Nos últimos dias os jornais noticiaram com destaque os resultados da Pesquisa Conta Satélite do IBGE sobre gastos com saúde (manchete do Globo de 19/1/2012: Brasileiro gasta com saúde mais que o próprio governo). O resultado não é propriamente uma novidade, pois todas as três edições das Contas Satélites de 2007 a 2009 mostram o predomínio do gasto privado em saúde. Esta última edição de 2009 revelou que as famílias gastaram com saúde 29,5% mais do que o governo, ou R$ 835,65 per capita, enquanto o governo gastou R$ 645,27 per capita.
A Constituição Brasileira estabelece que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”, adotando para cumprir com esse direito um sistema público único de saúde com “acesso universal e igualitário” financiado com recursos dos orçamentos públicos. Esses princípios que regem o sistema de saúde brasileiro fazem com que ele seja comparado em teoria com os mais avançados do mundo como os do Canadá ou de países europeus de tradição social democrata. Entretanto, pelas desigualdades no acesso e qualidade dos serviços ou nas fontes e mecanismos de financiamento, o SUS real vem se distanciando do SUS ideal.
Nos países europeus, com carga tributária não muito maior que a do Brasil, o setor público responde por mais de 70% dos gastos com saúde. Mesmo entre seus vizinhos das Américas, o Brasil está em desvantagem no que se refere à proporção entre gastos públicos e privados desde o ponto de vista da responsabilidade governamental. Até os Estados Unidos, modelo paradigmático de um sistema de saúde baseado na lógica de mercado, apresenta uma proporção maior de gasto público, como pode ser observado na tabela construída com dados recentemente publicados pela OPAS (Situación de Salud en las Américas. Indicadores Básicos 2011) para países selecionados.
Gastos Públicos e Privados em Saúde como % GDP
Fonte: Situación de Salud en las Américas. Indicadores Básicos 2011. Organización Panamericana de la Salud. Disponível em: http://bit.ly/xvUWQR
Outro elemento importante para o qual os jornais não deram a devida atenção se refere às diferenças na proporção dos gastos com saúde com relação ao orçamento familiar segundo os diferentes estratos de renda. A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE 2008/2009 permite comparar as despesas com assistência á saúde das famílias das classes de rendimentos de até R$ 830,00 e acima de R$ 10.375,00. Em ambas o gasto total com esse item de despesa corresponde a cerca de 5,5% do orçamento familiar, embora haja significativas diferenças no conteúdo do gasto. As famílias com renda até R$ 830,00 gastam 4,2% dessa renda com remédios, enquanto que para aquelas com rendimentos acima de R$10.375,00 esse percentual é de 1,9%. Já a participação dos gastos com plano/seguro de saúde foi de 2,4% na classe com os maiores rendimentos, contra 0,3% na classe oposta. É importante observar que os estratos de maior renda, que declaram IR, podem descontar os gastos com planos de saúde do imposto devido. Assim, dada a regressividade de nosso sistema tributário, o brasileiro de baixa renda não apenas paga mais imposto ao governo, imposto esse que deveria financiar a maior parte dos gastos com saúde, como ainda gasta relativamente mais para comprar os serviços que a Constituição lhe assegura como direito e dever do Estado.
Referências Bibliográficas
IBGE. Conta-Satélite de Saúde: Brasil 2007-2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [acesso em 25 jan 2012]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/economia_saude/css_2007_2009/economia_saude.pdf
POF 2008/09 mostra desigualdades e transformações no orçamento das famílias brasileiras [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 Jun 23 [acesso em 25 jan 2012]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1648&id_pagina=1
Organización Panamericana de la Salud. Situación de salud en las Américas: indicadores básicos 2011. Washington (DC); 2011 [acesso em 25 jan 2012]. Disponível em: http://bit.ly/xvUWQR
Entrevista com:
É lamentável nossa situação de saúde no Brasil. Recentemente, o governo mandou seus senadores votarem contra os 10%… mas pensando bem, os 10% só representam uma parte da história. Infelizmente ainda temos muito a caminhar naquilo que é básico.