Indicador do Observatório sobre este tema:
ind010401
A inatividade física foi um dos temas abordados pelo VIGITEL, inquérito telefônico em capitais brasileiras e Distrito Federal, sendo considerado um adulto inativo fisicamente quando ele não praticou qualquer atividade física no tempo livre nos últimos três meses e não realizou esforços físicos intensos no trabalho, não se deslocou para o trabalho ou escola caminhando ou de bicicleta, e não foi responsável pela limpeza pesada de sua casa. Em 2010, segundo o VIGITEL, a frequência de indivíduos fisicamente inativos maiores de 18 anos por capital variou entre 10,7% em Manaus e 22,1% em Rio Branco. No conjunto da população adulta das cidades estudadas, observou-se que a inatividade física foi maior entre os homens (15,0%) do que entre as mulheres (13,6%), e a frequência da inatividade física aumentou diretamente com a escolaridade entre as mulheres.
Segundo Pedro Curi Hallal, do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a inatividade física é a causa de uma em cada dez mortes no mundo. O autor enfatiza que a questão sobre a prática de atividade física na população é multifatorial e complexa, e revela que, a revolução tecnológica empreendida pelas sociedades contemporâneas globalizadas, e a falta de uma contrapartida de planejamento urbano e estratégias de saúde pública, produz estilos de vida cada vez mais propensos à inatividade. Na pesquisa realizada por ele e colaboradores, publicada no The Lancet, os autores revelam que a inatividade física é responsável por 6% das ocorrências de doenças cardiovasculares (variando de 3-2% no Sudeste Asiático a 7-8% no Leste Mediterrâneo), por 7% das ocorrências de diabete tipo 2, por 10% dos casos de câncer de mama e 10% dos casos de câncer de cólon, e por 9% das mortes prematuras, ou seja, mais de 5,3 milhões das 57 milhões de mortes ocorridas no mundo em 2008.
Segundo recomendações da OMS, a quantidade de atividade física suficiente para manutenção da saúde seria a prática de pelo menos 30 minutos diários de atividade física de intensidade leve ou moderada, em cinco ou mais dias da semana, ou a prática de pelo menos 20 minutos diários de atividade física de intensidade vigorosa, em três ou mais dias da semana. Porém, para Alan Knuth, da Universidade Federal de Pelotas (RS), e colaboradores, que analisaram dados da PNAD 2008 referentes ao sedentarismo e atividade física, apenas 10,5% dos brasileiros com 14 anos ou mais de idade cumprem as recomendações para atividade física de lazer. Os autores relataram que o comportamento mais ativo foi mais frequente em indivíduos com maior escolaridade, exatamente o oposto ao observado para atividade física no deslocamento para o trabalho, a qual é marcada como um comportamento de jovens e indivíduos de baixa escolaridade. A inatividade física foi de 20,2% e o hábito de assistir pelo menos 3 horas de televisão foi um comportamento bastante comum na população brasileira.
Na análise dos dados da PNAD apresentados por Knuth e colaboradores também foram encontradas diferenças regionais, principalmente no que diz respeito à atividade física realizada no deslocamento para o trabalho, que é mais comum nas regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste), em homens, pessoas mais jovens e com baixa escolaridade. Os autores relataram que aparentemente esse tipo de atividade física não é realizada como opção de promoção da qualidade de vida, mas é fundamentada basicamente pela necessidade, levando-nos a crer que existem fatores sociais que influenciam as escolhas dos indivíduos, e que estão para além de um ‘estilo de vida’ ideal.
Homens, jovens e indivíduos de maior escolaridade são mais ativos, o que mais uma vez remete a um aspecto social, onde a atividade física no lazer, por muitas vezes, está restrita a determinados grupos populacionais. Estratégias públicas de promoção da atividade física na comunidade têm aumentado recentemente em nosso país (Knuth et al., 2011), e devem ser fortalecidas e encorajadas. O próprio Observatório já publicou sobre a experiência bem-sucedida da cidade de Piripiri no Piauí, onde as evidências científicas subsidiaram a formulação de um programa local de promoção da saúde focada na atividade física como facilitadora da mudança do estilo de vida, denominada “Academia na Praça”. Knuth e colaboradores enfatizam que essa divulgação de experiências exitosas e articuladas com o Sistema Único de Saúde deve ser incentivada, pois podem aproximar brasileiros de atividades físicas prazerosas e com significado próprio, de comunidades e contextos locais.
Conforme foi discutido na notícia sobre excesso de peso no portal e observatório sobre iniquidades em saúde, atos aparentemente simples, como se exercitar, estão presos a hábitos de vida mais complexos, e o estilo de vida associado a circunstâncias sociais (Sheiham & Watt, 2000). Sendo assim, é relevante discutir a transição do papel causal dos comportamentos individuais, que receberam um enfoque exagerado nos últimos tempos, para modelos mais ampliados que considerem outros fatores relacionados à estrutura social. As condições de vida afetam a maneira como estilos de vida são sustentados, e por isso a prevalência de adultos com 18 ou mais anos de idade fisicamente inativos, por ano, segundo região e escolaridade é apresentada no Site e Observatório em Iniquidades em Saúde da Fiocruz (Ind010401) como indicador de estilo de vida.
Segundo os dados do VIGITEL apresentados pelo Observatório (Ind010401), a prevalência de indivíduos inativos residentes das capitais e do Distrito Federal com 18 anos ou mais foi de 14,2%, apresentando uma redução significativa (em torno de 15%) em relação ao ano de 2008. Em todos os anos analisados (2006, 2007, 2008, e 2010), os indivíduos com maior escolaridade foram os que apresentaram maior prevalência de inatividade. Além disso, comparadas aos outros anos estudados, o ano de 2008 foi o que apresentou as maiores prevalências de inatividade física em todas as faixas de escolaridade.
A região Nordeste foi a que apresentou maior prevalência de inatividade física (16,2%), em contraposição à região Sul (12,6%) no ano de 2010, e essa tendência se repetiu nos outros anos analisados. Exceto nas regiões Sul e Centro-Oeste os indivíduos com menos escolaridade apresentaram maior prevalência de inatividade física, nas outras regiões ocorreu o oposto, e os mais escolarizados apresentaram maior inatividade física.
A maior prevalência de inatividade física entre os indivíduos com maior escolaridade pode ser explicada pelo fator ‘falta de tempo’ disponível para o lazer, relatado com frequência como uma barreira à prática de exercícios físicos ou esportes. Além disso, o deslocamento para o trabalho entre aqueles com maior escolaridade é feito por meios de transporte passivos, como ônibus, carro ou moto, e por práticas de entretenimento sedentárias durante o tempo livre. Em contrapartida, nas regiões onde houve uma associação inversa, devido a maior longevidade, os idosos passaram a representar uma proporção maior na categoria de menor escolaridade, levando ao aumento da prevalência de inatividade física.
Apesar das evidências relacionadas ao benefício para saúde e o bem-estar decorrentes da prática regular de atividade física, há uma tendência de aumento na proporção de indivíduos inativos, independente da idade. Por isso, o campo da pesquisa e das intervenções em saúde pública são fundamentais para mudança desse quadro. Quanto mais cedo ocorrerem, mais precocemente poderão ser instituídos estilos de vida mais ativos. A disponibilização de informações em saúde, como aquelas encontradas no Observatório, tem entre outras finalidades oferecer dados básicos para um campo de pesquisa onde existem ainda muitas lacunas de conhecimento, principalmente em relação aos determinantes sociais na prática da atividade física. Somente com esse conhecimento, e o de estudos que levem em conta variáveis de natureza qualitativa, como por exemplo, as concepções acerca do ideal de corpo segundo o gênero, será possível a elaboração de políticas de conscientização em relação à saúde, visando o alcance de resultados que impactem positivamente na qualidade de vida da população.
*Imagem: www.saude.gov.br
Referências Bibliográficas
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Por Gabriela Lamarca e Mario Vettore.
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