do impacto das realizações intersetoriais sobre o estado de saúde.
Pautar as políticas pela perspectiva técnica do ‘feedback’ propiciado por indicadores certamente exige uma mudança cultural do ‘modus operandi’ político em muitos países. Mas isto exigirá igualmente uma readaptação dos próprios sistemas de informação existentes – e mesmo a criação de outros em determinadas realidades – de modo que se disponham de dados desagregáveis ao nível local, que sejam capazes de captar dados que evidenciem as desigualdades e iniqüidades a que estão expostos grupos sociais e epidemiologicamente vulneráveis, bem como expressem periodicidades mais condizentes com a necessidade de medidas constantes de uma realidade social que se altera muito velozmente. (Westphal et al. 2011)
Referências Bibliográficas
Andrade LOM. A saúde e o dilema da intersetorialidade. São Paulo: Hucitec; 2006.
CNDSS-Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. As causas sociais das iniqüidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2008.
Mendes R, Akerman M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: Fernandez JCA; Mendes R, organizadores. Promoção da saúde e gestão Local. São Paulo: Hicitec; 2007. p. 54-70.
Westphal MF, Zioni F, Almeida MF de, Nascimento PR do. Monitoring Millennium Development Goals in Brazilian municipalities: challenges to be met in facing up to iniquities. Cad Saúde Pública. 2011;27 Suppl 2:S155-163.
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