Insegurança alimentar: mudanças socioeconômicas promoveram uma nova realidade na Região

Desnutrição caiu e quadro de sobrepeso e obesidade aumentou (Imagem: site saúde.br)

As mudanças socioeconômicas vivenciadas no Brasil, sobretudo na última década, refletiram, dentre outras coisas, na construção de uma nova realidade nutricional no País. Posteriormente ao processo de diminuição da desnutrição, a população brasileira passou a enfrentar um aumento no quadro de sobrepeso e de obesidade. Segundo os resultados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), entre os anos de 1996 e 2006 a desnutrição no Brasil teve uma redução de quase 50%, caindo de 13% para 7% no período.

Dentro deste novo cenário de transição nutricional, a região Nordeste vivenciou intensamente estas mudanças. Enquanto 22,1% da população de crianças menores de cinco anos sofriam de desnutrição em 1996, em 2006 este número não passou de 5,9%, ficando abaixo da média nacional e registrando uma queda de 67%. Em paralelo à diminuição dos quadros de desnutrição, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008/2009) revelou a prevalência de excesso de peso em 61,2% das mulheres e em 57,8% dos homens, ilustrando o novo quadro vivenciado no Nordeste. “Essa transição mostra claramente a dupla carga da má nutrição e da insegurança alimentar e nutricional, particularmente nas populações mais vulneráveis, em que muitas vezes inclusive se encontram situações de desnutrição infantil junto com obesidade nos adultos”, explica a coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Patrícia Jaime.

Atualmente, a obesidade nas populações adultas aumenta a um ritmo maior entre os pobres, em comparação com os ricos. As crianças mais pobres, no Brasil e no mundo, nascem com mais baixo peso (com menos 2.500 gramas) e têm mais retardo de crescimento nos cinco primeiros anos de vida. “Essas são evidências de déficits nutricionais. Paradoxalmente, na idade adulta, elas têm maiores riscos de sobrepeso, obesidade, dislipidemias e suas consequências tal como acontecia, tipicamente, com os ricos no passado. Nos novos cenários da modernidade, os papéis se confundem e até são invertidos. Males da riqueza passam também a figurar, crescentemente, com males da pobreza. É um quadro difícil de se compreender”, explica Malaquias Batista Filho, pesquisador e docente do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP-PE).

Ainda dentro da reflexão sobre a relação desta nova conjuntura da realidade nutricional no Brasil com as mudanças socioeconômicas vivenciadas, o médico e professor do Departamento de Nutrição do Centro de Ciências e da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CCS/UFPE), Pedro Lira atenta para a mudança da qualidade dos alimentos consumidos pela população. “Na última década, o avanço da epidemia de sobrepeso/obesidade teve como característica um aumento exponencial da prevalência nas populações de menor poder aquisitivo, em todas as faixas etárias, decorrente principalmente, do aumento do consumo de alimentos de elevada densidade energética e dos ultra-processados, com elevado teor de açúcar e sal e preços acessíveis a todas as classes econômicas”, comenta.

Ele destaca, ainda, a importância das condições gerais da vida das famílias para a realização de uma situação nutricional mais harmoniosa, como também acredita Patrícia Jaime. “É notável que apesar das prevalências de excesso de peso e de obesidade aumentarem com a renda, o maior aumento proporcional nessas prevalências tem ocorrido nos grupos de menor renda familiar, reforçando que a insegurança alimentar e nutricional está diretamente relacionada à transição nutricional pela qual a população brasileira vem passando. Em paralelo, são reconhecidos como importantes determinantes sociais para as doenças crônicas as desigualdades sociais, as diferenças no acesso aos bens e aos serviços, a baixa escolaridade, renda e as desigualdades no acesso à informação”, comenta a coordenadora.

Para Malaquias Filho, a transição nutricional vivenciada no país exige também uma nova maneira de lidar com a questão. “A transição nutricional, com suas duas faces do bem e do mal se sucedendo e até se superpondo, é um processo surpreendente por sua rapidez, suas demandas e suas consequências. Os sistemas públicos de saúde não têm a mobilidade necessária para responder às mudanças que estão ocorrendo. As próprias atividades de pesquisa, mais ágeis para descrever e avaliar os passos da transição, não estão acompanhado a velocidade dos fatos”, acredita. Entre os desafios que devem ser enfrentados pelo Estado na construção de uma realidade nutricional mais equilibrada no Brasil, a intersetorialidade é um fator importante.

A coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Patrícia Jaime, destaca que o Governo Federal está acompanhando as mudanças vivenciadas pelas famílias brasileiras e que já começou a elaborar ações específicas para lidar com a transição nutricional. “O Ministério da Saúde vem organizando eixos de atuação para o Sistema Único de Saúde, que trabalham com a vigilância, a prevenção, o controle e o tratamento, orientadas particularmente pelas Políticas Nacionais de Alimentação e Nutrição e de Atenção Básica e integradas com  o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis no Brasil”, explica.

Além da atuação dentro do setor saúde e do investimento em ações de atenção básica e de maior complexidade focada na questão da alimentação e nutrição citados pela coordenadora – revisão do Caderno de Atenção Básica sobre Obesidade, definição de diretrizes clínicas e organização da linha de cuidado para o tratamento da obesidade na rede de atenção do SUS e expansão do Programa Academia da Saúde – é preciso interagir com outros organismos dentro do Estado, como forma de garantia da saúde como condição de vida e da compreensão da situação nutricional como desdobramento também destas condições.

Segundo Patrícia Jaime, esta interação também faz parte da iniciativa do Ministério da Saúde. “Estamos trabalhando a articulação intersetorial com outras áreas de governo e setores, incluindo as ações no ambiente escolar, em equipamentos e programas sociais do governo (restaurantes populares, agricultura familiar) e também com o setor produtivo, como mediante a reformulação dos alimentos processados com vistas à redução dos teores de sódio, açúcar e gorduras”, conclui.

Referências bibliográficas

Ministério da Saúde. Pesquisa nacional de demografia e saúde da criança e da mulher. Saúde e estado nutricional de crianças menores de cinco anos. Brasília (DF); 2006 [acesso em 22 abr 2013]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/saude_nutricional.php

IBGE. Pesquisas de orçamento familiar 2008-2009:  despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 22 abr 2013]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009/POFpublicacao.pdf

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1 Comentário

  1. Excelente materia. Os especialistas revelam que a insegurança alimentar e nutricional está diretamente relacionada à transição nutricional pela qual a população brasileira vem passando. O mais imprecionante é verificar que por tras de tudo está, mais uma vez, o paradoxo do desenvolvimento: “apesar das prevalências de excesso de peso e de obesidade aumentarem com a renda, o maior aumento proporcional nessas prevalências tem ocorrido nos grupos de menor renda familiar”. Insegurança Alimentar um tema que merecerá destaque na Conferencia Regional sobre DSS-NE.

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