Programa Canguru no Brasil: entre o “ideal” e o “possível” no contexto do Nordeste brasileiro

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O cuidado neonatal em um contexto mais abrangente, que permita a recuperação fisiológica, psicológica e neurológica do bebê como um todo, é a proposta do Programa Canguru: um processo de desenvolvimento contínuo do bebê através do contato pele a pele com a mãe. Originalmente desenvolvido na Colômbia, o Programa Canguru, foi adotado como política pública pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2000, em um esforço para melhorar a saúde materno-infantil no país.

Em 2002, o documento do Ministério da Saúde denominado “Método Mãe-Canguru: atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso” foi lançado como manual para treinamento e padronização de equipes de profissionais para implantação do Programa Canguru em maternidades no país. Após nove anos de implementação do método no Brasil, Véras e colaboradores analisaram a eficácia do Programa Canguru em uma maternidade na região do nordeste brasileiro.

Utilizando uma metodologia qualitativa, a pesquisa fornece informações ricas sobre a distância entre a utopia dos manuais do governo e a realidade do dia a dia nas maternidades. Os autores reforçam que o Método Canguru poderá ser fortalecido se entendermos melhor a sua implementação em diferentes meios sociais. A investigação em diferentes contextos tem sido reforçada também por outros autores, como Venâncio & de Almeida (2004), que enfatizam o fato do Brasil ser caracterizado por grandes diferenças macrorregionais e microrregionais. Além disso, informações subjetivas, como a apresentada por Véras e colaboradores, sobre a percepção de pais de bebês prematuros e a influência de redes e apoio social a esta prática, são fundamentais para correção e adaptação do método. No artigo publicado no Nursing Inquiry, Véras e colaboradores relataram que especialmente na maternidade localizada no Nordeste do Brasil, o perfil socioeconômico das mães no Programa Canguru, as relações conflitantes entre profissionais de saúde e usuários, e a falta de condições sócio-econômicas e de apoio emocional prejudicam a adequada implementação do programa.

Contudo, os autores afirmam que o Programa Canguru tem sido eficaz para salvar vidas e melhorar alguns desfechos da saúde dos bebês. O Programa Canguru é uma escolha no sistema de saúde privado, mas tende a ser obrigatório nas maternidades do SUS em todo o território brasileiro. Podemos considerar que este programa é um importante aliado na redução das desigualdades sociais existentes em relação ao acesso e utilização de serviços de saúde de alta complexidade. No Brasil, o Programa Canguru abrange famílias de baixa renda e escolaridade, localizadas principalmente em áreas rurais. Consequentemente, as mães são incentivadas a permanecer no programa no hospital até que o bebê ganhe peso suficiente. Esse processo pode ser por alguns dias ou até 3 meses.

O programa Canguru, enquanto política pública, sofre influências institucionais e as relações sociais moldam e limitam as possibilidades dos atores envolvidos. Os autores relatam sobre as relações conflituosas entre os trabalhadores da saúde e os usuários do sistema, que podem comprometer a adesão das mães ao método. Descrevem que o sucesso do programa depende fortemente das habilidades dos profissionais em lidar com as limitações institucionais, tais como as condições da maternidade e recursos oferecidos para o bem-estar materno, além do próprio nível cultural e de escolaridade das mães, que podem interferir na compreensão das orientações dadas pelos profissionais.

Segundo os autores, restrições comumente associadas às condições de vida de mães pobres assistidas pelo sistema público de saúde, como ser mãe solteira, a falta de apoio familiar, o baixo nível de escolaridade, a gravidez não planejada e, histórico de abortos, não são contemplados na implementação e avaliação do Programa Mãe-Canguru. Estes são os possíveis motivos para as falhas na adesão ao método por esse grupo de pacientes e razões pelas quais as que mais precisam ficam de fora do programa, gerando um acesso diferencial aos serviços neonatais. Véras e colaboradores citam em seu artigo que 60% das mães não participaram do Programa Canguru por terem outras crianças pequenas em casa, ou devido à falta de marido ou de apoio social, ou pela falta de apoio financeiro do governo, caracterizando a lei do cuidado inverso. Em contrapartida, outros fatores também interferem na não-adesão ou acesso diferenciado, como a localização de maternidades em regiões menos favorecidas, com berçários que dispõem de poucos recursos de equipamentos, área física restrita, elevado número de recém-nascidos de risco e pequeno número de profissionais da saúde, que em geral não são capacitados para realizar o método. Sabe-se que a elevada mortalidade neonatal está associada às condições de vida, características maternas e dos recém-natos e condições assistenciais.

Sendo assim, a melhoria da atenção pré-natal e ao recém-nascido pode atuar na redução da mortalidade. Porém, fatores como história reprodutiva materna, histórico anterior de aborto provocado e de cesariana são privilegiados em detrimento a fatores contextuais sociais, tais como o efeito da pobreza e das situações geradoras de estresse em virtude da presença da violência e de dificuldades de acesso a serviços públicos. Compreender e considerar o contexto social no qual a gestante/mãe e recém-nascido estão imersos é fundamental para a implementação de um programa como o da Mãe-Canguru. O manual do Método Mãe-Canguru apresenta uma proposta teórica clara de humanização e redução de medicalização no atendimento à recém-natos em situações de risco à saúde. Porém, o seu papel na redução das iniquidades sociais no acesso aos serviços de saúde de puericultura deverá ser o cerne norteador desta proposta. Além disso, podemos compreender que o Programa Canguru poderá ser uma importante ação na redução das iniquidades sociais relacionadas à mortalidade neonatal. Isto porque estas estão diretamente vinculadas a deficiências na oferta de serviços neonatais de alta complexidade, especialmente devido à carência de cobertura destes serviços para as populações residentes em áreas pobres e rurais. A situação ideal de implantação do programa não é uma realidade fácil de ser observada. Na prática, observa-se que não são levadas em consideração as condições sociais e os backgrounds psicossociais das mulheres e famílias envolvidas. Estudos que abordem a cobertura e a efetividade do programa segundo variáveis sociais são necessários, pois possibilitarão um melhor entendimento das complexidades sociais, econômicas e culturais das mães, e possibilitarão um ambiente promotor de apoio a saúde materna e neonatal com um bom funcionamento do programa.

Referências Bibliográficas

Véras RM, Traverso-Yépez M. The Kangaroo Program at a Brazilian maternity hospital: the preterm/low weight babies’ health-care under examination. Nursing Inquiry. 2011;18(1):84–91.

Venancio SI, de Almeida H. Kangaroo Mother Care: scientific evidences and impact on breastfeeding. J Pediatr (Rio J). 2004;80(5 Suppl):S173-S180.

Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Área de Saúde da Criança.  Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: método mãe-canguru: manual do curso. Brasília (DF); 2002.

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1 Comentário

  1. Bom dia, que bom poder contar com essa equipe profissional que nos orienta e nos faz sentir o verdadeiro sentido da vida.
    Bem sou estudante do curso de Serviço Social, estou fazendo o meu TCC sobre o método canguru, essas matérias só vem somar ao meu conhecimento e sanar as dúvidas sobre o metodo.Porém, preciso de mais material bibliográfico para minhas referências, já que, o meu trabalho é bibliográfico.
    Portanto, gostaria de poder contar com o apoio de vocês no sentido de enviar-me materiais referentes ao método, que seja recente e o que vocês acharem de importante para se colocar na elaboração do meu TCC.
    Desde já agradeço a atenção.
    No aguardo de resposta o mais breve possivel.
    Atenciosamente,
    Maria Amelia Moura
    Palmas-To.

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