Série: A Saúde na Agenda de Desenvolvimento pós-2015 (1)

O ano de 2015 constitui a data limite para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (MDG) estabelecidos no ano 2000. Na medida em que esta data se aproxima, crescem os debates sobre o conteúdo da agenda pós-2015. Em Julho de 2012 o Secretario Geral das Nações Unidas criou um Painel de Alto Nível para assessorá-lo no estabelecimento de um marco de referência para a construção da Agenda de Desenvolvimento pós-2015. O Painel é coordenado pelo Presidente Susilo Bambang Yudhoyono da Indonésia, Presidente Ellen Johnson Sirleaf da Libéria e o Primeiro Ministro David Cameron do Reino Unido e inclui líderes da sociedade civil, do setor privado e de governos. O Brasil está representado neste Painel pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. O Painel deve apresentar seu relatório ao Secretário Geral no segundo quadrimestre de 2013. A ONU está também promovendo um debate global sobre a agenda pós-2015 através de consultas nacionais em cerca de 100 países de renda média e baixa, seis consultas regionais e 11 consultas temáticas globais. O objetivo dessas consultas é mobilizar um amplo leque de atores para avaliar o progresso com relação aos ODMs e discutir as opções para uma agenda pós-2015. As 11 consultas temáticas tratam de tópicos identificados por um grupo tarefa do Sistema das Nações Unidas coordenado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais e o PNUD e que são os seguintes: desigualdades, governança, saúde, sustentabilidade ambiental, dinâmica populacional, água, crescimento e desenvolvimento, conflito e fragilidade, segurança alimentar e nutricional, educação e energia.

Para cada tema agências da ONU selecionadas estão liderando a preparação das consultas em parceria com um ou dois governos. No caso da consulta para a Saúde o processo está sendo liderado pela OMS e UNICEF em colaboração com os governos da Suécia e Botswana. Os objetivos dessa consulta temática sobre Saúde são: avaliar os avanços e as lições aprendidas com os ODM relacionados com saúde, discutir o posicionamento da saúde no marco de referência para a agenda pós-2015 e propor objetivos e metas de saúde para a agenda de desenvolvimento pós-2015, incluindo recomendações para sua implementação, medida e monitoramento. Esse processo de consulta ocorreu de setembro de 2012 a janeiro de 2013, tendo recebido mais de 100 artigos, documentos e relatórios de reuniões sobre o tema em consulta. Em fevereiro 2013 foi elaborado um relatório denominado Report of the Global Thematic Consultation on Health que resume e organiza essas contribuições (acessível em http://www.worldwewant2015.org/health). Esse relatório foi discutido em uma reunião em Botswana nos dias 4 e 5 de março e as recomendações e conclusões da mesma, a serem liberadas no final do mês, devem ser submetidas ao Painel de Alto Nível.

A revista The Lancet em editorial do dia 2 de março, denominado Saúde e a agenda de desenvolvimento pós-2015, que é transcrito a seguir, resume e comenta os resultados desse processo.

“A próxima semana marca o culminar de uma consulta global de quatro meses sobre a posição da saúde na próxima agenda de desenvolvimento humano. A consulta on-line recebeu contribuições de indivíduos, da sociedade civil, da academia, do setor privado, dos estados membros da OMS e de parceiros das Nações Unidas, e foi condensado em um relatório altamente acessível, que deverá contribuir para focalizar as discussões em Botswana nos dias 4 e 5 de março. O objetivo da consulta era resumir os progressos e as deficiências no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que expiram em 2015, e conceber um novo conjunto de objetivos de saúde com sugestões de como devem ser implementados e avaliados.

Cerca de 100 trabalhos foram apresentados para o site de consulta, e o relatório é uma reflexão equilibrada dessas contribuições. No entanto, a escassez de contribuições provenientes de países de baixa renda e de renda média é impressionante. Se quatro meses foi tempo suficiente para divulgar o processo e obter respostas de comunidades para além da ‘elite política’, como um dos trabalhos a descreve, talvez seja uma questão ainda em aberto. No entanto, o processo foi muito útil para consolidar concepções previamente de existentes e chamou a atenção para algumas novas propostas que poderiam revitalizar o papel da saúde na agenda de desenvolvimento pós-2015.

O que então podemos levar para o pós-2015 a partir dos sucessos no alcance dos ODM e o que podemos aprender com as deficiências no atingimento desses objetivos? É amplamente aceito que uma das maiores qualidades dos ODM é a sua simplicidade. Apresentados como um conjunto de oito objetivos, 18 metas claras e 48 indicadores mensuráveis, os ODM foram adotados com raro entusiasmo pelos governos e pela sociedade civil. Sua simplicidade, no entanto, provou ser uma faca de dois gumes. Ao se restringir a um número limitado de objetivos, muitos elementos foram deixados de fora, particularmente a crescente presença de doenças não transmissíveis. Este foco estreito encorajou uma verticalização da programação. A orientação para metas bem definidas, própria da natureza dos ODM, também se provou problemática. Muitos ODM envolvem seu aumento ou diminuição em uma proporção da população para superar certo limiar. Há, portanto, a tentação de concentrar a ação em indivíduos mais próximos desse limiar. Dessa forma, os ODM contribuíram para uma maior iniquidade em algumas áreas.

Tendo em vista esses prós e contras, vários fatores surgiram durante o processo de consulta como vitais para a próxima fase do desenvolvimento humano: construir sobre a simplicidade conceitual dos ODM; adotar um enfoque centrado nas pessoas, e não em doenças, que capte os determinantes da saúde; e retornar à noção de saúde como um direito humano, tendo a equidade em seu âmago. Como se pode converter estes temas em objetivos?

O relatório da consulta propõe uma hierarquia de objetivos, com a expectativa de vida saudável no topo. A proposta é uma surpresa, pois se afasta da Cobertura Universal de Saúde (UHC), que muitos viam como o mais claro candidato para ocupar o papel de objetivo abrangente de saúde. No entanto, UHC não aborda os determinantes da saúde, é difícil de medir e comparar entre países, e é apenas um indicador indireto do estado de saúde. Por outro lado, como Cesar Victora e seus colegas argumentam em sua correspondência relativa a este assunto, ‘quanto tempo as pessoas vivem é um conceito de fácil compreensão, que leva em conta os múltiplos determinantes da saúde e da doença’. Três indicadores são propostos para medir o progresso: melhoria da sobrevivência (incluindo sobrevivência materna e infantil), redução da carga de doenças (incluindo doenças abrangidas pelos ODM, mais doenças não transmissíveis), e níveis mais baixos de fatores de risco (por exemplo, tabagismo e falta de acesso ao saneamento). UHC é proposta como um objetivo a mais, através do qual a expectativa de vida mais saudável pode ser alcançada, com aumento da cobertura de serviços essenciais (por exemplo, imunização, serviços de saúde reprodutiva, medicamentos essenciais), redução do gasto direto das pessoas e reforço dos sistemas de saúde (incluindo saúde do trabalhador) como indicadores propostos para este objetivo.

Saúde é apenas um dos 11 temas sobre os quais consultas globais tiveram lugar. O resultado dos debates do Botswana na próxima semana será crucial para assegurar que a saúde continue a ter um papel central na agenda de desenvolvimento pós-2015. Ao mesmo tempo da consulta global se desenvolve o processo intergovernamental para criar um conjunto de objetivos de desenvolvimento sustentável. Os resultados de ambos os processos serão considerados pelo Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon, em seu relatório à Assembleia Geral, em setembro. Para que a saúde mantenha sua proeminência ao longo desses processos, ela deve ser posicionada como um fator chave para o desenvolvimento sustentável. Expectativa de vida saudável, com UHC como um meio fundamental para alcançar esse fim, sintetiza o duplo papel da saúde como um requisito e um resultado do desenvolvimento humano”.

* Imagem da home: http://www.worldwewant2015.org/

Referência Bibliográfica

Health and the post-2015 development agenda [editorial]. Lancet. 2013 Mar 2;381(9868):699.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrevista com:

1 Comentário

  1. Quero fazer uma observação importante: precisamos incluir esse tema nos currículos das faculdades da área da saúde. Faz-se necessário contextualizar os futuros profissionais sobre essa nova agenda da saúde pública mundial.

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*