O modelo britânico unificado de bem-estar no local de trabalho

Condições de trabalho equânimes são fundamentais para a saúde dos trabalhadores. Estes, por sua vez, representam uma parcela significativa do componente econômico e produtivo de um país. Boas condições de trabalho, além de serem a maneira mais justa e coerente de incentivar a produção e a satisfação em empresas públicas e privadas, se convertem em menor absentismo por doença, menor rotatividade de pessoal e maior produtividade, ou seja, trabalhadores mais produtivos e seguros. Segundo a OMS, a segurança, a saúde e o bem-estar dos trabalhadores são questões que se estendem para além dos indivíduos e suas famílias, englobam as comunidades e as economias nacionais e regionais.

No Brasil é crescente o interesse de muitas organizações no desenvolvimento de estratégias para valorizar seu quadro de funcionários, estabelecendo as condições necessárias para que tenham um bom desempenho, satisfação e bem-estar. Não é raro ver ações e práticas organizacionais e gerenciais sendo recomendadas para esse grupo (Sant’anna et al., 2012).

Apesar de existirem várias normas publicadas pelo Ministério do Trabalho e do Emprego do Brasil ainda não há nenhum documento unificado de recomendações unificadas que esteja relacionado ao bem-estar no trabalho e que possa ser usado pelas organizações. Temos disponível até então a legislação para grupos específicos de trabalhadores. Informações sobre segurança no trabalho, produtividade, competitividade, sustentabilidade das empresas, além de orientações sobre adaptação de um modelo de ambientes saudáveis ao contexto e necessidades locais, são apresentadas em uma publicação elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2010), e traduzida pelo SESI (Serviço Social da Indústria), em consonância com o Plano Global de Ação. No entanto, não há sistematização de seu uso, muito menos unificação na aplicabilidade entre as organizações.

Enquanto ainda temos muito a progredir na área da saúde e bem-estar do trabalhador, no início do mês de junho desse ano foi lançada no Reino Unido a “Carta de Bem-estar no Trabalho”. Nesta carta foram revisitadas e reforçadas as recomendações relacionadas aos ambientes de trabalho saudáveis ??e a necessidade de todas as organizações trabalharem, por meio de recomendações únicas, para melhorar a saúde e o bem-estar de seus funcionários.

Historicamente, têm-se usado diversos programas de bem-estar no trabalho em todo Reino Unido, que são mesclados e aplicados cada um com suas próprias normas e requisitos de informação. Em consequência desta prática, as grandes organizações têm recebido diferentes conselhos vindos de diversas fontes, além de não terem uma coordenação nacional. Para outras empresas, o maior desafio têm sido a falta de apoio local, pois algumas diretrizes (cartas) de bem-estar no local de trabalho só estavam disponíveis para determinadas localidades.

Este primeiro conjunto de diretrizes britânicas para o bem-estar no local de trabalho foi criado pela equipe do Conselho Municipal de Liverpool, com base na sua própria carta de bem-estar no trabalho complementada por outros documentos oriundos de todo o país. Devido à sua estrutura clara, a Carta facilitará a identificação de lacunas nas áreas de saúde, segurança e bem-estar dos funcionários de uma organização, sendo possível embasar o desenvolvimento de estratégias e planos de ação. Além disso, como o processo de elaboração do documento foi robusto e baseado em evidências, o bem-estar no local de trabalho (agora) está sendo amplamente reconhecido como o padrão de negócios em toda a Inglaterra. Como é semelhante a uma certificação, ajuda a fortalecer a marca e reputação da organização, suporte em vendas e atividades de marketing.

Segundo o Conselho de Liverpool, a Carta tem como base três elementos-chave: liderança, cultura e comunicação. Para eles, a inter-relação dessa tríade é responsável por originar o bem-estar no local de trabalho. A liderança diz respeito, principalmente, ao entendimento e a crença do valor de um local de trabalho saudável, onde as prioridades são identificadas, as barreiras são removidas e onde o apoio é provido. Envolve também uma cultura de saúde e bem-estar dentro das organizações, garantindo um ambiente de trabalho seguro e saudável, incluindo o apoio aos funcionários com doenças ou incapacidades/deficiências, além de promover um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. No entanto, nada disso se inter-relaciona sem uma efetiva comunicação, já que todos os funcionários devem se sentir incluídos e envolvidos.

As organizações que utilizarem essa Carta poderão ser avaliadas em três níveis/quesitos: compromisso, realização e excelência – cada um contendo diferentes padrões a serem alcançados. Todos os três níveis consideram diferentes temas relacionados ao bem-estar, tais como saúde mental, atividade física, tabagismo, álcool e abuso de substâncias, alimentação saudável, gestão de ausência e de saúde, e segurança.

A aplicação das recomendações da Carta de Bem-estar no Trabalho permitirá aos empregadores do Reino Unido aferirem o seu desempenho, não apenas dentro de sua localidade, mas poderão comparar seus resultados com os obtidos em todo o país. As empresas irão ter uma ideia melhor em relação ao que estão fazendo para melhorar a saúde e bem-estar dos funcionários, e poderão buscar inspiração e conselhos de outras organizações similares para melhorarem o seu desempenho.

Experiências positivas em relação à saúde e o bem-estar do trabalhador são fenômenos essenciais para o funcionamento adequado e competitivo de uma organização. Além disso, o envolvimento da empresa com a comunidade pode fazer uma grande diferença tanto para os setores mais vulneráveis da força de trabalho das organizações como para os moradores da comunidade. No Brasil, onde o acesso aos serviços de saúde pública ainda precisa de melhorias, e a legislação trabalhista e ambiental ainda são fracas ou inexistentes, a ‘preocupação’ das empresas com o bem-estar de seus funcionários somada ao maior comprometimento da organização com a comunidade, podem fazer uma grande diferença para saúde do trabalhador, para sua qualidade de vida e de sua família.

Referências Bibliográficas

Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação para empregadores, trabalhadores, formuladores de políticas e profissionais. Genebra: OMS/ SESI, Tradução; 2010. [acesso em 31 out 2014]. Disponível em: http://www.who.int/occupational_health/ambientes_de_trabalho.pdf

Portal do Trabalho e Emprego. [acesso em 31 out 2014]. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/geral/publicacoes/

Sant’anna LL, Paschoal T, Gosendo EEM. Bem-estar no trabalho: relações com estilos de liderança e suporte para ascensão, promoção e salários. Rev Adm Contemp [periódico na internet]. 2012 [acesso em 31 out 2014];16(5):744-764. Disponível em:  http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-65552012000500007&script=sci_arttext

The Workplace Wellbeing Charter. [acesso em 31 out 2014]. Disponível em: https://www.wellbeingcharter.org.uk/ http://www.wellbeingcharter.org.uk/media/PDF/WWC_Self_Assessment_Standards_A4_Booklet_Liverpool_2_WEB.PDF

Vickers-Byrne T. Towards a national model of workplace wellbeing. London: Blog Public Health Matters; 2014 June 02. [acesso em 31 out 2014]. Disponível em: https://publichealthmatters.blog.gov.uk/2014/06/02/towards-a-national-model-of-workplace-wellbeing/

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