Transformar o futuro dos jovens é uma tarefa que deve envolver educadores e escolas realmente engajados com uma proposta colaborativa que envolva a comunidade e o governo local. Compartilhar a autonomia com estruturas comunitárias de base parece ser de fato o “pulo do gato” para o sucesso de estratégias redutoras de desigualdades na educação. O projeto ‘Escolas do Amanhã’ representa um bom exemplo dessa conduta, porque visa à redução das desigualdades no ensino, incluindo o combate à baixa qualidade do ensino, além da redução da evasão escolar, promovendo uma mudança na realidade dos alunos com a ajuda da comunidade. No entanto, é de se esperar que essa melhor educação tenha um efeito duplo, que está para além dos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da educação básica), permeando os diferentes níveis de organização de determinantes sociais com implicações inclusive nos gradientes em saúde em níveis individuais e comunitários.
A violência em muitas comunidades da cidade do Rio de Janeiro vem dificultando muito o desempenho e a frequência escolar, com a consequente alta na evasão. No entanto, nos últimos anos, a taxa de abandono escolar caiu significativamente nas comunidades pacificadas, porque houve um trabalho em conjunto do conselho tutelar com os pais ou responsáveis dos estudantes, sendo possível o reconhecimento do motivo das faltas e a sua redução. O projeto ‘Escolas do Amanhã’, criado em 2009, está implantado em 152 escolas públicas municipais localizadas nas áreas mais vulneráveis da cidade do Rio de Janeiro e atende mais de 105 mil alunos. Esse projeto não foi criado apenas para as áreas mais violentas, a sua implantação ocorreu tanto em escolas de áreas pacificadas, como em áreas não pacificadas. O potencial do projeto é tão grande que foi capaz de reduzir as desigualdades na educação e aumentar a coesão social da comunidade inclusive em áreas não pacificadas, onde algumas escolas melhoraram significativamente no ranking do Ideb. O Ciep Heitor Villa Lobos, por exemplo, em Antares (área não pacificada), na Zona Oeste, registrou um dos melhores desempenhos no primeiro segmento de toda a rede municipal: saiu de 3,9 em 2009 para 6,6 em 2011.
Paredes coloridas e limpas, canteiros com flores e livros disponíveis pelos corredores são exemplos de atitudes que valorizam os jovens em ambiente escolar e interferem no produto final. Frequentar lugares sujos, bagunçados e desorganizados promove um sentimento de descaso mútuo entre professores e alunos, pois é reflexo de uma instituição desrespeitosa. Por isso, o projeto ‘Escolas do Amanhã’ é multidisciplinar e envolve ações como a educação em tempo integral, que considera que no contra turno das aulas os estudantes têm a oportunidade de participar de mais de 50 oficinas culturais (arte, teatro, dança, música, leitura) e esportivas. Vale dizer que a escolha dessas oficinas é baseada no perfil dos alunos e da comunidade do entorno. Outra ação é a de bairro educador, um processo de ensino-aprendizagem integrado à vida cotidiana, onde há um educador comunitário, que deve estar preparado para desenvolver ações de integração entre os interesses da escola e do bairro. O método Uerê-Mello, também parte do projeto, é desenvolvido especialmente para regiões com alto índice de violência, e visam o desbloqueio cognitivo que advém da exposição à violência e capacita os coordenadores para identificarem as vulnerabilidades das crianças e o porquê de não absorverem os conteúdos ensinados.
No projeto ‘Escolas do Amanhã’ o aluno é motivado a desenvolver seu senso crítico, autoconfiança, raciocínio lógico, além de capacidades diversas, como observação, análise, investigação, comunicação, resolução de problemas, tomada de decisões, entre outras. Em contrapartida, por meio de um Termo de Compromisso de Desempenho Escolar, os professores e funcionários das escolas que conseguirem atingir as metas estabelecidas de aprendizagem e de gestão recebem um Prêmio Anual de Desempenho. Um reforço positivo por estarem realmente imbuídos de um sentimento de mudança e de formação de indivíduos melhores para uma sociedade mais recíproca e participativa.
Existem outros projetos em andamento em outras capitais com alto índice violência, como o Projeto Escola Segura do Recife. No entanto, apresentam uma proposta mais voltada para o enfrentamento de questões específicas de conflito e violência, onde “Promotores da Paz” sugerem possibilidades de encaminhamentos com palestras educativas, articulação com as instituições parceiras ou da própria comunidade, além de proposição das atividades que motivem a participação dos familiares no ambiente escolar. Os idealizadores do projeto enfatizam que valores como solidariedade, tolerância, e respeito à diversidade também devem ser ensinados na escola. Apesar de ambos os projetos possuírem traços de semelhança, a estratégia das ‘Escolas do Amanhã’ parece ser mais abrangente, não só em termos teóricos como também em relação às áreas de implantação, incluindo áreas pacificadas e não pacificadas, o que remete a ideia central difundida por Geoffrey Rose (1985), onde a abordagem populacional prevalece sobre a de alto risco em termos de impacto. A ação conjunta entre escola (alunos e professores) e comunidade é mais efetiva e promove benefícios para toda a população, deslocando todos em direção a melhores indicadores sociais (no caso, escolares). Diferentemente da abordagem de alto risco, onde a intervenção é focada no indivíduo e do ponto de vista da saúde pública possui um impacto menor.
Se expandirmos nossas análises para o Brasil como um todo, veremos que ainda existe muita desigualdade no ensino entre as macrorregiões. Várias capitais da região Nordeste estão entre as piores avaliações de desempenho do Ideb, variando de 3,5 em Alagoas a 3,9 em Pernambuco, resultados que se contrapõem aos dos estados da região Sul e Sudeste, com índices muito mais elevados em 2011, 5,8 em Minas Gerais e 5,4 no Paraná (em relação do 5º ano/4ª série). Essa situação ainda é pior no 9º ano/8ª série, onde as notas variam de 2,6 em Alagoas a 4,7 em Santa Catarina. Esses dados apresentam uma situação alarmante de desigualdade na educação que pode ser reduzida com a implementação de projetos como o das ‘Escolas do Amanhã’, uma nova perspectiva que engloba a participação de instituições próximas ao indivíduo: a escola e a família (p.ex.: mães e avós comunitárias), associadas ao envolvimento das comunidades, em um nível mais intermediário de influência e atuação. Todos trabalhando em conjunto por um mesmo propósito, um bem comum onde todos têm a ganhar.
A ampliação dos horizontes dessas crianças e jovens, através da disponibilidade de informação de qualidade e ambientes que o respeitem como ser humano, certamente é um dos caminhos que podem ser trilhados para formação de verdadeiros cidadãos. Essa prática deverá estar definitivamente associada a professores realmente motivados com o processo ensino-aprendizagem, de forma que suas forças sejam somadas ao enorme potencial de influência da comunidade onde a escola está inserida. Esse processo é capaz de formar indivíduos autônomos, solidários e corresponsáveis por sua transformação e de sua comunidade, possibilitando, assim, a redução de iniquidades sociais.
Referências Bibliográficas
Bairro Educador [Blog]. [acesso em 20 set 2012]. Disponível em: http://bairroeducador.blogspot.com.br
Bairro Educador [Internet]. Rio de Janeiro: Cieds; 2010 Ago 20 [acesso em 20 set 2012]. Disponível em: http://www.cieds.org.br/7,4,bairro-educador
Escolas do Amanhã [Internet]. Rio de Janeiro: SME – Secretaria Municipal de Educação [acesso em 20 set 2012]. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=2281501
IDEB – Resultados e Metas [Internet]. Brasil: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; c2012 [atualizado em 14 ago 2012; acesso em 20 set 2012]. Disponível em: http://ideb.inep.gov.br
Projeto Escola Segura do Recife [Internet]. Recife: Educar Recife – Secretaria de Educação; 2011 Set 09 [acesso em 20 set 2012]. Disponível em: http://educar.recife.pe.gov.br/noticia/noticiaDetalhe/2226/1
Rose G. Sick Individuals and Sick Populations. Int J Epidemiol [periódico na internet]. 1985 [acesso em 20 set 2012];14(1):32-38. Disponível em: http://ije.oxfordjournals.org/content/14/1/32.full.pdf+html
Por Gabriela Lamarca e Mario Vettore
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