Olhar para o futuro: as perspectivas e necessidades com a intervenção pública em Manguinhos

Complexo de Manguinhos: moradores atravessam linha férrea/ Foto: ENSP/Fiocruz

Há poucas semanas, no dia 14 de outubro, o território de Manguinhos, uma área pobre e devastada pela violência e a escassez de serviços básicos, localizada na região Norte do Rio de Janeiro, passou a viver sob a perspectiva de viabilidade de acesso a serviços essenciais e melhores condições de vida, segurança e saúde. Desde então a região está sob ocupação policial realizada pelo Governo do Estado, com auxílio das polícias locais, além das Forças Armadas. Fora a questão da violência, que alicerça toda a problemática social envolvendo o Complexo de Manguinhos, uma enorme lista de necessidades ligadas à miséria em que vive a população local vem à tona com a ocupação, lembrando a necessidade do enfrentamento de tais problemas pelo poder público. Condições de habitação, geração de renda, políticas ligadas ao tratamento de dependentes químicos e saúde estão no centro do debate sobre as prioridades da população que viveu durante anos sob o domínio do tráfico, e ainda luta contra a miséria social e a violência.

A ocupação das comunidades que formam o complexo promete ser apenas o início de um longo e tardio trabalho que começa com a implantação do policiamento. Manguinhos tem o quinto pior IDH entre 126 bairros que foram avaliados na cidade do Rio de Janeiro. O complexo de favelas engloba pelo menos 11 comunidades. Além dele, a favela do Jacarezinho, vizinha com problemas semelhantes, também recebeu intervenção e deve passar por mudanças que possibilitem melhorias de acesso. Tendo o sexto pior IDH do município, o Jacarezinho enfrenta a miséria, o tráfico e a carência de serviços essenciais.

Boa parte dos moradores das comunidades ocupadas habitam áreas precárias e vivem em condições degradantes, em meio ao lixo, a falta da rede de esgoto, presença de ratos, riscos de doenças como hepatite, leptospirose e infecções intestinais devido a moradias inadequadas e improvisadas, ao contato com água contaminada e ausência da coleta de lixo, determinantes de boa parte das mazelas que enfrentam populações de pobreza extrema. A realidade vista em Manguinhos expõe as condições de moradia encontradas em diversas regiões do Brasil. O Censo do IBGE de 2010 registrou que o Brasil possuía na ocasião da pesquisa 6.329 aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros). Há registro deste tipo de habitação em 323 dos 5.565 municípios brasileiros. Os dados revelaram ainda que a Região Sudeste concentrava 49,8% dos 3,2 milhões de domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais, sendo 19,1% no Rio de Janeiro.

O Censo 2010 apontou que no Complexo de Manguinhos viviam em média 36 mil moradores, já no Jacarezinho, quase 38 mil pessoas. Um grande problema enfrentado na região é a proliferação do número de usuários de crack. A droga, derivada da cocaína, barata e com grande poder de causar dependência, foi a responsável pelo surgimento de áreas com a concentração de usuários para consumo no entorno de Manguinhos e Jacarezinho, chamadas popularmente por ‘cracolândias’. A ocupação de Manguinhos e Jacarezinho, porém, está longe de resolver toda a problemática local que envolve a droga, uma vez que é comum a migração dos usuários de áreas policiadas para outras regiões.

Complexo de Manguinhos é formado por pelo menos 11 comunidades/ Imagem: Fiocruz

 

A carência de atenção básica e do acesso à saúde também é um problema em Manguinhos e no Jacarezinho. De acordo com a prefeitura do Rio de Janeiro ambas as comunidades contam com 100% de cobertura de programas de Saúde da Família. Porém, são poucas as unidades de saúde na região, apesar do grande número de moradores da área. Um posto de saúde que funciona dentro da Fiocruz, vizinha do Complexo, oferece atenção básica, uma Unidade de Pronto Atendimento dá suporte emergencial, mas os hospitais de grande emergência mais próximos ficam em outros bairros.

Estima-se que em apenas três dias de ocupação das favelas tenham sido retiradas aproximadamente 300 mil toneladas de lixo. Com o início do policiamento na comunidade a coleta domiciliar e a limpeza devem passar a ser realizados na região. Os problemas encontrados na área atualmente são resultado de um contexto histórico de desigualdade. A maioria da população de Manguinhos conta apenas com as caçambas de lixo da prefeitura ou a ação de garis comunitários para a retirada de lixo.

No Censo Domiciliar realizado pelo governo do estado entre julho de 2008 e junho de 2009, foram obtidas respostas de 17.013 moradores no que se refere à renda. Dos entrevistados 14,3% disseram ter renda entre meio e um salário mínimo e 21,7% se declararam sem renda. A média aproximada da renda dos entrevistados foi de R$ 440,58 para homens e R$ 301,54 para mulheres. Ainda de acordo com a pesquisa, as principais reivindicações de melhoria nas moradias, por parte dos entrevistados, são de saneamento básico, rede de esgoto e dragagem do rio.

A participação social é a forma mais inteligente de gestão para localidades que, assim como Manguinhos e Jacarezinho, viveram anos sob o domínio do tráfico, marginalizadas. Em ambos os casos é fundamental ouvir quem realmente conhece e vive a realidade local, mudando a perspectiva de ação do prisma do qual as comunidades são vistas, de fora, para a da forma como elas realmente são. A gestão democrática empodera líderes, dá voz a quem conhece as necessidades e problemas locais e possibilita a construção de uma confiança mútua, o que ajuda e minimizar o conceito de cidade partida e agir de acordo com a realidade, transformando um território de exceção em território de participação, sem o paternalismo historicamente característico de ações do poder público.

Os problemas que afetam estas comunidades são muitos e atingem diversos aspectos sociais, por conta disto o foco das ações do estado deve ser plural: geração de renda, incentivo à educação e cultura e a participação social devem ser os alicerces de uma forte estrutura que favoreça o enfraquecimento da criminalidade na região. Envolver os diversos atores sociais no grande ciclo de recuperação da região de Manguinhos requer paciência, empenho, permanente diálogo e a promoção de condições sociais que refaçam a autoestima da comunidade, dando a seus moradores condições de vida, habitação, saúde, acesso, que possibilitem crer na reestruturação local, na reconstrução social e em uma nova perspectiva de vida baseada na promoção da equidade.

 

Referências Bibliográficas

 

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