Indicador do Observatório sobre este tema:
Ind020210
Optar por um transporte saudável significa ter acesso a um transporte público melhor e de qualidade para grandes distâncias, privilegiar a caminhada e incentivar o uso da bicicleta para distâncias curtas. Além dos benefícios para a saúde, esses hábitos e o uso dos transportes públicos são comportamentos que reduzem os acidentes fatais no trânsito, aumentam o contato social e reduzem a poluição sonora e do ar. No entanto, pouco ainda é feito para garantir um sistema de transporte seguro e saudável no Brasil, que deve incorporar estratégias multissetoriais em seu planejamento, projeto e desenvolvimento; considerar a equidade em nível populacional; ter viabilidade financeira, confiabilidade e eficiência; e um baixo impacto para o ambiente físico e, ao mesmo tempo, ser seguro para os usuários (PAHO, 2009).
Um dos caminhos para alcançar essas metas é ser uma “cidade ativa, cidade saudável”, tarefa que requer um empenho político que apoie e promova ações públicas sustentáveis neste sentido. Muitas são as experiências estudas e implementadas no exterior, mas no Brasil as iniciativas são raras. Dentro do conceito de Cidade Saudável e Cidade Educadora* podemos citar a cidade de Sorocaba (SP), modelo nacional nas áreas de mobilidade urbana e qualidade de vida. Seus cidadãos podem contar com um dos maiores projetos do segmento de transporte sustentável no Brasil: o Plano Cicloviário, com 70 km de ciclovias. Além disso, o estímulo à atividade física é também desenvolvido através do Projeto Caminhada, onde a Prefeitura de Sorocaba e parceiros incentivam a população a praticar atividade física e também a adotar hábitos saudáveis através de grupos permanentes de caminhada nas Unidades Básicas de Saúde e nos Centros Esportivos dessa cidade.
Seguindo o mesmo exemplo de Sorocaba, está a cidade de Santos, que tem cerca de 20 quilômetros de ciclovia. Além de estar presente na orla da praia, a malha cicloviária santista interliga várias regiões da cidade e vai da divisa com São Vicente até a área portuária. Situação semelhante ocorre em Aracaju, que dá um ótimo exemplo de sistema de ciclovias, com 62 quilômetros de extensão. Segundo a prefeitura da cidade, que já investiu mais de R$ 11 milhões na ampliação e estruturação de vias exclusivas para ciclistas, o objetivo é se transformar na “capital da bicicleta”.
Segundo Holger Dalkmann, diretor da EMBARQ, a necessidade de ação em transporte sustentável nunca foi tão evidente quanto é hoje. Um transporte sustentável, com sistemas de transporte coletivo, ciclovias e caminhadas, combate o sedentarismo e tem a capacidade de reduzir o número de mortes nas estradas e acidentes graves, reduz o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, facilita o acesso a bens e serviços que apoiam o desenvolvimento sustentável e melhoram a qualidade geral de vida nas cidades. Em sua opinião, é vital que as cidades implementem o transporte sustentável com uma visão de ruas para as pessoas e não de estradas para carros. Nesse sentido, as cidades têm que assumir a liderança local no transporte sustentável e ter iniciativas ambientais, principalmente porque prefeitos e administradores municipais entendem as questões econômicas, sociais e políticas específicas que impactam em cada ambiente urbano.
Além da importância da liderança local, as políticas nacionais também são fundamentais e devem canalizar investimentos substanciais em transporte sustentável em áreas urbanas em crescimento. No entanto, somam-se a esses enfoques, os compromissos globais em relação ao transporte sustentável. A Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, da ONU, e a promessa da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, dão maior ênfase aos benefícios humanos do transporte sustentável. Nessa categoria de compromissos globais podemos citar também os investimentos e financiamentos de bancos internacionais a taxas de juros baixos que incentivem novos projetos sustentáveis.
O sucesso de projetos de transporte sustentáveis reside, inclusive, na observação de que tipo de acesso têm as pessoas que precisam andar grandes distâncias. Elas dependem de carro para se locomoverem? Qual a faixa etária desse grupo? E, já sabendo de antemão que o isolamento social e a falta de interação comunitária são fortemente associados com pior saúde, deve ser questionado se a falta de acesso está promovendo o isolamento dessas pessoas. Configurando, assim, uma questão que envolve desigualdades sociais em relação àqueles que moram em áreas rurais ou mais periféricas das cidades (WHO, 2003).
É fato que mudanças no transporte de uma cidade ou país envolvem muitos setores da economia que se beneficiam com o uso dos carros. Existem interesses escusos relacionados ao petróleo, borracha, construção de estradas, fabricação e impostos de carros, vendas e reparos, e publicidade. Mas isso não deve enfraquecer as metas principais, como algumas sugeridas por Wilkinson e Marmot:
1) Priorizar o uso da bicicleta e incentivo a caminhadas para curtas distâncias;
2) Melhorar do transporte público para viagens longas, além de ligações regulares e frequentes para as zonas rurais;
3) Fortalecer financeiramente para o transporte público;
4) Reduzir os incentivos fiscais para o uso comercial de carros e aumento dos custos e penalidades de estacionamento (WHO, 2003).
No entanto, todas essas propostas de mudanças devem levar em conta o panorama da nossa realidade. É grave a situação de acidentes de trânsito no Brasil, além de ser desproporcional a incidência e gravidade desses acidentes em veículos de duas rodas. O caos e desorganização no trânsito brasileiro se refletem no indicador 020210 sobre a taxa de mortalidade específica por acidentes de transporte na população apresentado pelo nosso Observatório. Essa proporção que era de 23,1% em 2001, passou a ser de 25,4% em 2009, seguindo provavelmente uma tendência de crescimento. Como existem distintas modalidades de transporte, existem diferentes riscos de acidente e morte. Os pedestres, por exemplo, estão sujeitos ao maior risco devido à falta de proteção física, tornando-os mais vulneráveis em situações de colisão. Outras modalidades de transporte de alto risco incluem a motocicleta e a bicicleta. Na América Latina, a densidade de motociclistas aumentou substancialmente na última década em muitas cidades. Em São Paulo, por exemplo, a grande maioria dos acidentes de trânsito ocorre entre os usuários de motocicletas (PAHO, 2009). Sendo assim, além de questões relacionadas ao desenho de estradas, infraestrutura e plano de uso do solo (WHO, 2013), a reeducação no trânsito de pedestres e motoristas deve estar indiscutivelmente atrelada às mudanças no transporte de uma cidade.
A redução do trânsito de automóveis e a substituição por modalidades alternativas de transporte são consideradas essenciais na promoção da saúde. Por isso, a forma como lidamos com o deslocamento das pessoas e os meios de transporte hoje terá um grande impacto no futuro na saúde e na qualidade de vida das pessoas. É preciso encontrar novas maneiras de inserir o exercício na vida dos cidadãos, portanto, é fundamental que sejam feitos investimentos em nível local e nacional para se atingir um transporte público sustentável e de qualidade.
*Cidade saudável e sustentável é aquela que produz qualidade de vida para os seus cidadãos, buscando o bem-estar dos indivíduos e a satisfação de suas necessidades materiais básicas de habitação, alimentação, educação, cultura, segurança, lazer e outras necessidades humanas imateriais relacionadas à vida social e religiosa.
Referências Bibliográficas
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