Política Nacional de Saúde LGBT traz avanços, mas muda pouco a realidade dessa parcela da população

(Foto: Arquivo pessoal)
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Lyra: “Política pôs tema na mesa, mas pouco influenciou mudança da realidade dessa população”.
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Em 2012, o Brasil oficializou a Política Nacional de Saúde Integral LGBT com orientações e diretrizes para guiar o Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Dois anos depois, a grande conquista da política ainda é ter posto o tema na mesa e pouco mudou na realidade dessa população.

Pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) durante a Parada Gay do Recife de 2012 revelou que 70,1% dos entrevistados já sofreu algum tipo de discriminação. Cerca de 12,8% deles relatam terem sido discriminados dentro dos próprios serviços de saúde. Os números refletem a dura realidade de preconceito, da falta de informação dos próprios profissionais de saúde e escancaram a falta de preparo do SUS em lidar de forma respeitosa com o público LGBT. Pesquisador da área e militante, Jorge Lyra é psicólogo, professor, coordenador do Gema e um dos fundadores do Instituto Papai, uma organização não governamental que luta pelos direitos LGBT. Lyra comemora a criação da política nacional, defende que estados e municípios definam direcionamentos próprios no atendimento à população LGBT e reforça a ideia da saúde como um direito de todos.

 

O que é a Política Nacional de Saúde Integral LGBT e como ela está sendo cumprida no SUS?

Depois de muitas versões, a política foi lançada de fato em 2012 e vem de um processo por parte dos movimentos sociais em diálogo com instituições de pesquisa e ONGs, para colocar na ordem do dia as propostas formuladas e defendidas nas conferências de política LGBT. No governo Lula tivemos uma conferência nacional e a formulação da política foi, digamos, um desdobramento de todas essas conferências, regionais e a nacional.

A política tem atingido seu objetivo de promover a saúde nessa população e diminuir preconceito e discriminação dentro das unidades de saúde?

Ainda não existe um processo de avaliação da política para afirmar de maneira categórica quais são seus frutos. Entretanto, pensando no campo de análise e política, a formulação das proposições já é uma forte provocação, na medida em que chegamos a fazer um documento como esse, que tem sido distribuído nacionalmente. Iniciativas de formação de lideranças vêm sendo promovidas para que o movimento possa ser fortalecido e o documento reforça isso porque é uma ferramenta legítima a se recorrer. Começamos a ter portarias complementares para formalizar essas propostas e isso tem um rebatimento para o serviço de saúde. No caso, por exemplo, dos transexuais e transgêneros, o hospital precisa ter toda uma formação e diversos profissionais – fonoaudiólogos, cirurgiões plásticos -, que possam assessorar e fazer o serviço de forma integrada. É complexo e eles precisam ser bastante cuidadosos com isso.

Você acredita que a política tem contribuído para a redução das desigualdades em saúde e, portanto, para a consolidação do SUS como sistema universal e integral?

Acho que, de alguma maneira, ela já está contribuindo quando ela coloca isso na mesa para ser discutido. Para quem trabalha com a noção da determinação social na saúde, as questões sexuais e de gênero passam a ser algo estrutural e estruturante e, nessa perspectiva, na experiência de sexualidade, ela interfere na saúde e na política em si. Ela tem gerado e pode gerar um trunfo na mão de quem vai ser atendido, inclusive de brigar por conta disso.

Quais são os principais abusos sofridos por esta população dentro das unidades de saúde?

São muitos casos e bem diferentes, mas a falta de acolhimento, de chegar, por exemplo, trasvestido para ser atendido, e o profissional de saúde não atender ou o segurança da unidade de saúde ficar olhando de cara feia, não chega a ser agressão física, mas elas estão sendo descriminadas por sua condição de sexualidade. Essas pacientes, às vezes, vêm do Sertão, com pouca escolaridade, são de classe mais pobre e, boa parte das vezes, encaram problemas como alcoolismo, problemas de saúde mental e você precisa ter suporte para tudo isso. Ouvimos dos jovens que é difícil, por exemplo, conseguir camisinha, que é uma coisa muito básica.

Quais medidas você acredita que precisam ser adotadas para alcançar o sucesso nessa política?

Não dá para pensar que tudo isso é culpa dos profissionais que não querem entender essa população. É a estrutura do serviço, que envolve capacitação e  qualificação. A saúde é um direito e esse é o princípio que a gente defende. Uma coisa importante a se dizer é que estamos falando de um documento cujo nível é nacional, mas precisamos que os estados e os municípios tenham documentos complementares, que formulem as proposições para suas gestões, que sejam articuladas. As orientações para cada letrinha do LGBT são específicas para cada contexto, da atenção básica aos serviços de alta complexidade.

Entrevista com:

1 Comentário

  1. Amei a entrevista,inclusive fico preocupada,pois diante dos direitos no âmbito do SUS, essa população permanece invisível .

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