O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas – como açúcar, café e etanol de cana-de-açúcar –, além de ser o líder nas vendas externas de soja. Usados para potencializar a produção e para conter a ação de seres vivos considerados danosos aos plantios – as pragas – os agrotóxicos que ajudam a aumentar a produtividade também podem causar danos à saúde humana e ao meio ambiente. Benefícios e malefícios do uso destes insumos são separados uma linha tênue, que divide opiniões de especialistas no assunto.
O clima predominantemente tropical do país é um dos fatores que contribuem para o uso dos agrotóxicos no Brasil. Geraldo Eugênio, engenheiro agrônomo e superintendente de pesquisa e pós-graduação do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), alerta que as condições climáticas do país não devem expor trabalhadores e consumidores aos riscos provocados pelo contato com estes insumos. “Mesmo sendo um país tropical e não contando com o período frio das regiões temperadas que serve como ‘quebra’ dos ciclos de vida destas espécies, a aplicação de defensivos tem sido exageradamente elevada, encarecendo o custo de produção e colocando a saúde da população em risco”, explica.
O Nordeste não acompanhou o ritmo de ampliação do uso destes insumos a exemplo de outras regiões, como o Sudeste e o Centro-oeste, devido à carência de investimentos, ao retardamento industrial e à menor capacidade de produção em comparação ao resto do país. Apesar disso, em culturas como a soja, o uso desses produtos é intenso e embora não esteja entre os maiores consumidores de agrotóxicos no país, a região sofre com os efeitos danosos do consumo irresponsável destes produtos. Segundo o último censo agropecuário, realizado em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 78,60% dos estabelecimentos pesquisados na região afirmaram não utilizar defensivos em suas produções. Na região Sul, 59,72% afirmaram usar defensivos, número que não chegou aos 25% do Sudeste e a 17% no Centro-oeste.
Entre os grandes consumidores de agrotóxicos no Nordeste estão o Ceará, onde 29,44% dos estabelecimentos utilizam os defensivos, e Paraíba, onde 30,37% confirmaram o uso. Para a pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e especialista no assunto, Lia Giraldo, as características econômico-sociais do Nordeste são um agravante deste consumo. “A situação social nesses territórios é muito grave a começar pelo analfabetismo e pela precária assistência à saúde. A violência e a perda de identidade cultural diminuem a resiliência de suas populações e as submete a uma maior exposição aos agrotóxicos”, comenta a pesquisadora. Enquanto no Sul do país 34,36% das embalagens vazias são devolvidas aos comerciantes e 11,23% são recolhidas pela prefeitura e outros órgãos públicos ou entregues à central de coleta, no Nordeste mais da metade das embalagens são queimadas ou enterradas e apenas 0,2% são recolhidas apropriadamente.
Segundo os dados mais recentes divulgados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), em 2010 foram registrados 823 casos intoxicação humana por agrotóxicos de uso agrícola na região Nordeste, sendo que 65,6% dos episódios (82 casos) resultaram em óbito, enquanto na região Sul foram contabilizados 898 episódios de intoxicação, levando 20 pessoas a óbito (55,56% dos casos). Mesmo com esses números, Lia Giraldo atenta para o fato do impacto do uso dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores não estar sendo devidamente diagnosticado. “O ocultamento dos riscos e dos danos do modelo agrícola químico dependente é totalmente blindado pelas políticas econômicas locais, que seguem a mesma cartilha do Governo Federal, talvez com o diferencial de produzir, no Nordeste, maior violência, maior dano ao ambiente e à saúde, por sua baixa resiliência socioambiental”, explica a pesquisadora.
Através do consumo de produtos comprometidos, do contato com o ambiente contaminado ou trabalhando nas plantações, a população é exposta aos impactos negativos que estes insumos podem causar à saúde. “Muitos estudos evidenciam cientificamente agravos associados aos agrotóxicos além dos estudos experimentais em laboratórios que mostram o desenvolvimento de danos no organismo dos animais. Ocorre que agora temos ainda mais evidências epidemiológicas, revelando que em áreas de produção ocorrem diversas doenças com maior prevalência do que em outras não expostas”, explica Lia Giraldo, que pontua ainda que esta evolução no diagnóstico não tem o mesmo ritmo tratando-se dos consumidores. “É muito difícil demonstrar o mesmo fenômeno na população consumidora devido à falta de monitoramento e de avaliação da saúde, bem como pela sobreposição de condicionantes e situações desencadeadoras”, explica, atentando à necessidade de um novo enfrentamento à questão.
Para conter os reflexos negativos da utilização destes defensivos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realiza, desde 2001, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), que tem como objetivo monitorar e avaliar, junto às Vigilâncias Sanitárias estaduais, os níveis de resíduos de agrotóxicos que chegam à mesa das famílias brasileiras. Os resultados do último PARA, realizado em 2010, revelam que das 2.488 amostras coletadas pelo programa, 28% apresentaram alguma irregularidade. Deste total, em 24 amostras, que representam 3% dos casos, os problemas estavam relacionados à constatação do uso de agrotóxicos não autorizados para a cultura analisada. Já em 1,7% das amostras foram encontrados resíduos de agrotóxicos em níveis acima dos autorizados. “Esses resíduos indicam a utilização de agrotóxicos em desacordo com as informações presentes no rótulo e bula do produto, ou seja, indicação do número de aplicações, quantidade de ingrediente ativo por hectare e intervalo de segurança, fora do recomendado pelos órgãos registrantes”, comenta o diretor de Monitoramento e Controle Sanitário da Anvisa, José Agenor Álvares, que diz ainda que nos 1,9% restantes as duas irregularidades foram encontradas simultaneamente no mesmo produto.
Em 2010, 25 estados e o Distrito Federal participaram do PARA. O programa avaliou os resíduos presentes em 18 culturas, escolhidas pela importância que têm na cesta básica do brasileiro. Entre elas estão arroz, tomate, pimentão, manga, feijão e laranja. Responsável pela regulação e restrição do uso de agrotóxicos no Brasil, até o ano de 2008 a Anvisa conseguiu proibir o uso de quatro ingredientes ativos e limitar a atualização de outros 19, usados na fabricação de mais de 300 agrotóxicos no país. “Em 2008, uma série de decisões judiciais impediram a Anvisa de realizar a reavaliação de 14 ingredientes ativos. Empresas de agrotóxicos e o próprio Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola recorreram ao Judiciário para impedir a agência de cumprir seu papel”, explica José Agenor Álvares, que acredita na contribuição disto para o Brasil continuar produzindo e importando agrotóxicos proibidos em outros países do mundo.
Depois de alguns recursos judiciais, a agência pôde iniciar a reavaliação de 14 substâncias ativas e já determinou a retirada de mais quatro ingredientes (cihexatina, endossulfan, metamidofós e triclorfom), restringiu o uso do fosmete (tipo de agrotóxico), entre outras ações.
Além da atuação da Anvisa, outras medidas vêm sendo tomadas para que o uso dos agrotóxicos aconteça de forma mais consciente e responsável, com menos prejuízos à saúde e ao meio ambiente. Entre elas estão: a difusão de campanhas da mídia, aulas sobre os assuntos nas escolas, a atuação do Ministério Público no fórum de combate aos efeitos dos agrotóxicos e a implementação da vigilância epidemiológica e difusão dos resultados do PARA.
Para Lia Giraldo, é preciso ir além das medidas já realizadas com sucesso. “As revisões bibliográficas de publicações que mostram os danos à saúde humana, animal e ambiental desses produtos são suficientes para, de maneira imediata, proibi-los. No entanto, tem havido uma intensa judicialização do processo de revisão desses agrotóxicos, com penalização dos gestores que atuam na perspectiva de cumprir o papel de defensores dos interesses públicos”. comenta. Para ela é necessário que haja uma política pública para o enfrentamento mais direto dos impactos do uso dos agrotóxicos, especialmente voltada para uma reconversão tecnológica livre da dependência química. “Para mim esta é a única maneira de evitar os problemas de saúde pelo uso de agrotóxicos e consumo de alimentos contaminados. É importante sinalizar que não há uso seguro de agrotóxicos, bem como não há um limiar seguro de ingestão dessas substâncias, embora sejam admitidos esses riscos”, conclui a pesquisadora da Fiocruz Pernambuco.
Referências Bibliográficas
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