Livro avalia a Política Nacional de Morbimortalidade por Acidentes e Violências em Pernambuco

Erasmo Salomão – ASCOM/MS

A prestação de atendimento às vítimas de acidentes e violências é hoje um dos pontos mais problemáticos do sistema de atenção, pois requer a reestruturação e a reorganização específica da rede do SUS, tradicionalmente orientada  para os problemas materno-infantis e biomédicos. As recentes políticas públicas norteadas para o atendimento às vítimas de acidentes e violências objetivam tal reconstrução e reorganização, com destaque para a política Nacional de Morbimortalidade por Acidentes e Violência (PNRMAV, 2001), considerada um marco, o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência (2002) e a Política Nacional de Atenção às Urgências (2003).

Esses documentos trazem as principais diretrizes que norteiam a organização do modelo assistencial para atender os grupos populacionais mais vulneráveis aos agravos acidentais e violentos e definem o papel das instituições envolvidas por nível de governo (Federal, Estadual e Municipal). A partir do interior do setor Saúde, dispõem sobre as necessidades de atendimento nos distintos níveis de atenção (pré-hospitalar, hospitalar e reabilitação), sobre a capacitação dos recursos humanos e preveem a monitorização desses eventos por meio da implantação e implementação de sistemas de informação integrados. Também apontam, como princípios, o desenvolvimento das atividades de prevenção e promoção, assim como estudos avaliativos e pesquisas voltadas ao tema.

Segundo  as diretrizes da PNRMAV (2001), a rede prestadora de serviços de saúde deve ser numericamente satisfatória, possuir os equipamentos e insumos necessários adequados e suficientes para fazer frente a essa realidade. Do ponto de vista organizacional, os serviços devem ser diferenciados para o atendimento por nível de complexidade, ser distribuídos de modo descentralizado e hierarquizado, possuir recursos humanos em número suficiente e capacitados em relação à temática, prestar atendimento integral, multiprofissional  e interdisciplinar. Finalmente, devem estar articulados intra e intersetorialmente e desenvolver atividades de prevenção dos acidentes e violências e promoções da saúde e ambientes saudáveis. Mesmo considerando a importância de uma política específica para o setor Saúde quanto ao tema da violência e acidentes, vale ressaltar que o processo de implantação ainda tem sido fragmentado e pouco socializado para os gestores e profissionais de saúde.

Pesquisa desenvolvida pelo Centro Latino Americano de Estudos em Violência e Saúde Jorge Carelli (CLAVES/ENSP/FIOCRUZ/RJ) em quatro capitais do Brasil (Curitiba, Recife, Manaus, Rio de Janeiro) e o Distrito Federal, em 2006, propôs uma série de indicadores para a avaliação do processo de implantação da PNMRAV. Com o intuito de avaliar esse processo em Pernambuco, os indicadores de avaliação propostos na pesquisa antecedente foram aplicados, com adequações para a realidade local, em dez municípios com mais de 100 mil habitantes, por apresentarem as maiores taxas de violência no estado. A pesquisa resultou no livro “Avaliação da Política Nacional de Morbimortalidade por Acidentes e Violência nos municípios de Pernambuco com mais de 100.000 habitantes”. O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do estado de Pernambuco (Facepe), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenada e desenvolvida pelo Laboratório de Estudos em Violência e Saúde do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), a Fiocruz Pernambuco, em parceria com o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip).

Os municípios avaliados foram incluídos na pesquisa por apresentarem as mais altas taxas de violência no Estado, tomando como referência o diagnóstico realizado com os dados do Sistema de Informações Policiais (INFOPOL) da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco e do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/DATASUS), apresentados no Plano Estadual de Segurança Pública, denominado Pacto Pela Vida e implantado pelo Governo de Pernambuco em 2007. A literatura científica sobre o tema da violência têm evidenciado a importância dos aglomerados urbanos, principalmente os que possuem mais de 100.000 habitantes, como os predisponentes para a ocorrência de fenômenos sociais, no qual se inclui as violências decorrentes entre outros processos de políticas sociais equânimes e justas para a exacerbação da violência social com destaque para homicídios, (BARATA e RIBEIRO, 2000).

O outro critério adotado para a seleção dos municípios  foi o fato deles deterem uma rede pública de serviços de saúde mais expressiva do ponto de vista da capacidade instalada e complexidade. Dos 10 municípios selecionados, seis ficam na Região Metropolitana do Recife (Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista e Recife). Os outros estão na Zona da Mata (Vitória de Santo Antão), no Agreste (Caruaru e Garanhuns) e no Sertão (Petrolina).

Os principais resultados e conclusões apresentados no livro são resumidas e listadas a seguir, tomando-se como referência um conjunto de recomendações consideradas importantes pela PNRMAV. Assim, apontam-se as lacunas e os avanços encontrados na implantação dessa política nos municípios estudados em Pernambuco:

  • De forma geral, os gestores dos serviços têm dificuldades em classificar a unidade segundo o porte assistencial, conforme a portaria, principalmente na área de reabilitação o que traz consequentes problemas na estruturação e organização da rede de assistência para o atendimento às vítimas de acidentes e violências, dificultando a hierarquização e integralidade do atendimento.
  • Observa-se um número pequeno de unidades/serviço para atendimento específico dos casos de violência na rede de serviços, em todos os níveis.
  • Em relação aos grupos atendidos, há predominância do atendimento às crianças, aos adolescentes e às mulheres. Há escassez de serviços voltados para o atendimento ao idoso e à atenção aos grupos familiares vítimas de violência, o que, por outro lado, desconsidera a dinâmica populacional de envelhecimento rápido e crescimento da parcela idosa e da sua demanda por atenção à saúde;
  • No caso das violência interpessoais nos vários ciclos de vida incluindo os idosos,  as crianças, adolescentes e as mulheres ainda não se tem um atendimento que considere a dinâmica familiar como foco de intervenção;
  • Do ponto de vista da integralidade, a oferta de atendimento pré-hospitalar mostrou insuficiente cobertura para atender à população.
  • A referência e contra-referência ainda se encontram em fases de estruturação e há pouca articulação extra-setorial.
  • Quanto à estruturação e organização dos serviços, a cobertura ainda é bastante insuficiente. Há déficit de equipamentos e insumos básicos em determinados níveis de atenção, principalmente no nível pré-hospitalar fixo, se comparado ao avanço alcançado no pré-hospitalar móvel, através do Samu.
  • Existem equipes multiprofissionais (médico, assistente social e psicólogo), porém em quantidades insuficientes e carentes de capacitação. Isso ocorre, principalmente, na rede pré-hospitalar fixa, na qual são feitos os atendimentos ambulatoriais, dificultando o diagnóstico dos casos de violência para realizar um atendimento continuado e intervir junto ao grupo familiar.
  • O registro das informações ainda é precário: falta notificar e registrar as violências e acidentes de modo a possibilitar, a vigilância, o monitoramento e consequentemente o planejamento das ações com base nas realidades locais;
  • A assistência hospitalar apresenta,uma baixa cobertura de leitos assim como insuficiência quanto ao número de leitos de UTI e de UTSI, indispensáveis para o atendimento de pacientes vítimas de acidentes e violências, uma vez que os casos de politraumatizados por acidentes de transito entre se trona cada vez mais frequentes assim como os atentados de homicídios exigindo tecnologias e profissionais cada vez mais bem qualificados;
  • Uma das precariedades também é revelada na avaliação da estrutura física apresentada na maioria das unidades hospitalares para o atendimento de traumatologia, com déficit de sala de gesso além de profissionais especializados para esse atendimento, diminuindo, assim, o remanejamento para o Recife.
  • A assistência em reabilitação foi a mais deficitária para o atendimento às vítimas de acidentes e violências, em todos os municípios estudados. Registra-se uma precária distribuição de profissionais, algumas áreas específicas não são contempladas nesses serviços, indicando o descumprimento das recomendações da Portaria nº 818, de 2001, e o descompromisso com a cobertura e integralidade desse tipo de assistência.
  • Há necessidade de reorganização dos serviços que fazem dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção. Diante do quadro apresentado, é evidente que esse tipo de atendimento não cobre as diversas regiões do Estado e está a discrepância com que recomenda a Portaria nº 818/2001.
  • Dificuldade em manter a articulação da pré-hospitalar e hospitalar e de reabilitação.

Em síntese, a pesquisa conclui chamando a atenção para o fato de que, se a problemática dos elevados índices de acidentes e violências corresponde a um dos principais indicadores de mortalidade e morbidade, essa realidade ainda não tem correspondência adequada dos serviços de saúde  do ponto de vista da estruturação e organização adequada com uma debilidade desde a porta de entrada, que deveria ser realizada através da rede básica de saúde, pelos PSF, até a sua maior complexidade no nível hospitalar e reabilitação. E essa realidade é corroborada com a desinformação dos gestores dos serviços de saúde desde a falta de conhecimento do próprio documento da PNRMAV a classificação das unidades conforme a Portaria, o que traz consequentes problemas na estruturação e organização em todos os níveis de atenção (pré-hospitalar fixo, hospitalar e reabilitação) da rede de assistência municipal para atender às diretrizes da PNRMAV e, além do mais, dificulta a hierarquização e a integralidade do atendimento. Apesar das lacunas apontadas, registramos avanços no pré-hospitalar móvel sobretudo em relação ao atendimento às vítimas de  acidentes. Contudo, muito ainda se tem que reorganizar para se considerar a política implantada nos municípios estudados.

Referência Bibliográfica

Falbo G, Lima MLC, organizadores. Avaliação da Política Nacional de Morbimortalidade por Acidente e Violência nos Municípios de Pernambuco com mais de 100.000 Habitantes. Recife: Ed. Universitária da UFPE; 2012.

Entrevista com:

2 Comentário

  1. Boa tarde,

    gostaria de ter acesso a essa publicação. Vcs a tem em PDF? Por favor, me enviem por email. Estou fazendo um curso de pós que tem o propósito de conhecer a implementação de políticas públicas de promoção de saúde e erradicação da violência.

    Obrigada,

    prof. dra. Cristina Miyuki

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