Série: A Saúde na Agenda de desenvolvimento pós-2015 (3)

Conforme mencionado em matérias anteriores (1) e (2) sobre o tema A Saúde na Agenda de Desenvolvimento pós-2015, a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas 11 áreas selecionadas, entre elas Saúde, envolveu um amplo processo de consulta pública. No caso da Saúde, a consulta pela internet atraiu 150.000 visitantes, 1.569 pessoas participaram de 13 encontros presenciais na África, Ásia, América Latina e Europa e mais de 100 trabalhos foram apresentados. Todas as contribuições estão disponíveis no http://www.worldwewant2015.org/health e foram resumidas em um relatório, o qual serviu como documento de trabalho do Diálogo de Alto Nível sobre Saúde na Agenda de Desenvolvimento pós-2015 que teve lugar em Gaberone, Botswana de 4 a 6 de Março de 2013.

O Diálogo foi organizado pelo Governo do Botswana, e reuniu 50 participantes, incluindo ministros da Saúde, membros do Painel de Alto Nível de Pessoas Eminentes (ou seus representantes), líderes de instituições internacionais, representantes da sociedade civil, do setor privado, acadêmicos e especialistas em saúde pública. Esta reunião de Botswana marca o término do processo de consulta e suas propostas e recomendações serão enviadas ao Painel de Alto Nível de Pessoas Eminentes estabelecido pelo Secretário Geral da ONU. O relatório deste painel contendo as recomendações para a definição dos ODS será submetido à próxima Conferência Anual das Nações Unidas em setembro de 2013.

O encontro de Botswana foi estruturado em torno dos seguintes capítulos do relatório do processo de consulta:

• Lições aprendidas com os ODM relacionados com a saúde;

• O papel da saúde na agenda de desenvolvimento pós-2015;

• As prioridades de saúde para os próximos 15 anos a partir de 2015,

• Desenhando a futura agenda de saúde, incluindo princípios, objetivos e indicadores,

• Como os principais interessados e parceiros podem melhor posicionar a saúde na agenda pós-2015.

A seguir apresentamos um capítulo do relatório da reunião de Botswana, o que trata dos princípios, objetivos e indicadores relativos à Saúde na agenda de desenvolvimento pós-2015.

“A visão geral pós-2015 é o desenvolvimento sustentável, desde uma perspectiva social, econômica e ambiental. Uma sugestão que surgiu das discussões como uma possível formulação desta visão foi “Planeta Saudável, Pessoas Saudáveis”. Isso exigiria contribuições de todos os setores e deveria haver metas concretas de saúde em todos os objetivos de desenvolvimento para tratar dos determinantes sociais.

Além disso, uma vez que a saúde é tanto um meio com um fim do desenvolvimento, um conjunto amplo de objetivos é necessário para capturar os esforços para melhorar o bem-estar e a saúde em vários níveis de intervenção.

Os seguintes princípios orientadores para uma agenda futura e objetivos foram destacados:

• A agenda pós 2015 deve ser guiada por princípios de direitos humanos, equidade, igualdade de gênero, responsabilidade e sustentabilidade.

• A abordagem deve ser centrada nas pessoas e baseada em direitos.

• Assim como os ODM, os objetivos pós-2015 devem ser em número limitado, convincentes, claros e específicos, fácil de comunicar aos políticos e ao público, mensuráveis, definidos no tempo e alcançáveis.

• Os objetivos e indicadores devem ter relevância universal e, ao mesmo tempo, eles devem garantir que atenção prioritária deve ser dada às populações mais vulneráveis, marginalizadas, estigmatizadas, e difícil de alcançar em todos os países, independentemente do nível de renda.

• Os objetivos devem capturar tanto a contribuição do setor da saúde para o desenvolvimento, como também a contribuição de outros setores para a saúde, ou seja, a importância dos determinantes sociais às necessidades de saúde deve ser reconhecida.

• Os futuros objetivos, metas e indicadores devem ter em conta as diferentes fases da vida, identificando metas mensuráveis para redução da mortalidade e da morbidade em cada fase da vida, como, por exemplo, recém-nascidos, menos de 5 anos de idade, adolescentes, meia idade e idosos. Objetivos segundo a fase da vida devem também abordar fatores relacionados com o gênero, incluindo as necessidades de saúde materna e as disparidades no acesso de serviços de saúde.

• Os objetivos e indicadores devem ser apropriados pelos países.

O seguinte quadro de referência foi discutido para o estabelecimento dos futuros objetivos de saúde:

Um objetivo abrangente para a agenda pós-2015 poderia ser bem-estar (sustentável) para todos. A saúde é um importante contribuinte para o bem-estar geral. É também um crítico indicador do bem-estar.

Maximizar a saúde em todas as fases da vida pode ser um objetivo abrangente de desenvolvimento da saúde relacionado com a agenda global de desenvolvimento sustentável, que exige intervenções de todos os setores.

Dentro dele, dois objetivos específicos do setor de saúde foram discutidos para enfrentar os desafios globais de saúde na era pós-2015:

• Acelerar os progressos nos ODM de saúde (4,5 e 6). As metas devem basear-se nas iniciativas em curso, como abolir as mortes maternas e infantis evitáveis, acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, especialmente entre os jovens, a eliminação da malária, e execução de estratégias “zero” para a tuberculose e HIV / AIDS. Esse objetivo deve refletir a centralidade de manter a atual agenda dos ODM de saúde.

• Reduzir a carga das doenças não transmissíveis, com foco nas doenças não transmissíveis mais importantes sendo que as metas poderiam ser baseadas na resolução da AMS de redução de mortalidade em 25% (para as doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes) em 2025. É importante enfrentar a carga emergente de doenças não transmissíveis como um objetivo específico de saúde, com ênfase na prevenção.

Cobertura Universal de Saúde (UHC da sigla em ingles) foi discutida como sendo a contribuição fundamental do setor saúde para alcançar os objetivos e deve incluir tanto o continuum de cuidados (promoção, prevenção, tratamento, reabilitação, cuidados paliativos) como o continuum prestação de serviços (serviços não-pessoais, comunitários e unidades de saúde de atenção primária, secundária e terciária) por todas as fases da vida. A UHC foi vista como um veículo para a prestação de todas as intervenções essenciais, incluindo as relacionadas com os ODM de saúde e doenças não transmissíveis, assim como a gestão e o financiamento da saúde, incluindo a proteção do risco financeiro para todos. A UHC requer sistemas de saúde fortes, eficientes, equitativos e totalmente integrados que possam fornecer serviços de qualidade abrangentes que atendam a requisitos básicos de saúde e prioridades de saúde do país. Esta plataforma de entrega deverá incluir uma definição de responsabilidades com um mecanismo de supervisão de nível nacional aberto, transparente e abrangente e uma estrutura independente.

Enquanto alguns participantes viram UHC como um meio de alcançar os objetivos de saúde de alto nível, outros também a viram como um resultado desejável por si mesmo. Alguns participantes também argumentaram que “acesso universal de saúde” seria mais apropriado e de fácil compreensão do que “cobertura de saúde universal”. Aqueles que preferem o termo “cobertura universal de saúde” entendem que cobertura significa que as pessoas não apenas têm acesso aos serviços de que necessitam, como também recebem esses serviços com qualidade adequada e sem incorrer em ruína financeira. Outros acreditam que o termo acesso seria melhor, em parte porque a noção de “acesso” provou ser uma poderosa ferramenta política, uma lição importante dos últimos 25 anos do movimento de AIDS. Estas discussões ocorreram em parte porque uma definição diferente de cobertura foi usada por alguns: proteção do risco financeiro mais disponibilidade de serviços – o que eventualmente não se pode traduzir como utilização efetiva de serviços, pois o acesso aos serviços pode também ser limitado por fatores estruturais, sociais ou culturais, desigualdades (por exemplo, desigualdade de gênero), deficiências organizacionais e gerenciais ou exclusão social. Ambos os termos têm seus méritos, mas terão que ser mais explicitamente definidos no quadro de referência futuro.

Enfrentar os determinantes sociais exigirá que todos os objetivos da nova agenda de desenvolvimento devam incluir ou estar ligados a metas concretas, ambiciosas, mensuráveis, relacionados com a saúde. Um exemplo de tal meta seria reduzir a poluição do ar no interior dos domicílios como parte do objetivo de sustentabilidade ambiental.

A importância de “amarrar” equidade nos objetivos, através de indicadores e metas desagregados em todos os níveis, foi novamente enfatizada, incluindo metas para a superação de brechas de iniquidades”.

Como se pode observar, a definição dos objetivos de saúde para a agenda pós-2015 sofreu significativas mudanças ao longo do processo de discussão relatado nesta série de matérias. O objetivo abrangente de saúde inicialmente proposto pela OMS era o de “cobertura universal da saúde”. Durante a Consulta houve uma série de opiniões que contestaram esta proposta, como a opinião da Associação Internacional de Epidemiologia que propôs como objetivo abrangente a expectativa de vida ao nascer e aos 40 anos. O documento que resumiu as conclusões da Consulta indicou duas alternativas como objetivo abrangente de saúde: a Cobertura Universal de Saúde e a Expectativa de Vida Saudável.

Finalmente, a reunião final desse processo, realizada em Botswana, cujo relatório será submetido ao Painel de Alto Nível de Pessoas Eminentes, propõe como objetivo abrangente Maximizar a Saúde em Todas as Fases da Vida.

Em nossa opinião, apesar dos inegáveis avanços apresentados neste relatório, a formulação do objetivo “Maximizar a Saúde em Todas as fases da Vida” não cumpre com os princípios orientadores para definição de objetivos expostos no próprio relatório desta reunião da Botswana, onde diz que os objetivos da agenda pós-2015 devem ser “mensuráveis, definidos no tempo e alcançáveis”. Os ODM cumpriam com esses os princípios e mesmo assim, como vimos no documento produzido pela AIE, o cumprimento dos objetivos relacionados com mortalidade materna são de difícil avaliação pela ausência de dados. Neste mesmo documento a AIE critica o objetivo de “expectativa de vida saudável” proposto durante o processo de consulta também pela dificuldade em sua medição. Tal dificuldade nos parece ainda maior no caso de “Maximizar a Saúde em Todas as Fases da Vida” não apenas pela ausência de dados como pela formulação pouco concreta e ambígua deste objetivo. Um bom tema para debate.

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