É possível o bem estar em situações de extrema pobreza?

As pesquisas têm documentado que os danos ao bem estar e à saúde física e mental podem ser causados pela pobreza e por eventos adversos da vida. Ao mesmo tempo, no entanto, outros estudos têm mostrado que nem todos são afetados da mesma maneira. Algumas pessoas parecem ser capazes de ir além das probabilidades e alcançar um elevado nível de bem estar, mesmo em situações extremas. E como isso pode acontecer? Na verdade, algumas características construídas ao longo da vida das pessoas podem ajudá-las face às adversidades. Essas características se baseiam principalmente na resiliência e no reconhecimento de capacidades e desenvolvimento de habilidades sociais do indivíduo.

Um ambiente positivo na infância pode agir como fator de resistência ou de proteção contra situações adversas. Esse “escudo protetor” se forma quando a pessoa tem um relacionamento afetivo e seguro com seus pais durante a infância, desenvolvendo uma personalidade resiliente; e os benefícios dessa relação se estendem até a vida adulta, independentemente das condições de vida nessa fase. Em ambientes de pobreza e desvantagem social a forma como os pais agem com seus filhos pode influenciar nos níveis de resiliência e modular o risco para à saúde. Relacionamentos fortes em famílias estruturadas permitem que os jovens se tornem adultos independentes, cidadãos produtivos e receptivos.

Os relacionamentos em casa e no trabalho podem ser tão eficazes quanto dinheiro ou status na promoção do bem estar. As relações sociais, vínculos com a comunidade e as habilidades de relacionamento social interativo funcionam como fontes de proteção em situações adversas. No entanto, tão importante quanto isso, é permitir que as pessoas construam e consolidem seus pontos fortes e capacidades por meio dos relacionamentos familiares e/ou por intermédio de políticas públicas de apoio às comunidades. E, apesar desses recursos não eliminarem os efeitos dos riscos sociais, como a pobreza, devem ser o principal
alvo de estratégias de promoção de saúde.

A maximização da capacidade de todos os cidadãos de modo igualitário, fazendo o melhor uso de ativos em saúde (health assets*) e desenvolvimento econômico e social das comunidades, funcionam como carro-chefe da mudança e preparação dos indivíduos para o enfrentamento de dificuldades. O reconhecimento de forças e capacidades, e o desenvolvimento de habilidades sociais aumentam os sentimentos de competência e autoconfiança, e incentivam um planejamento positivo para o futuro.

Apesar de parecer um bálsamo para os problemas, não podemos esperar que os indivíduos desenvolvam sozinhos sua própria resiliência, pois seguiríamos a lógica da ‘culpabilização da vítima’. É preciso investigar obstáculos e barreiras subjacentes, pois ao longo da vida as pessoas são influenciadas por relacionamentos e circunstâncias sociais que as cercam e convivem com barreiras sociais ou legais que limitam suas escolhas e reduzem suas oportunidades.

O âmago dessas estratégias deve ser na liberdade em relação ao que é permitido ao indivíduo fazer, isto é, as políticas públicas podem aumentar o bem estar se concentrando na capacitação e desenvolvimento de habilidades das pessoas. Além disso, medidas como melhorias na infraestrutura pública, educação, formação e transporte, podem elevar o bem estar sem qualquer alteração na renda individual. Ressaltando sempre que essas mudanças devem se concentrar na distribuição mais justa de recursos, ou seja, movendo quem tem um padrão de vida pior para mais próximo da média da população.

Em termos práticos, intervenções econômicas e sociais que tirem as famílias da privação material e apoiem os pais em circunstâncias difíceis, parecem ser estratégias que funcionam quando se deseja que os jovens tenham um bom começo de vida, e consequentemente se ajustem melhor em condições adversas na vida adulta. Além disso, intervenções precoces cuidadosamente delineadas podem render melhores frutos do que tentativas de redução de desigualdades sociais depois que as mesmas estão enraizadas.

O bem estar humano é determinado pelas oportunidades e pela liberdade no exercício das escolhas da vida. As políticas sociais devem fomentar essa liberdade. Apesar das pessoas que possuem relações fortes de apoio em casa e no trabalho serem, de certa forma, protegidas contra os danos da pobreza e da desvantagem social à saúde, as grandes melhorias no bem estar requerem a redução da pobreza e das iniquidades sociais e econômicas para todos.

 

 

 

Foto de capa: www.fapeam.am.gov.br

*Health Assets – ativos em saúde são tanto os pontos fortes e qualidades (motivações e capacidades relacionais) como qualidades ambientais e comunitárias (apoio, normas, características físicas) que podem contribuir para a saúde.

* Foto da home: Jorge de Carvalho/Fiocruz

Referências Bibliográficas

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Fergus S, Zimmerman MA. Adolescent resilience: a framework for understanding healthy development in the face of risk. Annu Rev Public Health [periódico na internet]. 2005 [acesso em 05 dez 2012];26:399-419.

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Schoon I. Risk and Resilience. Adaptations in changing times. Cambridge: Cambridge University Press; 2006.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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1 Comentário

  1. Gostaria de parabenizar o excelente material divulgado e solicitar que este canal de comunicação seja mantido e ampliado. Solicito ainda que o mesmo seja divulgado para técnicos e gestores das diversas esferas de governo, no sentido de fortalecer e aprimorar as políticas públicas vigentes no país.

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