É difícil pensar nos dias de hoje na existência de hortas domiciliares em cidades altamente urbanizadas. No entanto, em países desenvolvidos, como o Reino Unido, existem atualmente mais de 300.000 loteamentos urbanos com essa finalidade. Em Sheffield, uma das quatro maiores cidades da Inglaterra, a prefeitura gerencia mais de 3.000 lotes situados em mais de 70 áreas diferentes na cidade e arredores. Esses lotes são oferecidos a baixo custo para os moradores da cidade que desejam cultivar vegetais, frutas e ervas para consumo próprio, além de flores. Esse é um sistema muito antigo, mas ainda tão promissor e interessante que possui uma lista de espera com cerca de 2.300 interessados.
Segundo a BBC, rede de notícias da Inglaterra, a criação de lotes para plantação em áreas urbanas para uso e consumo próprios começou com o movimento “Dig for Victory” (cavar/plantar para vitória), que encorajava as pessoas a transformar jardins, parques e campos de esportes em loteamentos para cultivar legumes, bem como criar seus próprios animais, como galinhas, coelhos e cabras (vídeo: http://www.nationalarchives.gov.uk/theartofwar/films/dig_victory.htm). Essa campanha foi a maneira pela qual o governo da Grã-Bretanha encontrou para lidar com as medidas de austeridade em relação à produção e distribuição de alimentos durante a Segunda Guerra Mundial. O sistema deu certo e o incentivo permanece até hoje em algumas cidades britânicas, principalmente após os tempos difíceis de crise de 2010.
Em Sheffield, uma dessas cidades que aderiram a esse sistema de agricultura, é fácil encontrar entre as casas de bairros extremamente residenciais, como Nethergreen ou Firth Park, esses terrenos loteados com hortas e estufas. Em 2013, por exemplo, um lote até 200m2, teve um custo anual de aproximadamente R$195,00 (incluindo custos com irrigação). A partir de março de 2014, esse valor será reajustado para R$310,00. No entanto, é possível se beneficiar de um desconto de 50% se o locatário for pensionista do Estado, desempregado, deficiente físico, possuir baixa renda ou for estudante em tempo integral. Também são feitas concessões (25%) para aqueles com 60 anos ou mais de idade.
No caso de os locatários nunca terem experimentado esse tipo de atividade antes, é possível encontrar livretos com dicas fornecidos pela própria prefeitura, além de livros e websites com informações sobre jardinagem e diferentes tipos de cultivo. Não é raro, inclusive, que alguns vizinhos de lote estejam dispostos a dar conselhos e ajudar uns aos outros. Assim, trata-se de uma boa oportunidade de aprendizado e trocas, de desenvolvimento de novas habilidades e conhecimentos, que representa uma escolha positiva de estilo de vida.
Além das frutas e legumes cultivadas nesses loteamentos urbanos serem frescos e saudáveis e, por isso, com sabor e textura inigualáveis, possuem um controle de cultivo do próprio consumidor, que incluem, por exemplo, o uso de determinados insumos agrícolas ou ainda a produção de alimentos essencialmente orgânicos. Além desses benefícios, esse tipo de incentivo de algumas prefeituras britânicas representa uma boa maneira de fazer amizade com pessoas que compartilham o mesmo interesse sobre jardinagem e horticultura, bem como uma ótima forma de relaxar, de fazer um exercício saudável e reduzir os efeitos do estresse da vida moderna. Assim, essa política pública representa um grande benefício para o bem-estar físico e mental da sua população.
Segundo recomendações da própria prefeitura de Sheffield, antes de começar a trabalhar no lote, o locatário deve elaborar um plano de ação no qual ele deve descrever o que gostaria de ver crescer em seu lote e possibilidades futuras. Isso é necessário principalmente porque alguns locatários não estão mantendo seus lotes corretamente, apesar da grande dificuldade em consegui-los. É importante salientar que existem também algumas regras, e os locatários não são totalmente livres para fazer da terra o que bem entenderem. Dentre elas, podemos citar que pelo menos 75% da área total deve ser usada para cultivar as frutas e legumes. Dessa forma, gramados, galpões, pilhas de compostagem, flores e ervas, áreas de lazer, quando somadas, não devem ocupar mais do que 25% da área total do lote, o que cria certa organização em relação à ocupação e produção nos lotes.
Esse sistema de hortas urbanas pode ser considerado uma forma de agricultura de subsistência, pois é realizado em terrenos pequenos e médios, possui mão de obra familiar, necessita de baixa capitalização e baixa tecnologia, e tem produtividade reduzida. Em diferentes países, como a Inglaterra ou o Brasil, onde a inflação tem impactado no preço dos alimentos, a produção do próprio alimento pode ser uma solução interessante, inclusive para as grandes metrópoles, como o Rio de Janeiro e São Paulo. No entanto, o setor de subsistência brasileiro é quase sempre definido de maneira negativa ou residual, supostamente por não ser núcleo estruturante da economia, não possuir dinâmica própria e depender da grande lavoura. Ademais, como não é dirigido aos mercados, tende a ser absorvido e dominado (Delgado, 2004). Sobretudo, no Brasil, o chamado setor de subsistência parece contrapor-se à modernidade. No entanto, nada deveria ser considerado mais moderno e dinâmico do que desenvolver habilidades e capacidades, além de estimular estilos de vida saudáveis, como é o caso dessas hortas urbanas britânicas.
Veja aqui algumas imagens das hortas urbanas.
Referências Bibligráficas
Big expansion planned for Sheffield allotments. BBC; 2010 Set 15. [acesso em 21 jan 2014]. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/local/sheffield/hi/people_and_places/nature/newsid_9002000/9002864.stm
Delgado GC. O setor de subsistência na economia brasileira: gênese histórica e formas de reprodução. [acesso em 21 jan 2014]. Disponível em: http://desafios2.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Cap_1-10.pdf
Dig for Victory. [acesso em 21 jan 2014]. Disponível em: http://www.educationscotland.gov.uk/scotlandshistory/20thand21stcenturies/worldwarii/digforvictory/
Dig for Victory. [acesso em 21 jan 2014]. Disponível em: http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/2WWdig.htm
Leake J, Adam-Bradford A, Rigby JE. Health benefits of ‘grow your own’ food in urban areas: implications for contaminated land risk assessment and risk management? Environ Health. 2009 [acesso em 21 jan 2014];8(Suppl 1):S6. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2796502/. doi: 10.1186/1476-069X-8-S1-S6.
Um filme sobre a campanha ‘Dig for Victory’. [acesso em 21 jan 2014]. Disponível em: http://www.nationalarchives.gov.uk/theartofwar/films/dig_victory.htm
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