Em abril do ano passado a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o Relatório Global sobre Homicídios 2013, que destacou a situação deste tipo de ocorrência no Brasil. Segundo o documento somente em 2012 o país, onde vive quase 3% da população mundial, registrou 50.108 homicídios, aproximadamente 10% de um total de 437 mil ocorridos em todo o mundo. O estudo aponta que os índices mais altos de homicídios relacionados com o crime organizado e com grupos, quando comparados a outras regiões, ocorrem na América . O dado de que 43% de todas as vítimas de homicídio têm entre 15 e 29 anos demonstra que, pelo menos uma em cada sete do total de vítimas de homicídios no mundo é um homem jovem com idade dentre 15 e 29 anos, vivendo nas Américas. De fato, os crimes envolvendo pessoas muito jovens e os dados sobre mortes violentas em número tão significativo, chamam atenção no Brasil.
Segundo relatório ‘Hidden in Plain Sight: A statistical analysis of violence against children’ (2012), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), as taxas mais altas de homicídios entre crianças e adolescentes são encontrados na América Latina e no Caribe, que também têm a maior quota global de homicídios entre os indivíduos de todas as idades. Em 2012, cerca de um em cada três homicídios em todo o mundo foram cometidos nestas regiões (32 por cento), e a taxa de homicídios para todas as idades foi de 23 por 100 mil habitantes, quase quatro vezes maior que a média global, de 6 por 100 mil habitantes.
O relatório aponta que em 2012 quase 95 mil crianças e adolescentes em todo mundo foram vítimas de homicídios, ou seja, quase uma em cada cinco vítimas com idade entre 0 e 19 anos de idade morreram devido a homicídio. O Brasil está entre os dez países com maiores taxas de homicídios de crianças e adolescentes. Segundo a UNICEF, nosso país registrou, em 2012, uma taxa de 17 homicídios por 100 mil habitantes e ficou atrás apenas de El Salvador (Taxa de 27 homicídios/100 mil habitantes), Guatemala (22/100 mil habitantes), Venezuela (20/100 mil habitantes), Haiti (19/100 mil habitantes) e Lesoto (18/100 mil habitantes).
Os dados apresentados pela UNICEF são oriundos da Organização Mundial da Saúde e mostram a prevalência de diferentes formas de violência contra as crianças, com números e dados de 190 países. Apesar de reconhecerem que medir a amplitude e a profundidade da violência contra crianças é complicado, principalmente pelo fato de que a violência pode assumir várias formas (física, sexual e emocional), ocorrer em diferentes ambientes (incluindo casa, escola, e através da Internet) e ser cometida por indivíduos (pais, outros cuidadores, vizinhos e estranhos) ou grupos, o documento deixa claro que a violência interpessoal – em todas as suas formas – tem um efeito deletério sério sobre as crianças. Além de prejudicar seu potencial futuro, causa danos à sua condição física, ao seu bem-estar psicológico e emocional, e, em muitos casos, interrompe vidas.
No Brasil, a violência e o crime têm aumentado dramaticamente nas últimas décadas, particularmente nos grandes centros urbanos. Esse padrão de violência letal é atribuído principalmente à desigualdade social, mas as atividades ilícitas dos grupos criminosos organizados, a presença das gangues de rua, a acessibilidade de armas de fogo, além do aumento do uso de drogas e do aumento substancial da população jovem, são fatores que também contribuem para o desfecho fatal nesse grupo populacional.
Conforme noticiamos anteriormente em nosso Portal, para os diferentes tipos de violência existem determinantes bem definidos, por estratos socioeconômicos, raça, faixa etária, gênero e nível de escolaridade, e isso tem evidenciado tanto aqueles que cometem quanto aqueles que sofrem a violência. A maioria dos jovens analisados pela UNICEF, cerca de 85 mil ou 90%, viviam em países de baixa e média renda. A renda per capita nacional é uma variável importante que pode influenciar os níveis de homicídio dentro de um país, incluindo o segmento mais jovem da população. No entanto, outros fatores relacionados às desigualdades econômicas ou sociais, como baixos padrões de educação, além da ineficácia do governo e altos níveis de criminalidade, interferem nesses homicídios. O relatório retrata também a contribuição de alguns fatores culturais na elevação dessas taxas de homicídio entre os jovens, citando normas sociais que toleram a violência, que são vistas como uma forma aceitável para resolver conflitos e que dão prioridade aos direitos dos pais sobre o bem-estar da criança, além de haver certa aceitação do domínio masculino sobre as mulheres e as crianças.
De acordo com a UNICEF, no Brasil os adolescentes negros sofrem um risco três vezes maior de serem assassinados do que os jovens brancos. Os meninos estão particularmente em maior risco de homicídio. Esse risco elevado é encontrado em todas as regiões do mundo, mas a diferença entre meninos e meninas é particularmente marcante na América Latina e no Caribe, onde meninos têm quase sete vezes mais chances de morrer devido à violência interpessoal do que as meninas.
Morar em bairros superpovoados, etnicamente heterogêneos, com altas taxas de desemprego, com famílias chefiadas por mulheres, e ter renda e escolaridade baixas, são determinantes da violência com morte. Em um estudo apresentado sobre homicídios e disputas territoriais nas favelas do Rio de Janeiro, os autores enfatizam que nas áreas sob domínio de facções criminosas, os jovens vulneráveis são socializados pelo manejo das armas de fogo, elementos-chave da nova “cultura de rua”, criando as áreas de morte prematura. Além de serem treinados para o combate, os jovens vivem em um estado de guerra pelo controle de pontos de venda de drogas e de territórios. Os pesquisadores apontam que o aumento da taxa de homicídios é mais bem explicado pela alta concentração de armas onde homens jovens e pobres vivem, do que pela inclinação natural à violência.
Conforme já citamos, os jovens pobres pertencem à malha frágil desta rede de violência no Brasil (Minayo & Souza,). Além de jovens e pobres, é possível dizer que os pretos e pardos e aqueles com pouca escolaridade formam o elo friável da sociedade brasileira, e devem ser a população-alvo de ações e estratégias que visem à prevenção do crime. Ou seja, a integração inter e intra-setorial deve ser considerada como uma prioridade, sempre respeitando e promovendo os direitos humanos e diminuindo as iniquidades sociais.
Referências Bibliográficas
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