Com o tema Saúde se conquista com participação popular o I Fórum de Determinantes Sociais em Saúde do Oeste do Pará, promovido pelo Instituto de Saúde Coletiva (Isco) da Ufopa, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais agricultores e agricultoras familiares do Município de Santarém (STTR-STM), enfatizou o que de fato deve ocorrer com a implantação dos grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia – como as mineradoras, hidrelétricas e a monocultura.
O chamado “desenvolvimento” imposto pelas multinacionais geram trágicos impactos ambientais e na saúde da população. Além disso, o fórum discutiu o processo saúde-doença condicionado pela escassez de saneamento básico em Santarém e no Oeste do Pará; e defendeu sobre projetos e programas existentes em torno da agricultura familiar, como fortalecimento para uma vida saudável.
Relatos de quem viveu os trágicos problemas em juruti, Altamira e outras regiões forçadas aceitar hidrelétricas, mineradoras e o agronegócio mostraram aos participantes o que aconteceu de fato e não foi divulgado.
A defensa dos debates foi pela agroecologia que a cada dia precisa ser fortalecida contra o uso indevido do agrotóxico, seja ele usado direto ou indiretamente quando um produtor tenta manter sua plantação, mais o vizinho ao lado que planta grãos espalha sem nenhum controle o seu veneno.
O fórum contou com uma vasta programação, que incluiu debates sobre a agricultura familiar; saneamento básico e promoção à saúde; desenvolvimento e saúde do campo, florestas e águas; desenvolvimento na Amazônia e os impactos na saúde da população e ainda o lançamento do Dossiê da ABRASCO sobre os agrotóxicos e saúde. Fizeram parte deste evento os representantes do Ministério da Saúde, Fetagri, Contag, Fiocruz, Sttr-Stm, Cerest, Sindicato dos Urbanitários, Embrapa, Conselho municipal de saúde, Ministério Público Estadual, representantes dos Quilombolas de Santarém, indígenas, representantes dos municípios de Mojui dos Campos, Juruti, Oriximiná e Altamira.
No último dia do evento, 27 de abril, uma audiência pública foi realizada com a participação de representantes do Ministério Público do Estado do Pará e na ocasião foi aprovada e entregue a carta sobre os determinantes sociais em saúde e os impactos causados pelos grandes projetos na região. Entre as propostas descritas na carta podemos citar:- O reconhecimento dos nossos territórios e respeito aos nossos modos de vida e de uso das nossas riquezas naturais;- A implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas, pois defendemos o SUS universal, público, de qualidade que atenda as especificidades e a diversidade populacional;- A instalação do Comitê de Políticas de Equidade em Saúde no Estado do Pará e nas regiões de saúde, para contribuir com a gestão participativa desta política pública;
– A ampliação e manutenção do Programa Mais Médicos para o Brasil, especialmente, às populações do campo, da floresta e das águas, o qual mudou a realidade de acesso às ações e serviços do SUS no interior do país;- A realização de estudos e pesquisas sobre as complexas realidades locais, a fim de melhor compreender os determinantes sociais da saúde, as injustiças sociais e as relações com as iniquidades em saúde da população, buscando contribuir tanto na elaboração de ações para modificar a realidade quanto na qualidade de vida;
– O desenvolvimento de uma política pública de saneamento básico, contemplando as diferenças culturais e territoriais, com sustentabilidade ambiental e controle social, a instituição de um conselho municipal de saneamento básico, por meio de representação paritária aos moldes do Conselho de Saúde;
– A criação de um fórum intersetorial de combate aos agrotóxicos na Região Oeste do Pará, frente à realidade alarmante do uso indiscriminado de veneno agrícola;
– O fortalecimento e aprofundamento de políticas que potencializem a agricultura familiar em sua diversidade amazônica (ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, agricultores, indígenas, entre outros) posto ser esta que mais emprega e produz alimentos, garantindo assistência técnica e extensão rural na perspectiva da agroecologia, para a produção de alimentos saudáveis;
– A criação de um observatório interdisciplinar de políticas públicas no âmbito da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) em parceria com a comunidade local;
– A garantia que o atendimento prestado pela CASAI no Município de Santarém seja estendido a todos os povos da região, moradores indígenas na cidade ou não e em trânsito pela região;
– O destino de recursos financeiros ao serviço de saúde indígena independentemente da situação jurídica do território indígena junto a FUNAI, enquanto não se implantar um Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI próprio;
– Que a realização da Conferência de Determinantes Sociais da Saúde da região Norte aconteça no Oeste do Pará, objetivando aprofundarmos os debates aqui disparados e articularmos parcerias na execução das propostas.
De acordo com a coordenação o I Fórum encerrou positivamente por firmar inúmeras parcerias institucionais, onde o campo se integra nos estudos científicos em prol da população do oeste do Pará.
Leia a seguir a íntegra da CARTA DE SANTARÉM:
CARTA DE SANTARÉM
De 25 a 27 de abril de 2016 foi realizado o I Fórum de Determinantes Sociais na Saúde promovido pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará e Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agriculturas Familiares do município de Santarém.
Nós, trabalhadores(as), gestores(as), conselheiros(as), discentes e professores(as) da área da saúde, trabalhadores(as) na agricultura, indígenas, quilombolas, ribeirinhos(as), extrativistas, acampados e assentados da reforma agrária, entre outras representações, estivemos reunidos para problematizar a realidade local e identificar os principais condicionantes que possam estar interferindo ou que venham a interferir na saúde da população local. Nesse sentido, é preciso compreendermos melhor o contexto econômico, político e social, bem como a agenda de desenvolvimento para realizar ações, intervindo diretamente na realidade, objetivando melhorar a qualidade de vida da população.
Reconhecemos que a região Norte apresenta características específicas com grandes extensões territoriais, com dispersão populacional e dificuldades de deslocamento geográfico, as quais resultam em injustiças sociais, gerando impactos nas condições de saúde, de vida, de trabalho e renda de nossa população. Entendemos que estas diferenças são evitáveis, por meio de políticas públicas e da participação popular.
Ao longo de diferentes períodos históricos, tem imperado a condição colonial da Amazônia, integrada de forma subordinada aos interesses dos principais centros econômicos e políticos, dentro e fora do país. A abundância em recursos florestais, minerais e hídricos torna a região alvo dos mais diferentes interesses nas dimensões: econômica, social, política e ambiental, onde se predomina o direito à propriedade privada da terra sobre a posse ancestral.
As diferentes políticas de desenvolvimento imposta para a região são regidas pela indiferença às populações locais em que a regra tem sido a expropriação e a espoliação das populações tradicionais.
O modelo de desenvolvimento imposto pelos grandes projetos em nossa região não favorece as demandas das nossas populações tampouco fomenta a redução da desigualdade social.
O Estado do Pará é líder em concentração de terras na região, maioria grilada. No nosso Estado acontece o maior número de assassinatos de trabalhadores/as rurais na luta pela terra e lideramos o número de situações de trabalho análogo à escravidão. Nos destacamos ainda nos indicadores em desmatamento, além de contarmos com péssimas condições de educação, saneamento básico, saúde e habitação.
No caso específico da saúde pública, a realidade é de uma Atenção Básica precarizada, com imensa dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde, sobretudo, para as populações que já são historicamente marginalizadas. Faltam medicamentos, as condições de trabalho para as equipes e a estrutura para atendimento são sucateadas. A rede de atenção da região tem em Santarém a referência para a média e alta complexidade, porém o município não suporta o número de pessoas atendidas, uma vez que o hospital regional, gerido por uma Organização Social de Saúde, funciona à portas fechadas. Assim, o hospital municipal fica com a demanda estrangulada e a população vem padecendo nas filas e corredores. Há doenças que foram eliminadas em outras regiões, por exemplo, a hanseníase, a doença de chagas, malária, mas que permanecem entre as populações da região do Oeste do Pará.
São inexistentes políticas que promovam o Saneamento Básico na nossa região. Não há tratamento de esgoto, o fornecimento de água potável não é universalizado, como também não há coleta e destino adequados do lixo. As poucas experiências em curso não estão articuladas enquanto política pública e não garantem sustentabilidade ambiental.
A nossa avaliação é que, a agenda de “desenvolvimento” imposta de forma autoritária, constitui-se como uma ameaça à integridade de nossos territórios, às nossas múltiplas formas de uso da terra, da floresta, dos nossos rios, da nossa segurança alimentar e da saúde coletiva. Os grandes projetos são uma ameaça à vida e à nossa reprodução econômica, social, cultural e política.
O relato da realidade que se apresenta na região é a seguinte:
Em Juruti, a extração do minério gerou, inicialmente, um aumento de empregos, girando a economia local. Em contrapartida, multiplicou a população, aumentando a criminalidade, a prostituição, sobrecarregando as escolas e a rede de atenção básica à saúde. As trabalhadoras e os trabalhadores na agricultura são diretamente afetados, pois veem suas atividades comprometidas e não há melhoras significativas no município.
Para agravar esta situação, a mineradora está ampliando suas ações ao Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE Lago Grande, município de Santarém, onde afeta diretamente 42 comunidades.
Em Oriximiná, no início do projeto de mineração nos anos 1970, as pessoas foram removidas à força de suas casas, gerando muitos conflitos. Logo cresceu muito a população, com forte expressividade do êxodo rural, aumentou a prostituição, o desmatamento impactou na atividade extrativista, na pesca e na agricultura familiar, os dejetos contaminaram as águas, inclusive matando o Lago Batata. Com muita mobilização e organização política da população, conseguiram minimizar algumas situações, mas ainda no município há grande contradição e pouco desenvolvimento social frente aos anos de exploração das riquezas locais. Dentro do porto da mineração, onde vivem os trabalhadores, há um investimento na qualidade de vida apenas para algumas pessoas que trabalham na empresa e para a população da cidade não houve investimento. Até os dias de hoje não há saneamento básico no município, não há investimento na saúde e na educação e ainda há outras ameaças para o município, como a construção de uma hidrelétrica que já foi barrada outras vezes, mas está cada vez mais difícil resistir. Oriximiná é vista como uma cidade rica, mas com um povo pobre de recursos financeiros.
Em Mojuí dos Campos estão concentradas as maiores áreas de plantio de grãos em grande escala na região, com forte desmatamento, comprometendo a soberania econômica e alimentar, promovendo a contaminação da terra e das águas. Foi no início dos anos 2000 que o agronegócio se instalou no município e a expectativa é que teria um crescimento econômico e desenvolvimento social, mas ninguém sabia como seria. Hoje, o que se vê é a expulsão dos agricultores de suas terras, uma vez que foram cercados e pressionados para vender a propriedade. Mesmo com muito trabalho do STTR para conscientização dos agricultores para não abrir mão de suas terras, ainda vemos muita expansão do plantio de soja e milho. Como consequência desse êxodo rural aumentam as periferias das cidades e os agricultores sem terra para produzir, plantar seu alimento, ficam sem renda e sem saber o que fazer longe de seu território. O uso de agrotóxicos é indiscriminado e não há fiscalização. Para agravar, há ainda uma hidrelétrica instalada e as 13 comunidades que vivem ao lado até hoje não têm energia elétrica.
Nas regiões de Curuá-Una e Ituqui, município de Santarém, a realidade não é diferente. A forte pressão para a expansão de portos e do agronegócio afetou diretamente a vida da população. Aqueles que venderam seus pedaços de terra não viram melhorias e estão desempregados. Os pequenos produtores que ainda resistem tentam produzir sem veneno, como sempre fizeram. Mas há lugares que não conseguem produzir mais nada porque estão devastando nossas terras e contaminando tudo com veneno. As famílias são humilhadas e perseguidas para vender suas terras. As pessoas que venderam suas propriedades foram enganadas que iriam trabalhar na terra, sendo substituídas pelas máquinas. O que sobra, depois da instalação dos grandes projetos, é o desemprego, a prostituição, a criminalidade e aumento significativo do número de câncer e outras doenças que necessitam ser investigadas. Para a construção do Porto de Santana do Ituqui e do Porto do Maicá, áreas de preservação ambiental, passaram a ser de uso particular.
Os grandes empreendimentos previstos para Santarém com destaque a instalação de portos, tornando Santarém um corredor de escoamento de grãos, fortalecendo o agronegócio, hidrelétricas, mineração, crédito de carbono estão causando preocupação à população, pois coloca em risco a saúde dos povos e afetará a produção da agricultura familiar com o uso indiscriminado de agrotóxicos.
Diante destas condições, defendemos e propomos:
– O reconhecimento dos nossos territórios e respeito aos nossos modos de vida e de uso das nossas riquezas naturais;
– A implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas, pois defendemos o SUS universal, público, de qualidade que atenda as especificidades e a diversidade populacional;
– A instalação do Comitê de Políticas de Equidade em Saúde no Estado do Pará e nas regiões de saúde, para contribuir com a gestão participativa desta política pública;
– A ampliação e manutenção do Programa Mais Médicos para o Brasil, especialmente, às populações do campo, da floresta e das águas, o qual mudou a realidade de acesso às ações e serviços do SUS no interior do país;
– A realização de estudos e pesquisas sobre as complexas realidades locais, a fim de melhor compreender os determinantes sociais da saúde, as injustiças sociais e as relações com as iniquidades em saúde da população, buscando contribuir tanto na elaboração de ações para modificar a realidade quanto na qualidade de vida;
– O desenvolvimento de uma política pública de saneamento básico, contemplando as diferenças culturais e territoriais, com sustentabilidade ambiental e controle social, a instituição de um conselho municipal de saneamento básico, por meio de representação paritária aos moldes do Conselho de Saúde;
– A criação de um fórum intersetorial de combate aos agrotóxicos na Região Oeste do Pará, frente à realidade alarmante do uso indiscriminado de veneno agrícola;
– O fortalecimento e aprofundamento de políticas que potencializem a agricultura familiar em sua diversidade amazônica (ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, agricultores, indígenas, entre outros) posto ser esta que mais emprega e produz alimentos, garantindo assistência técnica e extensão rural na perspectiva da agroecologia, para a produção de alimentos saudáveis;
– A criação de um observatório interdisciplinar de políticas públicas no âmbito da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) em parceria com a comunidade local;
– A garantia que o atendimento prestado pela CASAI no Município de Santarém seja estendido a todos os povos da região, moradores indígenas na cidade ou não e em trânsito pela região;
– O destino de recursos financeiros ao serviço de saúde indígena independentemente da situação jurídica do território indígena junto a FUNAI, enquanto não se implantar um Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI próprio;
– Que a realização da Conferência de Determinantes Sociais da Saúde da região Norte aconteça no Oeste do Pará, objetivando aprofundarmos os debates aqui disparados e articularmos parcerias na execução das propostas.
Por fim, vimos com muita preocupação o momento político que estamos vivendo, com uma séria ameaça ao estado democrático de direito, com um golpe disfarçado de impeachment em curso. E por isso, afirmamos: não vai ter golpe e já tem muita luta!
Seguiremos combatendo o latifúndio, os grandes projetos e o uso de agrotóxicos, nos mantendo em defesa da vida, da agricultura familiar, da soberania e da democracia no nosso país!
Santarém – PA, 27 de abril de 2016.
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