Série (1): Estudo da Fiocruz estima alcance do crack nas capitais brasileiras

Estimativas do consumo de crack/similares nas capitais em relação à outras drogas ilícitas (exceto a maconha)

O Brasil é o país que mais consome crack no mundo, segundo aponta o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad). Os danos causados pelo entorpecente, já destacados diversos estudos a respeito, foram focados naquela que é a maior pesquisa sobre o tema já realizada. A estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do país foi feita pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), com base no Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas. Para o Estudo sobre o perfil dos usuários de crack foram realizados dois tipos de inquérito: um domiciliar e um em locais de consumo da droga, chamados pelos pesquisadores de “cenas do crack”. Em uma série de publicações iniciada hoje, o portal DSS Brasil vai abordar as duas pesquisas e ouvir os coordenadores destes estudos.

O inquérito epidemiológico em cenas de uso de crack/similares em todo o país traçou um perfil dos usuários, através de entrevistas, realizadas não só nas capitais, incluindo 7.381 usuários. Neste caso, a incidência de HIV e tuberculose, o comportamento sexual, cor/raça, escolaridade, entre outros aspectos, foram também observados.

Já a pesquisa domiciliar foi realizada nas 26 capitais do Brasil e no Distrito Federal, através da utilização de inquérito de natureza indireta (método NSUM*), ou seja, que não tem como foco primário a entrevista feita com os próprios usuários da droga. Os dados divulgados em setembro foram colhidos em 2012 com cerca de 25 mil pessoas residentes nas capitais, através de questionários. As estimativas da pesquisa consideraram o número de usuários de crack compreendendo: uso de pasta-base, merla, oxi, que tal qual o crack, são consumidos em cachimbos, latas e copos ou similares. Foi considerado “uso regular” da droga o consumo por pelo menos 25 dias nos últimos seis meses. As entrevistas indiretas, utilizadas pelo método citado, possibilitaram a obtenção de respostas que podem alcançar o grupo de usuários vivendo em situação de rua/ sem moradia fixa.

As capitais e o Distrito Federal tiveram como resultado estimado** aproximadamente 370 mil usuários. Nestas mesmas cidades o cálculo para usuários de drogas ilícitas equivale a um milhão de pessoas. Ou seja, o número de consumidores do crack corresponde a 35% dos indivíduos que fazem uso de drogas ilícitas nas capitais brasileiras. Nas capitais da região Nordeste, mesmo apresentando proporções similares de uso frequente às da região Sul, são as que registraram maior quantitativo em números de usuários, registrando cerca de 148 mil pessoas. Quando comparado o consumo do crack nas capitais, sendo observada sua porcentagem dentro do grupo de drogas ilícitas (das quais exclui-se a maconha), ocorrem diferenças expressivas nos percentuais do consumo da droga. As capitais da região Nordeste lideram o número de usuários frequentes, chegando a 43% do total, o equivalente à 148 mil pessoas. Nas capitais da região Norte, o crack tem participação amplamente minoritária no grupo de substâncias ilícitas consumidas em média 20% ou 33 mil pessoas. No Sul atinge 52%, o que equivale a 37 mil pessoas, no Centro Oeste 47% ou 51 mil pessoas e na região Sudeste a 32%, o que corresponde a cerca de 113 mil pessoas.

Um grave problema revelado pelo estudo é a grande quantidade de crianças e adolescentes fazendo uso deste tipo de droga no país. Dos 370 mil usuários estimados, em média 14%, o equivalente à 50 mil pessoas, são menores de idade. As capitais do Nordeste registram maior número de crianças e adolescentes consumidores de crack e/ou similares: cerca de 28 mil indivíduos. Nas regiões Sul e Norte este número equivale a três mil usuários, no Centro-Oeste a seis mil e na região Sudeste a 13 mil pessoas. Os pesquisadores destacam que o uso da droga é expressivamente mais danoso neste grupo da população.

O estudo revela a necessidade da criação de políticas públicas baseadas nas diferenças quantitativas de cada macrorregião para a implementação de estratégias de prevenção e enfrentamento do crack e consequentemente dos danos trazidos pelo consumo da droga. Evidencia também a urgência de se estruturar e executar ações voltadas para crianças e adolescentes atingidos pelo problema. “Num país como o Brasil, com marcadas disparidades sociais e culturais entre as macrorregiões, as ações de saúde devem ser regionalizadas para um melhor resultado. Para a questão das drogas não seria diferente. No Nordeste o percentual de crianças e adolescentes usuários de crack/similares é maior. Logo, essa questão deve ter prioridade lá”, cita Neilane Bertoni, que coordena a pesquisa juntamente com Francisco Inácio Bastos. Ambos são pesquisadores do Laboratório de Informação em Saúde, da Fiocruz (Lis/Icict/Fiocruz).

Francisco fez uma importante ressalva sobre a correta observação dos números, em entrevista ao portal Icict. “Algumas pessoas pegaram o número que obtivemos de 370 mil usuários de crack nas capitais e tentaram fazer uma regra de três, chegando ao total de 700 mil usuários. Já ouvimos até que alguns chegaram ao total de 1,6 milhão, incluindo as cidades de grande, médio e pequeno portes. Fizemos as estimativas, que são geradas através de procedimentos estatísticos, tomando por base as capitais e não o conjunto de municípios do país. Temos perfis diferentes nos diferentes municípios e fazer essa extrapolação simplista seria um erro. Os jornalistas que participaram da coletiva em Brasília perguntaram se poderiam aplicar uma regra de três simples, e explicamos porque isto não se aplicaria”, esclareceu.

Confira a íntegra do inquérito domiciliar aqui.

 

* A metodologia utilizada neste estudo para a estimativa do número de usuários de crack e/ou similares é a denominada Network Scale-up Method (NSUM) – o único método estatístico disponível, até o momento, capaz de estimar de forma mais precisa quaisquer populações de difícil acesso, ditas “invisíveis”, sem se limitar a extrapolações de populações conhecidas, e sem restrições quanto a estimar indivíduos detidos, presos, hospitalizados, vivendo em locais abrigados (como residências de estudantes, guarnições militares, instituições religiosas etc.), fugitivos da justiça, vítimas de catástrofes naturais1. Isto é possível, pois trata-se de um método indireto, ou seja, não se pergunta diretamente ao respondente/entrevistado sobre seu próprio comportamento, e sim sobre o comportamento de outros indivíduos pertencentes à rede de contatos do respondente, residentes do mesmo município.

**Estimativa: A estimativa encontrada, então, nas capitais do país e Distrito Federal, para a população desses municípios que consomem crack e/ou similares de forma regular é na proporção de, aproximadamente,0,81% (Intervalo de Confiança de 95% (IC95%): 0,76 – 0,86), o que representaria cerca de 370 mil usuários.

Referências Bibliográficas

Cocaína e Crack. [acesso em 10 out 2013]. Disponível em: http://inpad.org.br/lenad/cocaina-e-crack/

Cruz F. Brasil é o maior mercado consumidor de crack do mundo, aponta estudo [Internet]. Brasília (DF): Agência Brasil; 2012 Set 09. [acesso em 10 out 2013]. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-05/brasil-e-maior-mercado-consumidor-de-crack-do-mundo-aponta-estudo

 


 

Entrevista com:

2 Comentário

  1. Triste. Mas aqui o crack se disseminou tão facilmente e pela combinação de vários fatores ruins : Desemprego, evasão escolar, serviço público de saúde ruim e outros mais.

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