As desigualdades na saúde continuam a ser um desafio para a saúde pública. As diferenças em saúde estão presentes em todos os estratos socioeconômicos, também conhecido como gradiente social da saúde, e se distribuem desigualmente entre os países mais ricos e os mais pobres, bem como entre unidades geográficas menores dentro das cidades, como entre distritos ou bairros. Assim, problemas de saúde e óbitos prematuros têm ocorrido de maneira desproporcional em bairros desfavorecidos. O capital social de vizinhança tem sido mencionado como um fator que pode influenciar a associação entre a privação social em nível de bairro e desfechos em saúde em crianças e adolescentes, tornando-se um tema potencialmente interessante para a política pública.
A possível influencia do meio ambiente físico sobre a saúde e o bem-estar das pessoas é um tema estudado há muito tempo. No entanto, no passado, o foco era voltado para os componentes estruturais (p.ex.: disponibilidade de serviços, como unidades de saúde; e infraestrutura, como rede de água, esgoto, e coleta de lixo) e às características sociodemográficas das áreas. Somente nos últimos anos as pesquisas passaram a considerar também os processos sociais, onde o termo “comunidade” inclui o significado individual e subjetivo que as pessoas atribuem ao lugar em que vivem e trabalham. A subjetividade implícita nos novos constructos usados nos estudos dos determinantes sociais da saúde fez surgir outros debates acadêmicos como a falta de precisão conceitual e operacional destes “novos” processos sociais.
Afirmar que pessoas que possuem menor nível socioeconômico apresentam um risco mais elevado para doenças não é algo novo e nem atrai a atenção da sociedade civil nem de políticos. O efeito prejudicial das piores condições socioeconômicas sobre a saúde se estende para além das diferenças observadas entre os extremos socioeconômicos. Esse também se relaciona com a disponibilidade e oferta de recursos sociais percebidos pelos indivíduos, como redes sociais, apoio social e confiança. Segundo Michael Marmot, o padrão de relações sociais segue um gradiente social, ou seja, as pessoas que estão nas camadas sociais mais baixas geralmente têm menos redes sociais e frequentemente relatam menos apoio social. Além disso, no que diz respeito ao nível socioeconômico comunitário, pode-se dizer que esse está positivamente associado aos níveis de confiança e capital social de vizinhança.
Um recente estudo de revisão publicado por Veerle Vyncke, do Departamento da Saúde Pública (Ghent University) da Bélgica, e colaboradores de vários centros de pesquisa da Europa, investigou a influência das características socioeconômicas sobre a saúde de crianças e adolescentes, incluindo o papel da família e dos respectivos fatores socioeconômicos do bairro. Esse estudo fez parte do projeto Gradient (publicado como notícia previamente em nosso portal), coordenado pela Eurohealthnet, e teve como objetivo reduzir o déficit de conhecimento sobre quais ações são eficazes para nivelar o gradiente social em saúde entre crianças e adolescentes na Europa, e assim, influenciar formuladores de políticas em seus esforços para combater essas desigualdades.
Os autores identificaram vários estudos onde o capital social apresenta um efeito protetor sobre diversos desfechos em saúde em crianças e adolescentes, como a auto-avaliação da saúde, queixas físicas e psicológicas e comportamentos relacionados à saúde. Além disso, reafirmaram que as condições socioeconômicas do bairro e da família também são importantes para a saúde e bem-estar de crianças e adolescentes. Ou seja, por um lado são influencidas por acesso a bens e recursos, e por outro lado, há influência da psicopatologia parental ou das práticas parentais, isto é, uma relação familiar amorosa e envolvente que promova um desenvolvimento saudável, com participação em atividades, estímulo a novas aspirações e sonhos, é importante para que as crianças e adolescentes sintam que sua participação é significativa na sociedade.
No total, oito estudos foram revisados por Vyncke e colaboradores. Dois dos cinco estudos analisados confirmaram o papel mediador do capital social de vizinhança na associação entre privação social do bairro de residência e saúde e bem-estar em adolescentes. Dois estudos encontraram uma interação significativa entre fatores socioeconômicos do bairro e o capital social de vizinhança, o que indica que o capital social de vizinhança é especialmente benéfico para as crianças que residem em bairros carentes. No entanto, dois outros estudos não encontraram interação significativa entre o nível socioeconômico e o capital social de vizinhança.
Os autores concluíram que melhores condições socioeconômicas dos bairros estão relacionadas à maior quantidade e qualidade de recursos advindos da vizinhança, famílias mais solidárias e processos sociais comunitários mais ativos, o que resulta em uma melhor rede de influências para crianças e adolescentes. Por outro lado, é possível que a situação socioeconômica da família também possa afetar a relação entre a situação socioeconômica da vizinhança e a saúde de crianças e adolescentes. Os autores citam que, por exemplo, o Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é mais comum em situações onde a situação socioeconômica da família diverge da situação socioeconômica da vizinhança.
Esta revisão chama a atenção para a pequena proporção das pesquisas sobre capital social em crianças e adolescentes, e que dessas, poucas abordam o papel do capital social no combate às desigualdades sociais da saúde. O objetivo do projeto principal Gradient foi produzir orientações políticas que combatam o gradiente social na saúde das crianças e adolescentes em comunidades locais e, nesse sentido, a abordagem dos determinantes sociais em nível contextual foi extremamente relevante. Os autores sugerem que intervenções direcionadas para a melhoria do capital social em bairros com privação social e aqueles com baixos níveis socioeconômicos podem ajudar a melhorar o status de saúde das crianças, e podem desempenhar um papel importante na redução do gradiente de saúde.
Imagem da home: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=384
Referências Bibliográficas
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