Nesse fórum de discussão do Portal de DSS, são apresentadas várias propostas alternativas para a nova geração de objetivos globais que darão seguimento aos os oito Objetivos do Milênio (ODM) que encerram em 2015. A meu ver, os ODMs tiveram mais pontos positivos do que negativos. Indiscutivelmente, os mesmos foram impostos de cima para baixo pelas Nações Unidas e pelos países de alta renda, resultaram muitas vezes em programas verticais e ignoraram completamente a questão da equidade em saúde. Isso sem falar nas áreas críticas que foram deixadas de fora, como as mudanças climáticas globais e as doenças não transmissíveis. Por outro lado, os ODM fortaleceram a cultura de monitoramento, avaliação e responsabilização de governos, de doadores e das próprias Nações Unidas. Num primeiro momento da discussão sobre a agenda pós-2015, a própria existência de qualquer objetivo relacionado à área da saúde estava ameaçada. Afinal, a saúde havia sido contemplada com três dos oito ODMs, e seria agora a vez de priorizar outros setores como o desenvolvimento sustentável, o meio ambiente, a desigualdade, etc. Mais ainda, dentro da própria área da saúde vários grupos de interesse propunham uma mudança de foco, deixando de lado a saúde de mães (ODM 5) e crianças (ODM 4) e as doenças transmissíveis (ODM 6) que haviam sido priorizadas nas metas para 2015. Em vários fóruns, inclusive dentro da Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), houve um forte movimento para priorizar as doenças não transmissíveis (www.ieaweb.org). Em contraste, fica cada vez mais evidente que a maioria dos países pobres não conseguirá atingir os ODM 4, 5 e 6, e seria um contra senso abandonar estas metas após 2015.
Enquanto as diferentes áreas da saúde debatiam entre si, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a defender a adoção de um único objetivo: a cobertura universal com serviços de saúde. Esta meta apresenta uma grande vantagem em relação aos ODM, especificamente o fato de colocar a equidade como ponto central, pois a cobertura universal requer atingir todos os grupos que atualmente se encontram excluídos.
É dentro deste complexo quadro que a posição da IEA deve ser interpretada. Ao propormos o aumento na expectativa de vida como indicador chave para a meta de saúde, estamos levando em conta que distintos países precisam enfrentar diferentes desafios para aumentar a longevidade de suas populações. Assim – ao contrário dos ODM – o objetivo que propomos não mais se restringe a apenas doenças ou agravos. Ao mesmo tempo, embora reconhecendo o mérito de uma meta de cobertura universal, cremos que esta seria demasiadamente restrita, por deixar de lado as causas sociais, ambientais e comportamentais do processo saúde-doença, o que contraria inclusive as próprias iniciativas da OMS sobre os determinantes sociais.
Uma recente reunião de alto nível em Botswana (ver relatório em http://www.worldwewant2015.org/health) contribuiu para avançar a agenda. A cobertura universal foi colocada como uma meta secundária, dentro de um objetivo mais abrangente de “maximizar a saúde em todas as etapas da vida”. O documento explicitamente menciona que para atingir este objetivo é necessário completar a agenda dos ODMs 4, 5 e 6, assim como enfrentar o desafio das doenças não transmissíveis. Os determinantes sociais são também superficialmente mencionados. A meu ver, o documento chama tanto a atenção pelo que é explicitamente mencionado quanto pelo que é omitido. Não se fala em qual seria o indicador ou a meta numérica a ser proposta. A expectativa de vida, que seria o indicador natural para o objetivo proposto, sequer é mencionada. E os inúmeros desafios em medir qualquer que seja o indicador em países de renda baixa tampouco são discutidos. Seja qual for o indicador-chave do objetivo de saúde, não se pode deixar de lado o desafio de construir sistemas de informação que produzam dados válidos e precisos, com periodicidade suficiente para correções de trajetória. A necessidade de investir em monitoramento e avaliação é um dos pontos chave do documento da IEA mencionado acima.
De qualquer forma, o documento de Botswana representa um avanço relativo a posições anteriores, mas sem dúvida ainda resta muito a ser discutido. Agradecemos a oportunidade de participar deste importante debate no Portal de DSS, que traz para dentro do Brasil a oportunidade de influenciar o processo que irá nortear os esforços globais durante as próximas décadas.
*Imagem da home: Universidade Federal de Pelotas
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