Pesquisadores do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP) e de outras instituições e profissionais da área estiveram reunidos, por dois dias, para o lançamento do Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco e Workshop sobre o artigo 5.3 da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT/OMS). Na ocasião, foi lançada a primeira plataforma digital, criada por uma instituição pública da área de saúde que objetiva demonstrar a interferência da indústria do fumo nas políticas públicas de controle do tabaco. A ferramenta, que permitirá colaborações externas, armazenará documentos que demonstram a influência da indústria nos processos políticos e legislativos, promovendo parcerias com lobistas para obter decisões que contemplem seus interesses. Segundo a pesquisadora Silvana Turci, do Cetab/ENSP, o observatório é mais um instrumento para confirmar a atuação da indústria do tabaco na tentativa de comprometer as ações que resultem em políticas efetivas de controle.
O Observatório cria uma nova linha de investigação com foco no conhecimento e sistematização de informações, as quais responderão questões relevantes para contrapor as táticas da indústria. Também serve como modelo a fim de monitorar as ações de outras indústrias, como a de alimentos ultraprocessados, bebidas alcoólicas e refrigerantes, considerando que há inegável semelhança entre as estratégias utilizadas por todas essas empresas com o intuito de desvirtuar políticas que favoreçam a redução da exposição aos fatores de risco de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). A plataforma digital segue o exemplo do website Tobacco Tatics, hospedado na Universidade de Bath, do Reino Unido, e se alinha, também, às diretrizes da Organização Mundial da Saúde, que vem apoiando o desenvolvimento de observatórios semelhantes nos países que compõem o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Para apresentar o Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco, a pesquisadora do Cetab, Silvana Turci, lembrou que, no artigo 5.3 da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, ao estabelecer e implementar suas políticas públicas relativas ao controle do tabaco, está determinado que as partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais da indústria do tabaco, em conformidade com a legislação federal. A pesquisadora apresentou alguns princípios norteadores do Observatório. Segundo ela, “existe um conflito fundamental e irreconciliável de interesses entre a indústria do tabaco e a saúde pública; dessa forma, as partes devem ser responsáveis e transparentes ao lidar com a indústria e devem exigir que a indústria opere de maneira responsável e transparente. Além disso, devido à natureza letal de seus produtos, não devem ser fornecidos incentivos para a indústria estabelecer seus negócios”.
Silvana apontou algumas recomendações para lidar com a interferência da indústria do tabaco, entre elas, aumentar a conscientização sobre a natureza aditiva dos produtos de tabaco e sobre a interferência da indústria das políticas públicas; estabelecer medidas para limitar a ação da indústria a garantir transparência; rejeitar parcerias e acordos não vinculantes com a indústria; evitar conflito de interesses por parte do governo; exigir que as informações fornecidas pela indústria sejam transparentes e precisas; e desnormatizar e regular as atividades da indústria como ‘socialmente responsável’. A pesquisadora citou, ainda, os parceiros que ajudaram no desenvolvimento do Observatório: The Union, Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (FCTC, da sigla em inglês), Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq/Inca) e Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).
O Observatório pode ser acessado pelo endereço http://cetab.ensp.fiocruz.br/index.php/ e contribuições enviadas para o e-mail cetab.observatorio@ensp.fiocruz.br. Silvana apresentou, ainda, as principais estratégias da indústria, como fazer manobras para capturar os processos políticos e legislativos; exagerar a importância econômica da indústria para o país; manipular a opinião pública para ganhar aparência de respeitabilidade; fabricar apoio por meio de grupos de fachada; depreciar pesquisas científicas comprovadas; intimidar os governos com litígio ou ameaça de litígio. Por fim, a pesquisadora citou que, no Observatório, também constarão informações adicionais como nomes de pessoas ligadas à indústria do tabaco – políticos, advogados e blogueiros – e organizações ligadas à indústria – escritórios de advocacia, empresas de fachada e agências de publicidade.
Cerimônia de Abertura
Para inaugurar o Observatório, o evento contou com uma mesa de abertura composta de diversas autoridades, entre elas: Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz; Vera Luiza da Costa e Silva, chefe do Secretariado da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco; Fernando Mendes Garcia, diretor de Regulação Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Luiz Fernando Bouzas, diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca); Jorge Laucirica, representante da Organização Mundial da Saúde (OMS); Cristiane Vianna, representante da The Union no Brasil; Hermano Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública, e Valeska Figueiredo, coordenadora do Cetab/ENSP.
Durante a solenidade, a coordenadora do Cetab/ENSP, Valeska Figueiredo lembrou da criação do Centro, em 2012, como uma forma de consolidar e alavancar o papel da Fiocruz no tema. “Esse Observatório é uma construção compartilhada que representa um marco na importância da Convenção Quadro”. O diretor da ENSP, Hermano Castro, reforçou o lançamento do Observatório como uma referência na área, mencionando que, como pneumologista – seu campo de formação e atuação profissional – convive há anos com a luta contra o tabagismo. “É preciso combater esse problema mundial. A indústria do tabaco e a indústria farmacêutica contribuem cada vez mais para o agravo desse problema. Já avançamos muito na luta contra o tabagismo, mas ainda temos muito para avançar. Trata-se de uma luta constante pela nossa vida”, ressaltou.
Representando a diretoria da The Union, Jorge Laucirica, destacou o papel do Brasil na luta e controle do tabaco. “O Brasil foi o primeiro país a possuir uma Comissão Intergovernamental (Conicq) para implementar a Convenção Quadro, além de ser o primeiro país a vetar o uso de aditivos nos produtos derivados do tabaco”, destacou. O diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Luiz Fernando Bouzas, lembrou que o Inca já vem atuando em parceria com países da América Latina e, agora, com o Observatório, vai continuar nesse caminho. “Esse Observatório servirá como modelo para outras ações no controle das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e do câncer, que, lamentavelmente, vai se tornar a principal causa de morte da próxima década.”
O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, defendeu o lançamento do Observatório como um importante passo na consolidação das políticas antitabagistas e reforçou a questão de que, sem conhecer as estratégias utilizadas pela indústria, não há como regular. “Atualmente, eu presido a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, e nossa visão é a de que é necessário trabalhar a questão das drogas sob a visão da saúde pública e contra a visão do proibicionismo. É hipocrisia diferenciar, por exemplo, drogas e tabaco. Acredito que o controle da regulação é o melhor caminho”. Para a chefe do Secretariado da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, Vera Luiza da Costa e Silva, a inauguração do Observatório brasileiro é um importante momento para se refletir sobre seu papel em uma rede global de centros interligados. “Juntos, esses observatórios – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – irão monitorar o comportamento da indústria do tabaco por meio de uma área bastante vasta, na qual habitam 40% da população mundial.”
Segundo ela, os observatórios do Brasil e dos países que compõem o Brics serão como torres sentinelas do movimento da saúde pública que ajudarão a observar o panorama do controle do tabagismo de maneira mais detalhada. “Com o Observatório, haverá comunicação com profissionais em âmbito nacional e, também, uma função internacional ao se comunicar com outros observatórios para criar um entrelaçado global que descreverá o comportamento da indústria do tabaco em todos os continentes. Somente por meio da melhor compreensão do nosso inimigo vamos poder desenvolver nossas próprias respostas e, dessa maneira, reverter o aumento do consumo do tabaco em todo o mundo”, concluiu Vera.
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